A guerra está instalada no PS. A posição de António Costa de não apoiar ninguém nestas eleições presidenciais suscitou, na noite eleitoral, uma onda de críticas quer do lado da candidatura de Maria de Belém como Sampaio da Nóvoa. Um partido que “não tem andando bem” e que “não aprende com os erros” é como destacados militantes fazem o balanço da participação do partido nestas presidenciais. António Costa pode até dormir descansado no que diz respeito ao novo Presidente da República, mas o PS “vai ter de refletir”, avisam.
As hostilidades internas começaram com a primeira surpresa da noite. Maria de Belém Roseira ficou em quarto lugar e abaixo de Marisa Matias, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda. Vera Jardim, antigo ministro e porta-voz da candidata socialista, apontou logo o culpado. “Não se pode ignorar que a tomada de posição pública dos principais dirigentes do PS e membros do Governo foi identificada como sendo a posição oficiosa do PS ao arrepio da Comissão Política”, atirou Jardim na primeira declaração política da noite, antecipando antes dos resultados oficiais a pesada derrota da sua candidata: 4,2% dos votos.
Sem motivos para festejar, também a campanha de Sampaio da Nóvoa (que ficou nos 22,9%) encontrou motivos para se queixar do PS. Para Ana Gomes, eurodeputada socialista, os candidatos do partido perderam “porque o PS esteve dividido”.
“O PS é determinante para as vitórias e para as derrotas à esquerda […], não tem andado bem”, considerou a eurodeputada, afirmando que o partido “tem de refletir”. Sampaio da Nóvoa ainda tentou pôr água na fervura, dizendo que o pouco que faltou para chegar à segunda volta foi da sua “inteira responsabilidade”, mas não adiantou.
Gabriela Canavilhas, ex-ministra da Cultura e coordenadora dos mandatários de Nóvoa considerou, em declarações à RTP, que o PS deixou-se “condicionar” pelo facto de as presidenciais terem decorrido numa data muito próxima das legislativas, optando por não dar oficialmente o apoio a ninguém.
Agora, “este resultado pode criar algumas dificuldades a esta conjugação de apoios à esquerda. Receio que possa haver aqui alguns desequilíbrios entre o PCP e entre o Bloco. Houve fragilidades que ficaram demonstradas na correlação de forças”, afirmou Canavilhas, ex-ministra da Cultura, aludindo a possíveis dificuldades no apoio parlamentar do PS por parte dos partidos à esquerda.
Do outro lado da barricada, ou seja, no lado de Maria de Belém, Manuel Alegre, teve uma das intervenções mais diretas da noite. “Havendo uma derrota da esquerda, há uma derrota do PS que é o principal partido da esquerda”, disse o histórico socialista. Uma intervenção que nem o reconhecimento da derrota por parte de Ana Catarina Mendes, número dois de Costa no PS, ao enviar “uma mensagem de reconhecimento pelo combate que travaram em circunstâncias particularmente difíceis”, veio apaziguar.
Alberto Martins, também apoiante de Maria de Belém, também afirmou que o partido “deve fazer análise crítica das consequências” destes resultados. “A esquerda tem de refletir. Parece que não aprendemos com os erros do passado, entregando a Presidência da República a uma personalidade da direita“, afirmou o destacado militante socialista, lembrando lutas internas do passado nas presidenciais que se repetiram nesta eleição.
Uma derrota que toda a esquerda encosta ao PS
A derrota não foi só para Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa. Sem segunda volta, a esquerda que se batia por ela, também se ressentiu. Na RTP,o deputado do BE, José Manuel Pureza, ainda com os resultados a entrar, atirou ao PS a responsabilidade da eleição de Marcelo Rebelo de Sousa na primeira volta. “O PS fez aquilo que entendeu fazer e os resultados estão à vista. […] Houve uma tentativa de primárias para segunda volta que não resultou”, concluiu o bloquista, evidenciando reprovação pela gestão destas eleições no PS.
Também Jerónimo de Sousa, mesmo com o seu candidato em quinto lugar e com o pior resultado das presidenciais de sempre para os comunistas, disse que os números iniciais de Marcelo, perto dos 50%, comprovam “a real possibilidade de ser derrotado se todos estivessem verdadeiramente envolvidos nessa derrota”.
No início da noite, e mesmo antes de quaisquer resultados serem conhecidos, Sérgio Sousa Pinto, que abandonou a direção do partido quando António Costa formou Governo com apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP, antevia uma abstenção elevada e deixou críticas ao seu próprio partido. “Eleições onde os partidos procuram ser tanto quanto possível invisíveis, não ter um papel central, mobilizador dos seus eleitorais e dos seus blocos sociais de apoio há sempre uma quebra”, disse Sousa Pinto ao entrar na sede de candidatura de Maria de Belém.
Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém Roseira conseguiram juntos cerca de 27% dos votos, ficando aquém dos 32,5% do PS alcançados nas legislativas de há quatro meses. Os próximos dias no PS prometem ser quentes.