Os ministros das Finanças da zona euro chegaram a um acordo que “serviu para estabilizar a situação” e para “começar a reconstruir a confiança” entre a Grécia e os seus parceiros. Este foi o retrato feito por Yanis Varoufakis, o ministro grego, do “fumo branco” que saiu sexta-feira de Bruxelas. À terceira tentativa, esta reunião produziu, no final, um comunicado conjunto. Um documento que estende por quatro meses (não seis, como se previa) o atual programa, como vincou Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo. Mas é cedo para dizer que a situação está resolvida, já que o Governo grego terá cerca de 72 horas para desenhar um conjunto de medidas que terão de ser aprovadas pelas autoridades a quem, agora, deixou de se chamar troika. No final, a Grécia cedeu a todas as pretensões da Alemanha mas arrancou, em troca, uma declaração do presidente do Eurogrupo de que as políticas “não devem colocar em risco a recuperação económica“.

Antes da reunião, Yanis Varoufakis tinha dito que a Grécia já tinha cedido muito. Já tinha percorrido “dez milhas” que correspondiam a um quinto do caminho necessário para um compromisso. Queria, então, que os parceiros europeus percorressem esse quinto que faltava, para evitar o colapso do sistema financeiro que parecia cada vez mais certo. Um risco que ainda não está afastado, apesar de o Banco Central Europeu (BCE) já ter dito que voltará a aceitar dívida grega como garantia caso surjam indicações de que o programa será cumprido por Atenas.

Onde houve fumo branco?

Extensão do programa, não só do acordo de empréstimo. O Eurogrupo conseguiu que a Grécia aceitasse reconhecer que se trata, aqui, de uma extensão do programa de ajustamento, já que foi revalidado por quatro meses o compromisso com o acordo de empréstimo celebrado em novembro de 2012 e que tinha subjacente o memorando de entendimento com a troika. Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo, não alinhou em eufemismos, chamou-lhe uma extensão do programa.

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Não se fala mais em troika. O comunicado do Eurogrupo respeita o desejo grego de que não se fala mais em troika mas sim nas “instituições internacionais” e “parceiros”. É “numa cooperação” com estas entidades que a Grécia diz que irá trabalhar nas medidas que tem de apresentar até segunda-feira. E são também estas entidades que terão de aprovar que estas medidas serão suficientes. Só aí a avaliação que está pendente poderá começar a ser concluída, desbloqueando as novas tranches de financiamento para Atenas.

As três frases que a Alemanha queria. O comunicado final corresponde, basicamente, às três frases “curtas e compreensíveis” que o governo alemão queria que a Grécia dissesse. Ideias que falavam em extensão do programa, flexibilidade mas sempre em coordenação com as instituições e nunca de forma unilateral e, finalmente, uma conclusão bem sucedida do programa, sem medidas que afetem as metas orçamentais acordadas. Terão sido, provavelmente, estes os quatro quintos do caminho que a Grécia disse ter percorrido no que diz respeito às cedências necessárias.

A Grécia propõe, a (ex-)troika aprova. Outro ponto que sai deste acordo é que a Grécia tem liberdade para propor um conjunto de medidas orçamentais que pretende aplicar daqui para a frente (não ficando inteiramente preso ao que foi negociado pelo seu antecessor). Mas serão as entidades externas (FMI, BCE e Comissão Europeia) que irão avaliar se são ou não suficientes e informar o Eurogrupo dessa avaliação.

Dinheiro da banca passa a ser controlado pelo BCE. O acordo levará, também, a que os quase 11 mil milhões de euros dedicados à recapitalização da banca passem para a alçada dos fundos europeus, saindo da esfera do Governo grego. E será o BCE, através do Mecanismo Único de Supervisão, a decidir se estes fundos serão utilizados, ou não, e quando. Chegou a falar-se da utilização destes fundos para financiar o Estado, mas Yanis Varoufakis recusou que algum dia tenha desejado isso.

