Quem tem medo de taxas de juro mais elevadas?“, perguntam os economistas do banco alemão Commerzbank, em nota de análise enviada aos investidores numa manhã em que os juros da dívida de Portugal atingiram novos máximos desde 2014, nos 4,26% a 10 anos. Os economistas fizeram as contas às poupanças em juros da dívida que os países da zona euro têm conseguido graças aos juros baixos proporcionados pela política do Banco Central Europeu (BCE). A conclusão é a de que, mesmo que os juros venham a subir nos próximos meses ou anos, como se espera, os países vão continuar a financiar-se a taxas razoáveis. A exceção? Portugal, que é “um caso especial” — e não pela positiva.

Os países da zona euro têm conseguido reduzir os encargos anuais com a dívida pública, incluindo Portugal, que no início de 2015 emitia dívida a 10 anos com taxas de 2%. Em contraste, a taxa média da dívida antiga era de 3,6% nessa altura, pelo que se percebe como os juros baixos são uma vantagem: ao renovar dívida a custos mais baixos do que a antiga, os países têm conseguido baixar a fatura com juros.

Um dado surpreendente avançado pelo Commerzbank

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O banco alemão chega a uma conclusão surpreendente neste relatório, que está ligada ao papel absolutamente determinante das taxas de juro baixas. Os economistas dizem que, “à superfície, o estado das finanças públicas dos países da zona euro melhorou consideravelmente. Em 2016, provavelmente apenas dois países, França e Espanha, vão ter um défice superior a 3%, o que compara com os 12 países que infringiam esse limite em 2012”.

A tese do Commerzbank é que “isto é apenas em parte um resultado da consolidação ativa das finanças públicas. Além do clima económico mais favorável, na maioria dos casos — o desemprego caiu na maioria dos países e, portanto, também a despesa pública — foi, sobretudo, o financiamento a taxas muito mais baixas que tem aliviado a pressão sobre os orçamentos públicos”

A taxas de juro estáveis, os desequilíbrios na maioria dos orçamentos públicos seriam maiores hoje do que antes da crise financeira e, em alguns casos, maiores do que em 2012″.

Ralph Solveen e Jörg Krämer, economistas do Commerzbank.

Como descrevemos num fact check recente a declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apesar da subida recente dos juros a maior parte dos países da zona euro continuam a beneficiar deste efeito. A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, a subida dos juros pela Reserva Federal norte-americana e a perspetiva de um final das compras de dívida pelo BCE são alguns dos fatores que estão a fazer subir os juros em toda a parte. Ainda assim, países como Espanha, Irlanda e Itália continuam a financiar-se a taxas inferiores à média dos respetivos stocks — e, ao mesmo tempo, conseguindo obter financiamento a prazos longos como 20 ou 30 anos.

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Esse não é, contudo, o caso de Portugal, que já fez uma emissão de dívida a 4,2% (numa altura em que o stock caiu até aos 3,4% em 2015, segundo os dados mais recentes do IGCP). Essa foi a única emissão de dívida de longo prazo até ao momento, mas, com taxas destas, Portugal voltará a não conseguir abater na fatura anual com juros da dívida, via efeito dos juros baixos causados pela política do BCE.

O que o Commerzbank faz neste relatório é simular que impacto terá uma continuação da subida dos juros nos países da zona euro. E a conclusão do exercício é a de que, “mesmo assim, a maioria dos países não precisa de temer um aumento dos encargos com juros“.

Mesmo que deixem de poder refinanciar-se a taxas tão favoráveis quanto no início de 2015, por exemplo, as taxas continuam em níveis muito mais baixos do que alguma vez foram, antes de 2014. Portanto, por mais um bom bocado de tempo, as obrigações vão vencer com cupões [juros periódicos, fixos] que são superiores ao atual nível de taxas de juro. Não será tão cedo que essa dívida antiga deixa de poder ser refinanciada a juros mais baixos”.

Em termos concretos, e explicando de forma inversa, o Commerzbank calcula que se as taxas não subissem até 2020, os custos de Itália e Espanha com juros da dívida iriam cair 0,6% dos respetivos Produtos Internos Brutos (PIB). Ou seja, há muita margem de manobra para que os juros subam sem que isso coloque os Estados a verem a fatura com juros subir. Em França, o cálculo comparável aponta para 0,4% do PIB e, finalmente, na Alemanha e em Portugal 0,2%.

Alemanha e Portugal, contudo, dois países com explicações muito diferentes para uma evolução menos expressiva dos custos com dívida: Alemanha porque os juros já são muito baixos (e sempre foram), portanto não é muito grande o espaço para grandes alterações e, por outro lado, Portugal, que já não conta, neste momento, com taxas tão baixas assim.

O Commerzbank diz que, mesmo que houvesse um aumento “acentuado” das taxas de juro na emissão de nova dívida, “os custos suportados pela maioria dos países iriam, inicialmente, cair durante mais alguns anos”.

Em Espanha, mesmo que os juros da dívida a 10 anos subissem 200 pontos-base (isto é, dois pontos percentuais, face aos 1,65% atuais) até 2020, o Orçamento do Estado espanhol seria aliviado em cerca de um quarto de ponto percentual do PIB. Este é um dos resultados do exercício complexo feito pelo Commerzbank, sobre cuja metodologia pode ler-se mais neste link).

Portugal — um “caso especial”

O único país da zona euro que não fica bem na fotografia, neste exercício do Commerzbank, é Portugal (excluem-se países que estão sem acesso ao mercado, como Grécia e Chipre). Entre os países analisados pelo banco alemão, “apenas Portugal poderá registar um aumento dos encargos com dívida, novamente, mesmo simulando um aumento adicional moderado dos juros“.

Depois dos aumentos dos juros nas últimas semanas, as taxas de juro a 10 anos já estão a apenas 30 pontos-base (0,3 pontos percentuais) dos valores de há 10 anos, ao mesmo tempo que o fosso em comparação com outros países se alarga para entre os dois pontos percentuais em comparação com Itália e os quatro pontos percentuais da Alemanha.”

Ao contrário dos outros países, diz o Commerzbank, se acaso os juros de Portugal subissem os mesmos 200 pontos base, o fardo de Portugal com a dívida subiria até 2020. Se as taxas de juro subissem 200 pontos-base, calcula o banco alemão, o custo adicional com juros da dívida corresponderiam a 0,3% do PIB.

Este é, contudo, um exercício puramente teórico já que, acaso os juros subissem os tais 200 pontos base, isto é, para mais de 6%, isso significaria provavelmente que Portugal deixaria de ter investidores no mercado para comprarem a sua dívida nas quantidades que são necessárias, como aconteceu em 2011.