Os três interrogatórios a Joaquim Barroca, realizados entre 23 de abril e 22 de julho, demonstram, e ao contrário do que foi noticiado, que Barroca não entregou José Sócrates. Isto é, o administrador do Grupo Lena afirmou ao juiz Carlos Alexandre e ao procurador Rosário Teixeira, titulares dos autos, ignorar que Sócrates fosse o destinatário final dos 15 milhões de euros que passaram pelas suas contas na Suíça, entre 2007 e 2009.

Apesar disso, os interrogatórios ajudaram a reforçar os indícios dos investigadores contra Carlos Santos Silva e indiretamente contra o próprio Sócrates. Joaquim Barroca admitiu logo no seu primeiro interrogatório que assinou ordens de transferência em branco para o amigo do ex-primeiro-ministro poder movimentar dinheiro à vontade, confessando igualmente que sempre que movimentou fundos das suas contas na UBS viajou para a Suíça acompanhado de Carlos Santos Silva.

Confrontado com toda a documentação bancária que as autoridades suíças enviaram para o Ministério Público (MP) ao abrigo da cooperação judiciária no combate ao terrorismo e branqueamento de capitais, Joaquim Barroca deu duas explicações para a realização de transferências para Santos Silva:

  1. Começou por afirmar que os fundos com origem em contas de empresas do Grupo Lena (no total de cerca de 2,4 milhões de euros, segundo o MP) tinham como objetivo pagar uma comissão de 1,7 milhões de euros a Carlos Santos Silva – valor que correspondia a 1% da faturação de sociedades daquele grupo de construção gerada através do contributo de Santos Silva. Barroca acrescentou ainda que optou por realizar essa transferência porque o amigo de José Sócrates estava insatisfeito com o valor de 125 mil euros que tinha sido atribuído numa primeira fase a essa mesma comissão.
  2. Alegou que o remanescente se destinava a pagar a compra de ações de uma sociedade offshore com sede em Gibraltar (a Cosmatic Properties), de forma a ser proprietário de um terreno em Sintra. A Cosmatic pertencia a José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates que está a ser investigado na Operação Monte Branco, tendo Barroca pago um milhão de euros pelas ações da sociedade através de Carlos Santos Silva – o homem que lhe apresentou José Paulo como ‘Paulo, o Gordo’. Este só foi identificado como José Paulo Pinto de Sousa depois de ser mostrada uma foto do mesmo retirada do Google. Alegadamente, a quinta em Sintra veio a ser devolvida por Joaquim Barroca em janeiro de 2014 por não terem sido cumpridas as expectativas de construção prometidas, tendo Barroca recebido o dinheiro que pagou mas sem juros de mora.

Quanto aos restantes 15 milhões de euros que passaram pela segunda das três contas que Joaquim Barroca detinha na Union de Banques Suisses (UBS), a partir de transferências de duas offshore de Hélder Bataglia (acionista do empreendimento de Vale do Lobo, no Algarve) e do holandês Jeroen Van Dooren (que comprou um lote de terreno naquele resort algarvio), o líder do Grupo Lena disse ignorar a origem e o destino dos fundos.

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O procurador Rosário Teixeira não aceitou essa versão dos factos, contrapondo que Joaquim Barroca tinha transferido um total de 2,7 milhões de euros para a Suíça através de fundos do Grupo Lena, sendo certo que cerca de 2,4 milhões foram parar às contas bancárias da offshore Giffard Finance, controlada por Carlos Santos Silva.

No caso da segunda conta bancária que Joaquim Barroca detinha na Suíça, e por onde passaram cerca de 14 milhões de euros que o empresário disse ignorar a origem e o destino, o procurador Rosário Teixeira não deixou de ser irónico e afirmou que tal versão era um atentado contra o Estado de Direito.”

Apesar disso, Joaquim Barroca não deixou de admitir um facto neste seu primeiro interrogatório que confirma a sua grande proximidade com Carlos Santos Silva: a assinatura de declarações em branco na Suíça para a posterior realização de transferências, sendo que o empresário amigo de Sócrates, segundo o gestor do Grupo Lena, tinha conhecimento dos números das suas contas para preencher a referida documentação e proceder às transferências que entendesse.

Contudo, o procurador Rosário Teixeira não deu grande credibilidade a esta versão de Joaquim Barroca, promovendo no final do interrogatório realizado a 23 de abril a prisão preventiva do gestor do Lena (com possibilidade de substituição pela medida de prisão domiciliária) por suspeitas da prática dos crimes de corrupção ativa, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais e por perigo de perturbação de inquérito (visto que Joaquim Barroca tentou esconder documentação durante as buscas realizadas à sua casa). O juiz Carlos Alexandre decretou a prisão preventiva de Joaquim Barroca e mandou avaliar se seria possível tecnicamente colocar Barroca mais tarde com pulseira eletrónica em casa.

Lena Madeira teve contratos com Vale do Lobo

No segundo interrogatório, que ocorreu a 8 de maio, Barroca foi confrontado com os contratos que a subsidiária madeirense do Grupo Lena tinha realizado com a empresa Vale do Lobo Resorts, manteve a versão que não conhecia o cidadão holandês Van Dooren que realizou três transferências, num total de dois milhões de euros, para a sua conta na Suíça e acrescentou um pormenor:

Barroca afirmou ao procurador Rosário Teixeira que viajou para a Suíça sempre na companhia de Carlos Santos Silva. Isto é, sempre que movimentou as suas contas helvéticas estaria na companhia do amigo de José Sócrates.”

Sobre o terreno de Sintra, acrescentou igualmente que quando vendeu o terreno, foi Carlos Santos Silva que lhe apresentou o comprador: Rui Mão de Ferro. Outro empresário da órbita de Carlos Santos Silva e de José Sócrates que é sócio e administrador de diversas sociedades que estão referenciadas nos autos. A transação voltou a ser feita nos mesmos moldes da primeira: Barroca vendeu as ações de uma offshore (Airlie Limited que substituiu a Cosmatic como proprietária do terreno em Sintra) a Rui Mão de Ferro.

Joaquim Barroca voltou a ser chamado a 22 de julho, tendo sido confrontado em pormenor sobre novos factos relativos à relação entre o Grupo Lena e as sociedades detentoras do empreendimento de Vale do Lobo e os negócios do seu grupo em Angola.

No final do terceiro interrogatório, e atendendo que já não se justificava o perigo de perturbação de inquérito, Barroca deixou a prisão domiciliária mediante uma caução de 400 mil euros.