Onde houve fumo cinzento?

Que reformas apresentará a Grécia? Se não correrem de feição os trabalhos de desenho das reformas que a Grécia tem que entregar até segunda-feira (para o novo Eurogrupo de terça), este acordo atingido sexta-feira pode revelar-se uma mão cheia de nada. Existe, portanto, algum grau de incerteza sobre que medidas a Grécia irá anunciar e como estas serão acolhidas pelas instituições externas, como o FMI, o BCE e a Comissão Europeia. Estes darão, depois, um feedback ao Eurogrupo, para que se possa avançar com o processo, que incluirá validação em alguns parlamentos da zona euro.

Flexibilidade? Quanta flexibilidade? O objetivo de superávit orçamental é um ponto crucial, e já está a ser por aqui que o Governo grego está a reivindicar uma vitória parcial nestas negociações. A troika dizia, antes, que queria que a Grécia tivesse um superávit de 4,5%, em média, entre agora e a próxima década. Varoufakis diz que estas são “metas exorbitantes” e garantiu que a meta de 2015 de 3% de superávit orçamental primário (receitas vs despesas, excluindo juros) já não irá ser um constrangimento. Mas ainda não se sabe qual será, então, o valor acordado. Este valor é crucial, já que define o grau de contenção da despesa que o Governo terá de cumprir. Será por aqui que Alexis Tsipras poderá encontrar margem orçamental para cumprir algumas das promessas eleitorais. Jeroen Dijsselbloem disse que as políticas “não devem colocar em risco a recuperação económica”, pelo que se irá usar a “flexibilidade existente no programa”.

Quanto vai render o combate às “maleitas”? O Governo grego garante que o desafio de equilíbrio das contas públicas será facilitado se forem feitos progressos em algo que é tudo menos fácil: o combate à evasão fiscal e à corrupção – as “maleitas de que a Grécia sofre há mais de um século”. Não se conhecem, ainda, quais são as medidas concretas que o Governo grego planeia para este desígnio, para o qual foi encorajado pelo Comissário Europeu Pierre Moscovici.

O financiamento no curto prazo. A Grécia continua a ter um problema de tesouraria, agravado pela necessidade de pagar a quem não participou na reestruturação voluntária da dívida pública de 2012 e pela quebra das receitas fiscais nos últimos dois meses. Continua sem haver informação clara sobre como será tapado este buraco fiscal, mas os próximos dias poderão trazer mais informação sobre como a Grécia irá financiar-se nos próximos meses e como irá preparar-se para os elevados reembolsos de dívida ao BCE a partir de junho.

Novo programa? “Temos de aproveitar estes quatro meses para falar sobre o futuro”, afirmou Jeroen Dijsselbloem. “Não houve ainda um pedido nem uma discussão sobre um programa subsequente. Mas todos concordamos que terá de ser discutido”, atirou o presidente do Eurogrupo, sem mais.

E a redução da dívida? Outrora uma bandeira da campanha eleitoral, a redução da dívida limita-se, agora, a ser uma intenção do Governo grego de promover formas “inteligentes” de alívio do fardo da dívida pública. Sobre esta matéria, neste comunicado, zero.

Uma última incógnita: como irá reagir a população grega? Este processo que se arrasta há várias semanas foi visto como um recuo gradual do governo grego face às promessas de campanha e dos primeiros dias de governo. Yanis Varoufakis defendeu assim os resultados das negociações: “Evitámos subidas de impostos e cortes nas pensões”. E garantiu que “a meta de superávit de 3% este ano morreu” e que haverá uma meta orçamental “apropriada” (um pouco de ambiguidade construtiva, admitiu Varoufakis). Mas Wolfgang Schäuble, o ministro alemão, afirmou após o acordo que o Governo grego vai ter “alguma dificuldade em explicar aos seus eleitores” o acordo atingido no Eurogrupo de 20 de fevereiro de 2015.