“Neste momento são 16h15 em Atenas e só com muita sorte é que alguém conseguirá levantar dinheiro.” É assim que Lukas começa a descrever ao Observador aquilo que viu hoje nas ruas de Atenas.

Quando o relógio já estava perto de bater as 01h00 de Atenas (23h00 em Portugal continental), o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, fez um discurso à nação em que anunciava a convocação de um referendo para dia 5 de julho, onde será decidida a adesão da Grécia a um novo pacote de austeridade.

Na manhã seguinte, este investidor de capital de risco de 27 anos não teve dúvidas quanto ao que tinha de fazer. Às 10h00, meteu-se no carro com o irmão e partiu à busca de uma caixa multibanco onde pudesse levantar tanto dinheiro quanto possível.

A primeira coisa que quis fazer foi levantar dinheiro, porque tinha ouvido dizer que muita gente estava a ir para as caixas multibanco. Primeiro, passei por uma dependência do Eurobank e estavam lá 30 pessoas. Saí de lá e fui a uma caixa do Attica Bank e a situação era a mesma. Depois, uma caixa do Alpha Bank já não tinha dinheiro. E depois fui a outra caixa do Eurobank e estavam lá quase 40 pessoas.”

Apesar de ter procurado em várias zonas de Atenas, Lukas não conseguiu levantar dinheiro. O passo seguinte foi levar o carro até uma bomba de gasolina para encher o depósito. “Aí já tive mais sorte, mas mesmo assim, quando lá cheguei, tinha cerca de 20 carros à minha frente na fila”, conta ao Observador por telefone.

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Já com o depósito cheio, Lukas passou por um supermercado e aproveitou para encher o carrinho de compras. “Não é que as prateleiras estivessem vazias, havia produtos, mas é bem possível que já não possamos dizer o mesmo daqui a umas horas.”

(Por volta das 17h30 de Atenas, pouco mais de uma hora depois de Lukas falar ao Observador, o jornal grego Proto Thema escrevia que metade das caixas de multibanco gregas estavam sem dinheiro e que as prateleiras dos supermercados começavam a ficar vazias.)

Enquanto corria de um lado para o outro, Lukas conta que recebeu telefonemas de amigos que trabalham no setor financeiro grego. “Foram todos chamados para o trabalho, porque os bancos estão a tentar arranjar uma maneira de aguentarem esta corrida às caixas multibanco”, diz.

Lukas está longe de apresentar qualquer tipo de otimismo perante o referendo agendado para 5 de julho. Isto porque, na sua opinião, “a maior parte dos gregos demonstra uma enorme falta de informação”. “Eu tenho amigos que votam no Syriza e que apoiam este governo, mas muito sinceramente tenho pena deles, porque acho que estão mal informados e estão a ser enganados. As pessoas aqui não fazem ideia que o dinheiro que estão a levantar no multibanco não é grego. Ele vem diretamente de Frankfurt.”

Por isso, Lukas acha que a maneira como o referendo está a ser apresentado é “desonesta”. “O nosso primeiro-ministro aproveita-se da falta de informação da maior parte dos gregos. Este referendo, da maneira como o apresentam, é uma marosca.” Para Lukas (“só Lukas, prefiro que não escrevas o meu apelido para depois não haver pessoas a cair em cima de mim por causa das minhas opiniões”), a verdadeira pergunta do referendo é outra: “Este referendo não é sobre a adoção de mais medidas de austeridade. Se formos claros e pensarmos no verdadeiro significado disto tudo, o que vai ser votado no dia 5 de julho é se a Grécia quer ou não continuar na União Europeia”.

Tsipras tomou uma decisão “sensata e justa”

Heleni Tsecerole é jornalista e colunista no diário Avghi, uma publicação de esquerda e provavelmente aquela que é mais próxima do Syriza. Para Tsecerole, Tsipras e o seu governo tomaram uma decisão com muita “sensatez e justiça”.

No discurso de ontem à noite ele explicou que o governo quer consultar o povo em relação a este dito ‘acordo’, que de acordo tem muito pouco ou nada. Ele próprio explicou-o. Não é um acordo, é um ultimato, apesar de o nosso governo ter feito concessões muito significativas nos últimos tempos.”

Tsecerole acredita que o governo grego não tinha outra alternativa além de convocar um referendo, sobretudo quando as medidas propostas pelos parceiros europeus vão contra as promessas eleitorais que valeram 36,3% dos votos ao Syriza, em janeiro deste ano.

“Não se pode criticar um partido que, quando tem à sua frente a hipótese de implementar medidas que prometeu que não levaria para a frente, consulta o seu povo para saber se ele está disposto a essa mudança de rumo ou não”, diz ao Observador, por telefone, a partir de Atenas. “Não compreendo por que criticam esta decisão. Na verdade, a Grécia está a dar uma lição democrática à Europa.”

O referendo, sublinha, “é mesmo um referendo”. Isto é, não é um teste à legitimidade do governo de Tsipras, como tem sido apontado ao longo de sábado. “Um referendo não é a mesma coisa que eleições legislativas. O referendo é quando um governo pede ao seu povo que se pronuncie quanto a uma questão muito específica. Só isso.”

A colunista do jornal Avghi admite, porém, que o referendo venha a ser cancelado. Mas, como já é costume na grande parte dos assuntos que dizem respeito à política interna grega, tudo dependerá daquilo que for decidido em Bruxelas. “Se as instituições europeias mudarem de ideias e apresentarem uma proposta melhor — uma proposta fundamentalmente diferente que não se assemelhe em nada a um ultimato como o que vimos nos últimos dias — é possível que o referendo não venha a acontecer.” É o otimismo possível de Tsecerole, que logo de seguida acrescenta: “Mas não me parece que a troika esteja disposta a mudar tanto”.

Sondagem precoce dá vitória ao “sim”

Entretanto foi divulgada uma sondagem que aponta que quase metade dos gregos está disposta a votar a favor da proposta dos credores. Ao todo são 47% as pessoas que votariam “sim”, contra 33% que escolheriam o “não”.

Ainda assim, esta sondagem foi feita entre 24 e 26 de junho. Ou seja, antes de Alexis Tsipras ter anunciado a realização de um referendo no dia 5 de julho. Para já, ainda não são conhecidos resultados de sondagens feitas após o anúncio da madrugada de sábado.