O Tribunal Administrativo de Lisboa deu razão a um processo judicial contra a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP), condenando este organismo do Estado a mostrar toda a informação e documentos que tinham sido negados ao queixoso. É a primeira vez que uma queixa contra esta comissão responsável pelos concursos para altos dirigentes da administração pública chega à justiça. E vence. Ao Observador, a CRESAP disse já ter sido notificada da condenação e que “dará total cumprimento à sentença”.

“Estamos perante o exercício do direito à informação procedimental”, previsto no nº 1 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, lê-se na sentença do Tribunal, a que o Observador teve acesso, e que “se encontra estreitamente relacionado com o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos” previstos no nº 2 do mesmo artigo. Segundo o Tribunal, são estes os artigos, juntamente com o 61º, 64º e 124º do Código do Processo Administrativo, que a CRESAP viola ao recusar-se a divulgar os documentos relacionados com a fundamentação das decisões do concurso.

Em causa está um concurso para o cargo de vogal do conselho diretivo da Administração Regional de Saúde do Norte, para o qual José Ribeiro – técnico superior jurista daquela Administração Regional de Saúde – concorreu e foi excluído na fase de avaliação curricular. O candidato começou por pedir, junto da instituição e dentro do prazo previsto no regulamento da CRESAP, os fundamentos da decisão, isto é, o acesso às atas e a todas as deliberações do júri que tenham levado à sua exclusão do concurso, nomeadamente, o acesso à classificação obtida pelo candidato, discriminada por critério, mas também às classificações obtidas pelos adversários, e respetivas justificações, para comparação.

Na altura, a CRESAP forneceu apenas “a classificação final que lhe foi atribuída [ao candidato autor da queixa] e as notas finais de todos os outros candidatos”, sem, no entanto, fundamentar a classificação e sem revelar os nomes respetivos. Segundo José Ribeiro, foi-lhe ainda enviada “a ata número 3 e outro documento anexo”, que diz respeito a uma reunião do júri onde foi discutida a avaliação dos candidatos, mas onde “não consta o concreto teor da análise e discussão do currículo de cada candidato”, lê-se na sentença. Ou seja, os documentos fornecidos não foram considerados suficientes para a fundamentação.

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Perante a decisão judicial, a CRESAP, que sublinha ter ocorrido “apenas uma reclamação para tribunal de um universo de 371 concursos”, admitiu ao Observador que o desfecho dessa reclamação vai mudar o comportamento da comissão a partir de agora. “O conteúdo da sentença vai passar a constituir procedimento normal” para a comissão, garantiu fonte oficial.

De acordo com a sentença do Tribunal Administrativo, a CRESAP “não tem razão” em três pontos:

1. A CRESAP defende-se com o artigo 19º do Estatuto do Pessoal Dirigente, para dizer que, por só ter de apresentar ao Governo uma lista de três nomes, não tem de dar informações sobre os candidatos excluídos. Mas, decreta o tribunal, “tal conclusão está errada” porque o referido artigo nada diz “sobre os candidatos excluídos e que têm interesse em conhecer as razões da sua exclusão com vista a ponderar se a aceitam ou se a impugnam”.

2. A CRESAP nega-se a revelar os nomes dos candidatos adversários ao lado das respetivas classificações por alegar que a nota (sem o nome) é suficiente para o candidato decidir se está ou não fundamentada a deliberação. Neste caso concreto, a comissão enviou ao queixoso a sua nota final (12,356), assim como a nota que cada membro do júri – são quatro – lhe atribuiu. Enviou também as notas finais dos restantes candidatos, ordenadas da mais alta (14,559) para a mais baixa (5,617), mas sem identificar os nomes. Segundo a CRESAP, estes dados são suficientes para fundamentar a decisão. Mas a justiça entende que “não tem razão“.

“Para o requerente poder decidir se aceita ou impugna a decisão que o excluiu do procedimento, tem de conhecer as razões da classificação e graduação dos candidatos que ficaram à sua frente na ordenação (…) Não basta que conheça a classificação final que foi atribuída a cada um dos que ficaram melhor classificados. Tem de ter também acesso aos relatórios de avaliação destes, às respetivas classificações que foram atribuídas em cada um dos critérios de seleção e à sua fundamentação”, diz.

3. A CRESAP alega que não pode divulgar a identidade de cada um por ser “matéria sigilosa“, conforme está previsto no artigo 23º do regulamento interno da comissão, e por, diz, pôr em causa o direito ao bom nome e à privacidade pessoal e profissional dos candidatos. Diz o tribunal que “o acesso a documentos nominativos por parte de terceiros só é admissível com autorização do próprio ou se se demonstrar a existência de um interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade”. E este é um desses casos, segundo se lê na sentença: “De acordo com o princípio da proporcionalidade, os interesses do requerente prevalecem sobre os dos candidatos em manter em segredo a sua participação num procedimento que é público“.

O artigo invocado pela CRESAP, trata-se, de resto, de uma alteração aos estatutos que foi acrescentada em abril deste ano, depois de terem sido feitas algumas reclamações no sentido da falta de transparência e fundamentação dos procedimentos concursais da CRESAP.

Criada em 2012 pelo Governo de Pedro Passos Coelho com o objetivo de dar maior transparência às nomeações para cargos públicos, a CRESAP assume a função de avaliar e selecionar os candidatos a uma determinada vaga para cargos de dirigentes superiores da administração pública de acordo com um perfil previamente definido por parte das tutelas. Da seleção resulta uma lista de três nomes que é apresentada ao Governo para daí resultar a escolha final. Os concursos são públicos e obrigatórios para os cargos de dirigentes superiores da função pública.

Apesar de esta ser a primeira vez que o caso chega a tribunal, nos últimos meses têm sido feitas várias queixas sobre a alegada falta de transparência e de fundamentação nos critérios de avaliação que levam à exclusão dos candidatos a concurso. Algumas dessas queixas, que o Observador noticiou em julho, já mereceram pareceres favoráveis da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, assim como da Provedoria de Justiça, que censurou a CRESAP acusando-a de usar critérios “arbitrários” e “conceitos indeterminados” nos concursos do Estado, assim como de fazer concursos à medida.

Os pareceres da Provedoria e da CADA, no entanto, não tinham caráter vinculativo, ou seja, não obrigavam legalmente a entidade a cumprir com o decidido. O mesmo já não se aplica a uma decisão judicial.

A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre os moldes do concurso para o cargo de vogal do conselho diretivo da Administração Regional de Saúde do Norte tem a data de 10 de outubro, sendo que é dado um prazo de dez dias para a comissão facultar as informações pedidas pelo candidato.

“Nada demonstra que a presente intimação não venha a ser cumprida, pelo que, por enquanto, não se impõe a aplicação de sanção pecuniária compulsória”, lê-se.

Ao Observador, a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública confirmou mesmo que, por orientação do presidente João Bilhim, “o conteúdo da sentença passará a constituir procedimento normal para a CRESAP”. Disse ainda que o júri do concurso a que se refere a queixa se reuniu para “avaliar que documentos nos termos da sentença devem ser facultados”.