António Costa apresentou esta quinta-feira o Simplex 2016, um programa com 255 medidas para conduzir uma verdadeira reforma do Estado. O primeiro-ministro terminou a sua intervenção oferecendo uma vaca voadora a Maria Manuel Leitão Marques, ministra da Presidência e da Modernização Administrativa. Sim, leu bem: uma vaca voadora. Mas a história tem barbas.

E nasceu quando António Costa era ainda ministro da Administração Interna. Nessa época, contou o primeiro-ministro, reunia todas as segundas-feiras com os secretários de Estado e com Maria Manuel Leitão Marques. Com os vários impossíveis por resolver, José Magalhães, ex-deputado socialista e “um dos mais notáveis criadores de figuras”, dizia que só há mesmo uma coisa que é impossível: ‘Que as vacas voem”. A história das vacas voadoras tornou-se uma piada do inner circle de Costa, que chegou a revelá-la numa entrevista ao Jornal de Negócios em Outubro de 2009.

Esta quinta-feira, o primeiro-ministro voltou a lembrá-la. “Discutimos ainda que havia uma capa de um LP dos Pink Floyd com uma vaca voadora, mas admitimos que isso pudesse ser só na música”, contou Costa. Aqui uma pequena interrupção: na verdade, não existem vacas voadoras nos álbuns dos Pink Floyd. Existe, sim, um álbum cuja capa é uma vaca com as patas bem assentes na terra (Atom Heart Mother, 1970), e outro cuja imagem é um porco voador (Animals, 1977). Um pequeno detalhe que não compromete a mensagem: não há impossíveis.

“Quando estava quase conformado, um dia, no aeroporto de Londres, ao passar por uma loja, encontrei um objeto que adquiri, que mantive cuidadosamente ao longo destes dez anos e que vou hoje oferecer à senhora ministra da Presidência. Demonstra que mesmo aquilo que é mais improvável, como seja as vacas voarem, também isso pode não ser verdade. Até as vacas podem voar”, relatou Costa.

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Com Maria Manuel Leitão Marques já no palco, ei-la, a vaca voadora do primeiro-ministro. Perante alguma hesitação inicial, o primeiro-ministro ainda chegou a perguntar: “Não me vão dizer que isto agora não funciona…”. Mas funcionou. “Depois de ter cuidado dez anos carinhosamente deste animal vou agora entregá-lo à senhora ministra da Presidência para que lhe dê continuidade e continue a demonstrar que nem as vacas voarem é impossível”. Porque o programa Simplex, disse, é uma “never ending story”, um processo que não tem fim, que é contínuo.

2017, o ano sem papel no Estado. Promessa de Costa

Mas antes da materialização da metáfora da “vaca que voa”, o primeiro-ministro deixou dois desafios em jeito de promessa que “todos dizem ser impossível” para os próximos dois anos: 2017 será o primeiro ano do “papel zero”, ou seja, o ano sem papel na administração pública. Isto porque, disse António Costa, e o ministro das Finanças estava na plateia para não o deixar mentir, o Estado gasta por ano cerca de 52 milhões de euros em material de escritório, sendo que cerca de 30 milhões deverão corresponder a custos com papel.

E 2018, prometeu ainda, deverá ser o ano sem viaturas de serviço dentro da cidade. Ou seja, o ano com menos carros e com mais transportes públicos – “táxis inclusive, da Uber ou sem ser da Uber”, gracejou.

“Bem sei que há sempre a mesma questão: mas isso é possível? Como é que isso vai ser feito?”, disse o primeiro-ministro, admitindo já ter ouvido muitas vezes a mesma questão, nomeadamente quando foi ministro da Administração Interna. Na altura, Costa lembra-se de como foi difícil convencer o país de que “não ia haver burla se acabássemos com as fotocópias certificadas”. “Havia a convicção de que a fotocopiadora tinha a capacidade de falsificar o papel original, e foi uma luta convencer as pessoas do contrário”, brincou.

Para Costa, o desafio maior associado ao Simplex é precisamente descomplexar a regulamentação e a legislação. “Legislar menos é modernizar”, disse o primeiro-ministro orgulhando-se de nos seis meses que está no Governo legislou “menos de um terço do que os governos habitualmente legislam no mesmo período”. Segundo Costa, há uma regra tácita que tem de ser aplicada antes de aprovar qualquer nova lei: “Cada vez que pensamos fazer uma nova legislação devemos fazer a pergunta ‘o país não sobrevive até ao século XXII sem esta medida?’ Se sobreviver, então temos de pensar três vezes”, disse.

Pelo menos 70% dos diplomas aprovados em Diário da República não produziram uma mudança positiva na vida dos cidadãos”.

“A modernização do Estado não é encerrar serviços”, garantiu ainda Costa, defendendo antes o investimento no digital e na capacidade de trabalhar em rede, e o aumento do número de serviços disponíveis ‘online’. Isto porque, enfatizou, a administração pública não é mais produtiva por “trabalhar mais horas ou ganhar menos dinheiro” e os funcionários públicos são os primeiros interessados em terem uma administração “mais qualificada, mais moderna, mais admirada, mais querida pelos cidadãos”.

Antes de António Costa encerrar a cerimónia, já o vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela modernização administrativa, Frans Timmermans, tinha afirmado estar “muito impressionado” com o programa Simplex, que está a fazer com que Portugal “dê o exemplo” e desencadeie uma “mudança de mentalidade”. “É o exemplo perfeito daquilo a que eu chamaria a sociedade pós-paternalista, onde é o governo que ouve as pessoas e dá o serviço que elas querem e precisam, e não o contrário”, disse.