Foram 18 meses a ler documentos, entrevistar testemunhas (mais de 75) e a compilar um relatório. E, afinal, a investigação às denúncias de corrupção no processo de candidaturas aos Mundiais de 2018 e 2022 — atribuídos à Rússia e ao Qatar — já têm repercussões. A FIFA enviou esta terça-feira uma lista de “indivíduos” suspeitos de “má conduta”, ou melhor, de terem participado em “transferências suspeitas de bens” durante a atribuição dos direitos de organização das provas. Ou seja, cinco dias após divulgar o resumo da investigação, a entidade tomou medidas.
Em comunicado, e apesar de não revelar o nome dos suspeitos, a FIFA informou que enviou ao gabinete do procurador-geral suíço, em Berna, “uma lista de indivíduos” que terão participado em “transferências suspeitas de bens” com ligações à Suíça, durante o processo de candidaturas. Fê-lo a pedido de Hans-Joachim Eckert, chefe da Câmara Decisória do Comité de Ética da entidade que sentiu “o dever de chamar a atenção” de Sepp Blatter, presidente da FIFA, para o assunto.
Mas só o fez depois de enfrentar polémica.
A tal que estalou a 13 de novembro, quando Hans-Joachim Eckert, presidente da Câmara Decisória do Comité de Ética da FIFA, divulgou o resumo, de 42 páginas, do relatório que lhe fora entregue por Michael Garcia, presidente da Câmara de Investigação do mesmo comité. E o juiz norte-americano não gostou. “[O resumo] contém várias representações erróneas e materialmente falsas de factos e conclusões”, apontou, no mesmo dia, o dirigente que compilou as 430 páginas do relatório original.
On recommendation by Judge Eckert, FIFA lodges criminal complaint with Attorney General's Office in Switzerland – http://t.co/PCHAFbAekT
— FIFA Media (@fifamedia) November 18, 2014
De repente, os líderes de dois órgãos do mesmo comité estavam em colisão. Garcia aliás, chegou a avançar que planeava apresentar uma queixa contra o relatório publicado por Eckert no Comité de Apelo da FIFA. “Normalmente falaríamos entre nós internamente se alguém não gosta de alguma coisa”, defendeu, na sexta-feira, Hans-Joachim Eckert. Pelo meio, as críticas foram crescendo.
Pelo menos dois membros do Comité Executivo da entidade que rege o futebol mundial apelaram à divulgação pública da investigação de Michael Garcia, antigo juiz do Tribunal Federal de Nova Iorque, nos EUA. “Face ao desentendimento entre os dois presidentes das câmaras do Comité de Ética e para assegurar a transparência, acreditamos que o relatório completo deveria ser tornado público assim que possível”, defenderam, em comunicado citado pelo The Guardian, Jeffrey Webb, presidente da CONCACAF (associações de futebol da América do Norte e das Caraíbas), e Sunil Gulati, que chefiou a candidatura norte-americana ao Mundial de 2022 — que acabou no colo do Qatar.
E mais: algumas testemunhas, interrogadas por Michael Garcia durante a investigação, sob a alegada promessa de confidencialidade, queixam-se de terem sido expostas pelo resumo divulgado por Hans-Joachim Eckert. Uma delas foi Phaedra Almajid, ex-líder da seção de relações internacionais da candidatura do Qatar ao Mundial de 2022. “Além de ser um sumário cru, cínico e fundamentalmente errado da informação e dos materiais que prestei à investigação, violou as garantias de confidencialidade que me tinha sido dadas”, criticou ao site Goal.com.
O antigo dirigente, aliás, argumentou que o relatório de Eckert o “descredibiliza” para apoiar a “indefensável conclusão” de que, em dezembro de 2010, o “processo foi aceitável”. Também Bonita Mersiades, antiga diretora de comunicação da candidatura australiana ao Campeonato do Mundo de 2022, se queixou de ser “difamada” pelo dirigente da FIFA.
Blatter says he agrees with Eckert that the investigation into the bidding process for the 2018 and 2022 FIFA World Cups "is concluded."
— Samuel Smith (@sgpsmith) November 18, 2014
Agora o caso chegou à justiça. Desconhecem-se os nomes e os motivos concretos, mas Sepp Blatter, que remeteu a queixa, explicou que se a FIFA “tivesse alguma coisa a esconder, não estaria a levar este assunto até ao gabinete do procurador-geral” da Suíça. O presidente do organismo que governa o futebol internacional rejeitou a hipótese de o relatório de Garcia ser divulgado publicamente — devido à lei. “Estaríamos a violar os nossos próprios regulamentos, a par da lei [suíça]”, justificou, antes de reforçar que “obviamente” a FIFA não o fará.
E Sepp Blatter, aliás, ainda nem chegou a ler as 430 páginas da investigação à denúncias de corrupção. “Ainda não o vi”, confessou. Mas deixou uma garantia: “A investigação ao processo de candidaturas aos Mundiais de 2018 e 2022 está concluída.”