Oprah Winfrey era apenas uma criança quando, em 1964, sentada no chão de linóleo da casa da mãe em Milwaukee, viu Anne Bancroft anunciar ao mundo que o Óscar de melhor ator tinha sido atribuído a Sidney Poitier, o primeiro negro a receber o prémio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana. Aquele momento marcou-a profundamente: hoje, muitos anos depois, ainda se recorda da cor da gravata — branca — que contrastava com a cor da pele — negra — e de ver aquele homem elegante — o mais elegante que já tinha visto — a subir as escadas que davam acesso ao palco e a receber o prémio das mãos de Bancroft.

[Veja aqui as frases mais emotivas do discurso de Oprah]

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“Tentei muitas, muitas vezes explicar o que aquele momento significou para uma menina, para uma criança que estava a ver a cerimónia enquanto a mãe chegava a casa cansada de limpar a casa dos outros”, admitiu a atriz e apresentadora de televisão, que recebeu este domingo o prémio carreira Cecil B. DeMille, que o protagonista de “Lilies From the Field” recebeu durante a cerimónia de 1982 dos Globos de Ouro. Por essa razão, enquanto agradecia a homenagem deste domingo, Oprah disse que era incapaz de se esquecer que, naquele momento, outras meninas estavam a assistir à cerimónia. “Enquanto me torno na primeira mulher negra a receber o mesmo prémio.”

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O Prémio Cecil B. DeMille, instituído em 1952, é atribuído anualmente a uma personalidade que tenha contribuído de forma “excecional” para “o mundo do entretenimento”. No ano passado, o galardão foi para Meryl Streep, que aproveitou o tempo que lhe foi dado para discursar para apelar à união, tolerância e criticar Donald Trump. Este ano, com uma cerimónia que pretendia homenagear as vítimas de assédios sexuais em Hollywood, esperava-se que o discurso de Oprah também seguisse uma direção política. O que talvez o público não esperava era que a apresentadora de televisão deixasse todos de lágrimas nos olhos, emocionados com o apelo à verdade, à liberdade e, acima de tudo, à esperança por um mundo melhor.

“Existem muitas pessoas conhecidas, mas há apenas uma cujo nome é um verbo, um adjetivo e um sentimento”

As honras da casa couberam a Reese Witherspoon — foi ela que apresentou a atriz, com quem trabalhou recentemente em “A Wrinkle in Time”, um filme de ficção científica baseado no romance homónimo de Madeleine L’Engle que irá estrear em 2018. “Existem muitas pessoas conhecidas, mas há apenas uma cujo nome é um verbo, um adjetivo e um sentimento. Essa esse é a Oprah.”, começou por dizer a atriz. “Trabalhei com a Oprah no filme ‘A Wrinkle in Time’, onde passámos quatro horas na sala de maquilhagem quase todos os dias. Se puderem passar quatro horas num espaço apertado com a Oprah, passem”, afirmou, explicando que a experiência é semelhante a tirar um curso de gestão ao mesmo tempo que se faz um retiro espiritual.

“Aprendi tudo, desde fazer os melhores muffins ingleses a como ser a única mulher na direção de uma grande empresa. E os abraços dela? Os abraços da Oprah podem acabar com guerras, são a solução para a paz no mundo. É como se o teu mais amigo mais antigo e mais querido te tivesse encontrado depois da jornada mais longa da tua vida. Quando ela te abraça, é a melhor coisa do mundo.” Confessando que quando soube que ia apresentar o Prémio Cecil B. DeMille começou a perguntar às pessoas o que diriam se pudessem “dizer uma coisa à Oprah”, Witherspoon admitiu que, apesar de todos terem dito “coisas diferentes”, todas as respostas começavam da mesma maneira: “Diz-lhe obrigada”. “Agradece-lhe por nos ensinar, por nos inspirar, por nos encorajar. Agradece-lhe por nos ver”, disse, dirigindo-se de seguida para a apresentadora de televisão. “Oprah: obrigada pela tua elegância, pela tua generosidade e pela tua sabedoria. Obrigada pela tua contribuição poderosa para o mundo da televisão e do cinema. Nisto, como em tudo o resto que fizeste, mudaste a nossa vida.”

Quando subiu ao palco perante uma ovação ensurdecedora, Oprah começou por agradecer à Hollywood Foreign Press Association, responsável pela cerimónia dos Globos de Ouro. “Todos sabemos que a imprensa está sob cerco, mas também sabemos que é a dedicação incansável pela procura da verdade que nos impede de ficarmos cegos em relação à corrupção e à injustiça, aos tiranos e às vítimas, aos segredos e às mentiras”, afirmou. “Quero dizer que dou mais valor agora à imprensa do que nunca, à medida que tentamos navegar por estes tempos complicados. O que me leva a isto: o que sei com certeza, é que dizer a verdade é a ferramenta mais poderosa que temos. Fiquei especialmente orgulhosa e inspirada por todas as mulheres que se sentiram fortes o suficiente e poderosas o suficiente para falarem e partilharem as suas histórias pessoais.”

“Há um novo dia à vista”, mais “luminoso” e mais justo

Afirmando que “cada um de nós é celebrado por causa da histórias que contamos”, Oprah frisou que, este ano, “tornámo-nos na história” que afeta não afeta apenas “a indústria do entretenimento”. “É uma história que transcende qualquer cultura, geografia raça, religião, política ou local de trabalho. Por isso, quero expressar a minha gratidão a todas as mulheres que suportaram anos de abuso e de assério porque, tal como a minha mãe, tinham filhos para criar, contas para pagar e sonhos para perseguir.”

Lembrando a história brutal de Recy Taylor — uma jovem mulher negra que foi raptada violada e abandonada à beira da estrada por um grupo de homens brancos quando ia a caminho de casa, vinda da missa, em 1944, cuja história foi recentemente contada no documentário “The Rape of Recy Taylor” –, que morreu há dez dias aos 90 anos de idade, Oprah Winfrey deixou uma mensagem aos “homens brutalmente poderosos”: “O tempo deles chegou ao fim”. “As mulheres não foram ouvidas ou levadas a sério se falassem contra os homens poderosos durante demasiado tempo”, disse.

“Ao longo da minha carreira, o que sempre tentei fazer, fosse na televisão ou no cinema, foi dizer alguma coisa sobre como os homens e as mulheres realmente se comportam, como é que experienciam a vergonha, como é que amam e como odeiam”, como erram” e também como “ultrapassam” as dificuldades. Afirmando que ao longo da sua carreira entrevistou e interpretou “pessoas que passaram pelas coisas mais horríveis que a vida nos pode trazer”, Oprah admitiu que houve uma “qualidade” que conseguiu encontrar em quase todas elas: “A capacidade de manter a esperança numa manhã mais luminosa mesmo que tenham atravessado a noite mais negra”. “Quero que todas as meninas que estão a assistir a isto saibam que há um novo dia à vista. E quando esse dia finalmente nascer, vai ser por causa de muitas mulheres magníficas — muitas delas aqui presentes nesta sala esta noite — e por causa de alguns homens fenomenais que lutam para ter a certeza de que se tornarão nos líderes que nos levarão para o tempo em que mais ninguém terá de dizer ‘eu também’ outra vez.”