O padre José Tolentino Mendonça chegou à casa de retiros em Ariccia, nos arredores de Roma, onde orientou o retiro de Quaresma do Papa Francisco no final de fevereiro ainda de manhã, bem antes do Papa e da Cúria Romana, que só chegariam por volta das 17h. Passou a manhã na casa e, quando foi almoçar, disse à cozinheira que lhe trouxe a refeição: “Você é mais importante do que eu. Se a meditação não for muito boa, eles pensam que ao menos vão ter um bom almoço“.

“O pregador de um retiro é importante, mas não tem importância nenhuma. O importante é aquilo que Deus diz a cada pessoa. No retiro do Santo Padre também é desta maneira”, sublinhou Tolentino Mendonça, que esta segunda-feira contou o seu testemunho sobre a semana que passou nos arredores de Roma a orientar o retiro do papa Francisco numa conferência na Universidade Católica destinada a assinalar os cinco anos de pontificado do Papa.

Numa conversa com a diretora da Rádio Renascença, Graça Franco, o padre e poeta madeirense, que é também vice-reitor da Universidade Católica, recordou os dias que passou “em silêncio” com o Papa e com os cardeais e bispos mais importantes do governo da Igreja Católica. “Foi um retiro de silêncio vivido com grande autenticidade”, lembrou Tolentino Mendonça, admitindo que “é difícil estar em silêncio e fácil ceder à tentação”.

Tolentino Mendonça. A vida do padre-poeta que orientou o retiro do Papa

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Porém, “ali viveram-se dias de grande silêncio e oração”, afirmou o sacerdote, lembrando que esse silêncio se estendia às refeições: durante a primeira parte de cada refeição eram escutados textos da Tradição da Igreja, “de Santo Ambrósio, dos padres da Igreja ou de Madre Teresa de Calcutá”; depois, passava música clássica, “de Bach e Mozart”. Só não houve poesia.

Questionado sobre como era o comportamento do líder da Igreja Católica durante o retiro, Tolentino Mendonça sublinhou que Francisco se remeteu quase sempre ao silêncio e à simplicidade, optando por não ficar na primeira fila durante as meditações.

O padre e poeta madeirense falou ainda de como se sentiu “um simples padre” quando foi chamado pelo papa Francisco para orientar o retiro. “Quando o papa Francisco me falou, a primeira coisa que eu lhe disse foi: ‘Santo Padre, eu sou um pobre padre’. E ele disse-me que era bom ser um pobre padre. E todas as vezes que ele falou comigo, tratou-me por padre Tolentino. Por isso, foi assim que eu me senti ali: um padre”, disse Tolentino Mendonça, acrescentando, entre risos: “Mas a pregar para o Papa”.

Ainda assim, o vice-reitor da Universidade Católica disse “não ter ilusões” sobre qual o seu verdadeiro lugar ali. “Quando íamos para as celebrações, os nossos casacos ficavam arrumados por uma espécie de ordem hierárquica. Éramos cerca de 90 pessoas naquela casa e o meu casaco era o número 89. Não tenho ilusões sobre qual era o meu lugar ali“, disse. “Mas eu também não queria ser outra coisa que não ser um padre a falar para outros padres”, acrescentou ainda.

O sacerdote explicou ainda como foi o processo de preparação do retiro. “O Papa teve a preocupação, paternal, de me pôr muito à vontade. Ele disse-me: ‘Tu é que és o padre, tu decides tudo, o horário é o que tu quiseres’. Claro que é sempre bom uma pessoa saber como foi nos anos anteriores. Por isso, informei-me sobre como tinha sido para, com prudência, propôr o que fosse melhor”, explicou Tolentino Mendonça.

Fotografias. O dia a dia no retiro do Papa orientado por Tolentino Mendonça

“Só ficou a faltar o tema”, acrescentando que lhe ocorreu o “tema da sede” por ser um “tema bíblico, com presença quer no Antigo quer no Novo Testamento” e também por ser “um tema que a Tradição da Igreja revisitou várias vezes”. “Pensei que, se precisasse da ajuda de Santo Agostinho ou da Madre Teresa de Calcutá, eles me iriam dar uma grande ajuda”, afirmou.

Não há “tensão” entre o Papa e a Cúria, mas “só quem não faz coisas é que não levanta resistências”

Um dos clérigos presentes na audiência, o Núncio Apostólico em Lisboa (embaixador do Vaticano) Rino Passigato, aproveitou para fazer uma pergunta a Tolentino Mendonça durante a conferência. “Viveu uma semana ao lado do Papa e da Cúria. Frequentemente ouve-se dizer que entre o Papa e a Cúria há uma certa tensão, uma desconfiança recíproca. Sentiu que naquele momento viveu um momento como no Cenáculo antes do Pentecostes, em que são todos apóstolos, que vivem todos como irmãos em fraternidade à espera do Espírito Santo? Ou foi testemunha de alguma tensão, de alguma distração?”, perguntou-lhe o diplomata.

Tolentino Mendonça respondeu que ficou particularmente emocionado ao ver “aqueles cardeais e bispos, com tarefas tão importantes, de joelhos, a rezar, num clima de fraternidade”, rejeitando ter testemunhado qualquer tipo de tensão entre o Papa e os seus colaboradores mais próximos. Contudo, o padre português disse também que “só quem não faz coisas é que não levanta resistências”, e que “quem quer responder aos desafios de Deus e da história tem, necessariamente, de levantar resistências”.

Na conferência falou também o ex-presidente do CDS Adriano Moreira, que destacou que o Papa Francisco tem denunciado a “intolerável situação de um mundo de desigualdades”. O histórico centrista disse ainda que o líder dos católicos soube reconhecer “injustiça na distribuição dos recursos” e destacou que Francisco quer “levar o remédio da voz da Igreja a todo o mundo”.