É uma quase certeza: se o Reino Unido sair da União Europeia, a bolsa londrina sentirá um tombo. Embora a probabilidade de vencer o “Sair” no referendo britânico do dia 23 esteja agora perto de 40%, segundo as casas de apostas e os especialistas em eleições, como a Hypermind e a Number Cruncher Politics, os investidores devem mexer nas carteiras de ações?

Quando esteve em Londres a apresentar o mais recente relatório do Fundo Monetário Internacional sobre o Reino Unido, Christine Lagarde alertou que o chamado Brexit – a saída da nação da União Europeia – conduziria a uma queda da bolsa, da libra esterlina e do mercado imobiliário. “Um voto na saída precipitaria um período prolongado de elevada incerteza, conduzindo a volatilidade nos mercados financeiros e uma quebra da produção”, lê-se no relatório produzido pela instituição liderada por Lagarde.

O alerta de Christine Lagarde não foi uma novidade: foi apenas o eco do que muitos outros especialistas dizem, incluindo o governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney. No entanto, os investidores de longo prazo que têm uma exposição às ações britânicas no contexto de uma carteira diversificada a nível global não têm de se preocupar em demasia.

“Manter-nos-emos um investidor de longo prazo no Reino Unido independentemente do resultado” do referendo, explicou Yngve Slyngstad, o presidente executivo do Norges Bank Investment Management, a entidade que gere o Fundo de Pensões do Estado da Noruega, o maior acionista europeu. Um décimo deste fundo, avaliado em 770 mil milhões de euros, está aplicado em ações, obrigações e imobiliário do Reino Unido. No início de abril, a aposta na petrolífera anglo-holandesa Royal Dutch Shell, de cerca de quatro mil milhões de euros, era a sua terceira maior nos mercados acionistas.

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Miguel Gomes da Silva, o diretor da sala de negociação do Montepio, concorda que os investidores não se devem afastar da sua carteira de longo prazo. “Os investidores de PPR e de fundos de investimento devem ficar quietos”, aconselha o especialista.

Banca na lista de quem mais sofre

Apenas os investidores mais ativos podem querer efetuar alguns ajustes ao património, em particular se tiverem carteiras pouco diversificadas expostas à economia do Reino Unido.

Os vários estudos sobre o Brexit apontam para quebras no produto interno bruto decorrentes da saída entre 1,5% e 9,5%. Muitos economistas não receiam falar em recessão, incluindo Christine Lagarde, que estima dois trimestres de queda do produto. Embora pareça que os problemas seriam transversais a todos os setores, há dois que se destacam: banca e imobiliário.

O efeito económico no setor financeiro é direto: bancos e instituições financeiras exclusivamente britânicos, como o Lloyds Banking Group e o Virgin Money Holding, sofreriam proporcionalmente à desaceleração económica. Todavia, mesmo os grandes bancos internacionalizados seriam penalizados, em particular os que têm muitos negócios na Europa, como o Royal Bank of Scotland. “O estatuto de Londres como centro financeiro global poderia ser afetado, porque as firmas baseadas no Reino Unido poderiam perder os seus direitos de ‘passaporte’ para fornecer serviços financeiros ao resto da União Europeia e porque muito dos negócios feitos em euros poderiam passar para o continente”, indica o relatório do FMI.

O aperto que os bancos sentiriam alastrar-se-ia ao imobiliário. O número de negócios no imobiliário comercial já caiu 40% no primeiro trimestre de 2016, mas o mercado residencial ainda não se ressentiu. Contudo, a redução da concessão de crédito e o aumento do custo dos financiamentos teriam de se refletir nos preços dos imóveis em Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte. A bolsa de Londres está pejada de sociedades de investimento imobiliário que poderiam ser infetadas. As maiores são a Land Securities e a British Land.

O setor de retalho, que é um barómetro da saúde económica, também poderia ficar entre os maiores perdedores. Marks & Spencer e Tesco são dois dos maiores retalhistas cotados em Londres. Naturalmente, as pequenas e médias empresas britânicas, por se concentrarem mais na economia interna, estão na fila da frente para as quedas.

