É o primeiro encontro bilateral entre os dois países desde que o Syriza ganhou as eleições na Grécia. Primeiro-ministro grego e chanceler alemã reúnem-se em Berlim esta segunda-feira com um fosso enorme entre os dois. Apesar do tom otimista com que redigiu o comunicado formal a anunciar as linhas mestras da reunião, Alexis Tsipras enviou há uma semana uma carta de cinco páginas a Angela Merkel com críticas duras ao Banco Central Europeu e com um pedido de ajuda imediata. Caso contrário, disse, será “impossível” Atenas cumprir as suas obrigações de curto prazo.

O primeiro teste é já no final de março, altura em que a Grécia precisará de cerca de 1.5 mil milhões de euros para fazer face às suas obrigações perante os credores internacionais. Resta saber como vai conseguir o dinheiro, uma vez que Atenas já está a lutar para fazer face aos pagamentos de salários e pensões até ao final do mês e está em vias de ficar sem dinheiro disponível ainda antes do final de abril.

A carta endereçada a Merkel no dia 15 de março, e divulgada pelo Financial Times este domingo, foi, por isso, redigida em jeito de alerta vermelho. O mote, lê-se, é “expressar profunda preocupação perante os desenvolvimentos desde o acordo alcançado na reunião do Eurogrupo do último dia 20 de fevereiro”.

No texto, o primeiro-ministro grego alerta para o facto de a Grécia estar a ser forçada a escolher entre pagar os seus empréstimos, especialmente ao Fundo Monetário Internacional, ou a continuar a pagar os salários e pensões dos trabalhadores do Estado. E, nessa lógica, Tsipras culpa o Banco Central Europeu por ter limitado a capacidade de Atenas para emitir dívida de curto prazo, assim como a recusa das instituições da troika de desembolsarem qualquer ajuda antes de Tsipras aprovar uma nova lista de reformas económicas.

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O objetivo da missiva é claro: “Com esta carta, estou a pedir que não deixe que um pequeno problema de dinheiro de caixa, e até uma certa ‘inércia institucional’, se torne num enorme problema para a Grécia e a Europa”, escreveu Tsipras, pedindo ajuda de curto prazo a Merkel sob pena de ser “impossível” cumprir os prazos.

“Já que a Grécia não tem acesso aos mercados, e a avaliar pelos prazos das nossas obrigações de desembolso que terminam nesta primavera e verão, devia ser claro que as restrições especiais do BCE e o facto de as instituições não adiantarem nenhuma ajuda entretanto torna impossível a qualquer Governo pagar a sua dívida”, lê-se na carta endereçada a Merkel.

Na dura carta, que pode ser lida aqui, Tsipras deixa ainda claro que “não vai tolerar” se a manutenção do problema da dívida levar a uma “acentuada deterioração da economia social grega, pior do que a que já existe”.

Tsipras garante que não vai a Berlim “empurrado”

A reunião desta segunda-feira à noite, no entanto, surge numa altura em que a Grécia já prometeu preparar uma lista de reformas a implementar, em linha com as exigências dos credores internacionais. Em comunicado, o Governo grego suavizou o tom da carta escrita há oito dias e disse apenas que os líderes dos dois países se preparam para abordar “as relações bilaterais e as grandes questões europeias”, reconhecendo que na longa sessão de trabalho, que inclui um jantar, poderão ser abordados os problemas urgentes de liquidez da Grécia e as reformas que terão que ser implementadas.

“[Este encontro] é muito significativo uma vez que ambos poderemos discutir as grandes questões que afetam a União Europeia, assim como poderemos melhorar as relações bilaterais entre os dois países”, lê-se no comunicado do Governo grego.

Mas apesar do tom visivelmente mais apaziguador e otimista, a edição inglesa do jornal grego Kathimerini lembra esta segunda-feira que os desafios que a Grécia tem pela frente são ainda muitos, e a vários níveis. Certo é que Atenas se comprometeu a elaborar uma lista de reformas concretas para entregar “nos próximos dias” aos líderes europeus e só essa lista permitirá à Grécia obter os fundos pendentes do segundo resgate da troika.

Esse acordo foi firmado na quinta-feira numa ‘mini-cimeira’ sobre a Grécia realizada em Bruxelas, à margem de um Conselho Europeu, onde, ao fim de cerca de três horas e meia de reunião, Angela Merkel afirmou que tudo se fez na base de um espírito de “confiança mútua”, tendo ficado bem claro que “nada mudou” relativamente ao compromisso alcançado no Eurogrupo de 20 de fevereiro sobre o prolongamento da assistência à Grécia.

Entretanto, os presidentes da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do Conselho Europeu, Donald Tusk, anunciaram que a União Europeia colocou à disposição da Grécia dois mil milhões de euros provenientes de fundos europeus não utilizados, que não servirão para socorrer as necessidades de tesouraria da Grécia, mas para “reforçar os esforços para o crescimento e a coesão social”, sobretudo para fazer face ao elevado desemprego entre os jovens.

No comunicado deste domingo, Alexis Tsipras deixou claro que não vai à reunião “empurrado” pelas negociações, mas para que “as duas partes” discutam as relações bilaterais e as grandes questões europeias, adiantando que não é “momento para festejos, mas para trabalho duro”. O porta-voz helénico destacou que o Executivo negoceia, mas “governa ao mesmo tempo”, referindo-se à aprovação de um pacote de leis contra a crise humanitária e simplificação do pagamento das dívidas fiscais e da Segurança Social.

Sobre as propostas de reformas que terá de apresentar aos parceiros europeus, Tsipras destacou que algumas já estão em marcha para “conduzir o país à normalidade e para recuperar os anos perdidos”. “Temos uma oportunidade única para fazer a mudança que os Governo anteriores não fizeram, ou por terem compromissos com interesses ou por falta de apoio popular”, considerou.