O acordo de governação assinado com o PS mantém-se, já que o PCP “tem uma só cara e uma só palavra”, mas Jerónimo de Sousa alertou esta terça-feira para o facto de a proposta de Orçamento do Estado para 2016 ainda estar muito “condicionada” pela União Europeia. Falando aos jornalistas no decorrer da reunião do Comité Central, o secretário-geral comunista deixou o aviso: o PCP vai intervir “ativa e seriamente” na elaboração do Orçamento.
E não vai, por isso, ser apenas mais um número nas contas do PS para ver aprovados orçamentos e prosseguir a governação. O “empenho”, o “compromisso” e a “seriedade” dos comunistas no acordo mantêm-se, disse Jerónimo, mas sem esquecer no entanto as “indisfarçáveis diferenças” que separam os dois partidos e a “pressão e a chantagem” da parte de Bruxelas.
“Com a consciência da distância e indisfarçáveis diferenças quanto aos pressupostos macroeconómicos, designadamente em matéria de constrangimentos e condicionamentos externos, o PCP intervirá ativa e seriamente para garantir que o Orçamento do Estado dê resposta a aspirações e direitos dos trabalhadores e do povo”, disse Jerónimo lendo um comunicado saído da reunião do Comité Central – que ainda decorre.
Tudo será tido em conta e o PCP garante que, apesar de manter o compromisso com o acordo de governação, não vai assinar o Orçamento de cruz. “O PCP vai examinar a proposta do Orçamento do Estado conhecendo os constrangimentos que existem em relação à União Europeia”, afirmou Jerónimo de Sousa, depois de ter reforçado a ideia de que o Comité Central “denuncia a operação de pressão e chantagem que vem da União Europeia e de círculos nacionais a ela associados”.
Questionado sobre o decorrer das negociações com o PS para a viabilização do OE, Jerónimo corrigiu o termo – não se trata de “negociações” mas mais de “contribuições”. E elogiou os socialistas: “O PS tem tido um posicionamento de valorização daquilo que é a contribuição do PCP, não aceitando tudo mas aceitando muita coisa”, disse.
Temperatura quente? Só se for do ar condicionado
Para quem dizia que o PCP estava a ferro e fogo, na sequência do desaire eleitoral de domingo e numa altura em que o inédito acordo de governação à esquerda está a ser posto à prova, Jerónimo de Sousa quis deixar todos tranquilos: “Se a temperatura está quente só pode ser do ar condicionado”, disse, sublinhando desde logo que o ambiente dentro de portas do Comité Central está “ameno”, assente num espírito “construtivo” de “união e coesão”.
Para Jerónimo, às presidenciais o que é das presidenciais, às autárquicas o que é das autárquicas e às legislativas o que é das legislativas. Procurando reforçar que a direção do partido está “unida” e que não há intenção de fazer rolar cabeças – numa altura em que também a provável sucessão na liderança está em causa – Jerónimo sublinhou que não se deve “fazer comparações de coisas que não são comparáveis”, afirmando com isso que a má prestação do PCP nas presidenciais não fragiliza a postura do partido no que ao Parlamento e ao Governo diz respeito.
“O que aconteceu a 24 de janeiro não vai com certeza repetir-se nas autárquicas ou nas próximas legislativas”, assegurou, rejeitando extrapolações.
No final, apenas uma nota: se o Bloco de Esquerda “enfiou a carapuça” e se sentiu ofendido quando, na noite eleitoral, o secretário-geral do PCP fez alusão ao “candidato ou candidata engraçadinha” que o PCP podia ter arranjado para ter melhor resultado nas urnas, Jerónimo recua. “Se alguém se sentiu beliscado e ofendido então não está cá quem falou”. Em todo o caso, “eu não me ofenderia se me chamassem engraçado…”, brincou.
Os votos comunistas que fugiram para Nóvoa – a principal causa do desaire
Do alto da experiência de quem já passou por “mais de 40 eleições”, Jerónimo de Sousa sabe que em algumas se ganha, noutras se perde. “Numas há avanços, noutras há recuos”, mas é sempre preciso olhar para a pintura com uma visão de conjunto. E desta vez é preciso lembrar que havia Sampaio da Nóvoa na equação, um nome que sempre agradou à esquerda e muito concretamente a personalidades do PCP. Olhando em perspetiva, Jerónimo de Sousa admite agora que “houve camaradas” que optaram por votar em Sampaio da Nóvoa para aumentar a chance de haver segunda volta, prejudicando dessa forma o candidato do PCP – mas em vão.
“Foi um ganho pequeno para Sampaio da Nóvoa, como se viu, e resultou numa redução de votos para Edgar Silva”, conclui agora o secretário-geral do PCP, que reconhece que essa fuga de votos foi um dos factores responsáveis pelo tão fraco resultado da candidatura do madeirense nas eleições presidenciais deste domingo. Isso e o tratamento “desigual” das candidaturas pelos media, bem como “a promoção e favorecimento de outras candidaturas”, acrescentou.
Sem arrependimentos. Para o Comité Central pesa mais a necessidade de o PCP ter “voz própria” e foi isso que vingou. A candidatura de Edgar Silva “confirmou a importância da voz própria do PCP no debate sobre a situação nacional e o papel do Presidente no cumprimento da Constituição”, disse ainda Jerónimo de Sousa à margem da reunião do órgão máximo do PCP, onde a leitura política dos resultados das presidenciais esteve no topo da agenda.