Bons dividendos na carteira
As empresas britânicas são conhecidas por pagarem dividendos generosos. Em média, a taxa de dividendos é de 4,66%.
Empresa Preço Preço-lucros Taxa de dividendos Recomendação média
Lloyds Banking Group 63,03 121,95 5,56% Comprar
Virgin Money Holding 303,45 13,23 1,48% Comprar
Royal Bank of Scotland 211,50 n.a. n.a. Manter
Land Securities 1.105,00 6,52 2,95% Comprar
British Land 707,50 5,38 3,99% Comprar
Marks & Spencer 351,80 14,13 6,62% Manter
Tesco 149,00 64,50 n.a. Manter
Fonte: Bloomberg. Preço em pence na bolsa de Londres. Preço-lucros = preço ÷ lucros de 12 meses por ação. Taxa de dividendos = dividendos de 12 meses ÷ preço. n.a. = não aplicável. Valores de 14 de junho de 2016 às 12h00.

Apesar de algumas destas ações serem sérias candidatas a perdas avultadas num cenário de Brexit, são também bons candidatos ao aproveitamento da volatilidade e da especulação em torno do referendo. Algumas das ações de empresas que potencialmente mais sofrem com o abandono da União Europeia já estão a ser penalizadas. Se o resultado da votação for favorável à permanência na União Europeia, as que já desvalorizaram podem recuperar uma boa parte ou a totalidade dos prejuízos que registaram em antecipação.

O efeito do Brexit também não pode ser circunscrito às ilhas britânicas. A economia europeia (e as suas bolsas) e o euro poderão também sofrer, porque a saída do Reino Unido poria em causa o projeto europeu e abriria caminho para outras nações ponderarem o abandono da União Europeia. O Global Counsel, a unidade da sociedade de relações públicas WPP que é especialista no aconselhamento sobre os efeitos políticos nas empresas, estima que os Países Baixos, a Irlanda e Chipre seriam os países que mais sofreriam com o Brexit, à parte do Reino Unido.

Quem pode beneficiar com a saída

À partida, parece que todas as empresas britânicas podem sofrer com a queda produtiva no país. Mas não é bem assim: a queda da libra esterlina pode representar um sinal positivo para as maiores exportadoras, porque as receitas externas, quando convertidas para a moeda local, valem mais. Isto quer dizer que, em libras, a margem da faturação sobre os custos aumenta, desde que a produção seja feita localmente.

Não é difícil encontrar multinacionais de origem britânica cuja maior parte das vendas é efetuada fora dos limites da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. Mais de metade da faturação das maiores companhias listadas em Londres – as petrolíferas Royal Dutch Shell e BP, as farmacêuticas GlaxoSmithKline e AstraZeneca e a operadora de telecomunicações Vodafone – é obtida fora do Reino Unido.

Em alguns casos, o Brexit poderia ser um evento neutro para algumas companhias. O negócio das fornecedoras de serviços básicos – como a operadora de redes energéticas National Grid e a fornecedora de eletricidade SSE – dificilmente seria ameaçado pela saída da União Europeia.

Mais resistentes
Estas são algumas das companhias britânicas com muitos negócios no exterior ou que estão inseridas num setor resistente aos ciclos económicos.
Empresa Preço Preço-lucros Taxa de dividendos Recomendação média
Royal Dutch Shell – A 1.741,00 n.a. 6,85% Manter
BP 362,75 n.a. 7,48% Manter
GlaxoSmithKline 1.400,50 110,31 7,14% Manter
AstraZeneca 3.765,00 23,18 5,05% Manter
Vodafone 211,65 n.a. 5,41% Manter
National Grid 964,90 13,97 4,50% Manter
SSE 1.488,00 32,31 5,97% Manter
Fonte: Bloomberg. Preço em libras esterlinas na bolsa de Londres. Preço-lucros = preço ÷ lucros de 12 meses por ação. Taxa de dividendos = dividendos de 12 meses ÷ preço. n.a. = não aplicável. Valores de 14 de junho de 2016 às 12h00.

O maior grupo de empresas beneficiadas pelo Brexit está, provavelmente, fora do Reino Unido. No longo prazo, os negócios internacionais perdidos pelas britânicas teria de ser satisfeita por outras nações. As companhias da Europa continental são os melhores candidatos à substituição, já que é essa região que é o maior parceiro comercial do Reino Unido.

David Almas é analista financeiro independente registado na CMVM com o número oito. O autor trabalha subordinado ao Código Deontológico dos Jornalistas.