Mário Centeno, ministro das Finanças, convocou uma conferência de imprensa com duas horas e meia de antecedência para esta quarta-feira, para falar sobre a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. A marcação em cima da hora criou expectativas de que as perguntas que têm vindo a ser colocadas por todos os partidos, à exceção do PS, fossem respondidas. Mas, afinal, foi mais o que o ministro não disse, do que aquilo que disse. O valor da injeção de capital continua em segredo. Centeno reconheceu, apenas, que a Comissão Europeia pode forçar um montante mais curto.

O valor exato da recapitalização da Caixa é o cerne da discussão com a Comissão Europeia, que ainda está em curso, assumiu o ministro das Finanças:

[O aumento de capital] pode ser mais baixo. Essa é a essência do debate que está a ser feito com as autoridades europeias.”

Ou seja, neste momento trata-se de passar a pente fino as necessidades de capital da Caixa. É da explicação destas necessidades que vai depender a classificação que Bruxelas fará da operação, assumiu Centeno, e isso, em última análise, significa validar ou chumbar a operação. Se a injeção de capital for considerada um investimento (isto é, uma operação com racionalidade económica), não é considerada uma ajuda de Estado e não conta para o défice orçamental, garantiu o governante.

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Portugal está obrigado a colocar, em 2016, o défice abaixo do limite de 3% do PIB (produto interno bruto) e ainda não está completamente descartada a possibilidade de vir a ser sancionado por ter falhado essa meta em 2015. As últimas palavras sobre o assunto foram aliás, de Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, que pediu à Comissão que “leve a sério” o seu papel de árbitro.

O que revelou o ministro

Mas o que disse Centeno sobre o bolo que justifica o aumento de capital? Desde logo, adiantou que as imparidades da Caixa justificam, naturalmente, parte do valor, mas garantiu que esta é “apenas uma parte do que está a ser negociado com Bruxelas”, não havendo uma “particular sensibilidade” em relação à questão. O número vindo a público aponta para imparidades de crédito superiores a dois mil milhões de euros, com uma fatia substancial para os grandes devedores.

O montante da operação terá, também, de ser o suficiente para cobrir os custos da reestruturação prevista para o banco. Neste capítulo, o ministro reafirmou que não haverá despedimentos, mas reconheceu que o número de trabalhadores deverá diminuir ao longo dos próximos anos, até porque a rede de balcões vai encolher. Seja como for, o montante da recapitalização terá de prever os custos desta redução de pessoal, assumiu Mário Centeno, e deu como exemplo a necessidade de provisionamento do fundo de pensões do banco.

Já quanto aos 900 milhões de euros em CoCo’s, que são títulos de dívida convertíveis em capital, Mário Centeno adiantou que não serão devolvidos ao Estado. Serão convertidos em capital, embora não contem para o reforço dos rácios, uma vez que já foram contabilizados para esse efeito no passado. Mas esta conversão poderá ser uma explicação para o valor mais recentemente noticiado, que aponta para 5.000 milhões de euros, quando antes se falava em 4.000 milhões de euros de aumento de capital.

Centeno reafirmou a necessidade de que o investimento na Caixa tem de ser lucrativo para o Estado e apontou para um horizonte de cinco anos para o banco gerar retorno. O que não está previsto é a integração do Novo Banco no universo da Caixa, como chegou a ser sugerido pela ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, num artigo de opinião publicado esta quarta-feira no Jornal de Negócios.

O que o ministro não disse

Por dizer ficaram os detalhes. Desde logo, o valor exato da recapitalização — continua sem se confirmar, nem desmentir, se serão quatro mil milhões de euros, conforme avançou o Observador, ou cinco mil milhões de euros, como referiu, nesta quarta-feira, a Antena 1.

Também não se sabe quantos trabalhadores deverão deixar a Caixa, nem em que moldes. Sabe-se apenas que não será através de um despedimento coletivo, mas poderá ser, por exemplo, através de reformas antecipadas, rescisões amigáveis ou pela simples restrição de admissões. Os valores conhecidos falam na dispensa de 2.000 a 2.500 colaboradores.

A Caixa vai ter de passar a dar lucro de forma consistente, para provar a Bruxelas que o acionista público está a fazer um investimento na ótica de mercado e de que não se trata de uma ajuda de Estado. O indicador de referência para a Comissão Europeia em planos para a banca é uma remuneração de 10%. Mas Centeno não concretizou, nem adiantou, quando é que a Caixa tem de começar a apresentar resultados positivos.

Não se sabe quantos balcões vão encerrar, nem em que regiões. Sabe-se apenas que a rede vai encolher, incluindo no que toca aos negócios internacionais. O foco vai ficar em África, o que poderá significar sair de Espanha, onde a Caixa conseguiu lucros depois de uma grande reestruturação, e vender uma das mais lucrativas unidades do grupo: o BNU Macau que em 2015 teve resultados positivos de quase 60 milhões de euros.

O ministro também não revelou quando é que a recapitalização faseada vai ocorrer. Disse apenas que não está prevista nenhuma injeção de capital ainda antes da tomada de posse da nova administração do banco, que está prevista para julho. Uma das dúvidas diz respeito às condições que António Domingues, que será o novo presidente executivo, terá exigido para aceitar o desafio. Por fim, também não foram revelados os nomes de todos os futuros administradores, que terão de passar na avaliação de idoneidade e adequação do Banco Central Europeu.