A 2 de julho de 2013, Paulo Portas, então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, apresentava o seu pedido de demissão “irrevogável”, descontente com a escolha de Maria Luís Albuquerque como ministra das Finanças – e com o método de Passos a liderar o Governo. Agora, quase dois anos depois, uma biografia autorizada de Pedro Passos Coelho vem revelar mais detalhes sobre a crise mais grave da coligação: Vítor Gaspar demitiu-se publicamente no dia 1 de julho, mas desde 16 de maio que o Governo e o Presidente da República estavam avisados dessa saída. Mais: o primeiro-ministro soube da demissão de Portas, no dia 2 de julho, por SMS.
O livro “Somos o Que Escolhemos Ser”, assinado por Sofia Aureliano, assessora do grupo parlamentar do PSD, que será apresentado esta terça-feira e cujos excertos foram avançados pela Rádio Renascença e Expresso, começa por contar como todas as peças se foram juntando até formarem a tempestade perfeita.
Com o fim da 7ª avaliação da troika, e várias divergências entre Vítor Gaspar e Paulo Portas, Passos reconhece que “mais cedo ou mais tarde” o seu ministro das Finanças iria pedir a demissão. “Temos de estar preparados. Ele não vai aceitar ficar. Eu, no lugar dele, também não aceitaria”, conta o primeiro-ministro no livro, já lido pelo Observador. Esse dia, conta Sofia Aureliano, acontece a meio de maio, sendo que na audiência de dia 16 Passos Coelho avisa o Presidente da República que ficara sem ministro das Finanças e que iria haver remodelação em breve.
Duas semanas antes do pedido público de demissão do líder do CDS, Passos Coelho apresentou Maria Luís Albuquerque como alternativa a Vítor Gaspar para a pasta das Finanças. Portas não concordou e sugeriu um outro nome. Ainda assim, Passos não cedeu – a decisão estava tomada.
No dia de tomada de posse da nova ministra, Paulo Portas terá ido a São Bento ao fim da manhã para informar Passos de que não estava confortável com a escolha de Maria Luís Albuquerque. Pedro Passos Coelho terá tentado convencê-lo, mas Portas saiu da reunião decidido a romper a corda.
“Fui almoçar e quando ia a caminho da comissão permanente, às 15h, recebi uma SMS do dr. Paulo Portas a dizer que tinha refletido muito e que se ia demitir”, conta o próprio Passos no livro. Era o momento mais crítico da coligação. A partir daí, Paulo Portas não atendeu mais o telemóvel nem deu qualquer justificação. Passos tentava, a todo custo, manter o Governo. O primeiro-ministro resolve então informar o Presidente da República, garantido que não aceitaria a demissão até conseguir falar com ele. Maria Albuquerque estava a pouco mais de duas horas de tomar posse, mas a coligação podia cair até lá.
Reunido com os dirigentes do PSD, Passos não desiste de tentar contactar Portas a partir da sede do partido, na São Caetano à Lapa. “Depois de muita insistência”, revela Sofia Aureliano, o primeiro-ministro consegue finalmente chegar até ao ministro demissionário e pergunta-lhe o que significa a decisão e se o CDS queria desfazer a coligação e deixar o Governo. Paulo Portas esclarece que a sua decisão era uma escolha pessoal e que não sabia que rumo iria escolher o partido.
Ao mesmo tempo, Maria Luís Albuquerque tomava posse como a nova titular da pasta das Finanças. “Foi o Vítor Gaspar que me disse que o Paulo Portas se ia demitir. Eu tomava posse às cinco, o clima era muito tenso. Mas decidi ir para Belém na mesma, uma vez que não tinha informação em contrário. Mas achei que ia ter o mandato mais curto da história”, recorda Maria Luís Albuquerque no livro. Ninguém sabia se a coligação iria manter-se.
No final da tomada de posse da nova ministra, o primeiro-ministro conversa com Cavaco Silva e corre para São Bento, onde reúne com vários ministros na tentativa de encontrar uma solução. O resto da história é conhecido: três dias depois da demissão “irrevogável”, Paulo Portas reconsidera e volta atrás com a decisão. Volta a São Bento, agora com poderes reforçados – torna-se vice-primeiro-ministro do XIX Governo Constitucional. Isto, após os 20 dias em que o Governo esteve em suspenso até o Presidente (que tenta um acordo entre os dois maiores partidos para a antecipação de eleições) ter aceitado a remodelação de Passos.
“Não havendo certeza sobre se Paulo Portas ficaria ou não à frente do CDS, era importante que a solução que encontrássemos o incluísse porque eu não queria que a liderança do CDS estivesse ausente do Governo”, explica no livro Passos Coelho.
No livro, a autora escreve ainda que as “incompatibilidades” entre Paulo Portas e Vítor Gaspar eram “constantes e crescentes”. “Nenhum dos dois assumiu publicamente que tinha uma antipatia natural em relação ao outro, mas as circunstâncias acabaram por evidenciar que, para além das diferenças de pensamento e de personalidade, todas as outras questões eram sanáveis. Só não se resolveram as questões de pele”, lê-se.
Sobre Gaspar, Passos conta no livro que mal o conhecia quando o convidou para o Governo e que este lhe foi sugerido por António Borges. “Lembrava-me perfeitamente de o ter visto, muitos anos antes quando ele era diretor do gabinete de estudos do ministério das Finanças, numa entrevista na televisão e fiquei muitíssimo bem impressionado com o desempenho dele”, recorda o primeiro-ministro, explicando que o convidara porque era também alguém queria sabia ser “um interlocutor em que os parceiros da troika confiassem”.