Pobre Brasil. Criaram um monstro. Mas não fomos nós a dizê-lo. Foi Tostão, nome de craque, um dos muitos que, em 1970, deram a terceira Copa do Mundo ao país. Disse-o após o 7-1, a maldita derrota que humilhou os brasileiros na meia-final contra a Alemanha. A par das “jogadas aéreas”, o futebol brasileiro, lamentou o ex-futebolista e hoje cronista, “vive de correria” e de “estocadas”, uma patologia que fez a seleção “desaprender a jogar coletivamente”.

Sim, talvez. E isto concluímos nós, ao fim de três minutos de jogo entre Brasil e Holanda. Logo aos 2’, o coletivo quebrou e esqueceu-se de fechar os espaços rumo à baliza de Júlio César. Quando isto acontece, já se sabe, as coisas ficam dependentes do indivíduo. E bastou Arjen Robben soltar a primeira correria para desenterrar um erro — o holandês arrancou, ultrapassou Thiago Silva e, à falta de pernas, o capitão brasileiro agarrou-o.

Robben aproveitou. Mal chegou à área, caiu. O árbitro apitou. “Oh não”, pensam os brasileiros. Oh sim, penálti para a Holanda e bola para Robin Van Persie. O capitão laranja marcou, fez o 1-0 e chegou ao sexto golo em Mundiais — e assim ficou a apenas um de Johnny Rep, o holandês que mais bolas meteu na baliza em Copas do Mundo. E tudo voltava a começar mal para o Brasil.

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Devido ao tal penálti, o árbitro mostrou um cartão amarelo e não um vermelho (Robben ficaria isolado) a Thiago Silva, aos 98 segundos. Aqui se começava a agigantar o monstro. Nunca, em Mundiais, um brasileiro demorara tão pouco tempo a ver um cartão. Pior ainda — era o 12.º golo sofrido pelo Brasil na Copa. Logo esta, a segunda que o país montara. E a que ficará como a edição em que a seleção brasileira sofreu mais golos. E seriam mais ainda.

Aos 17 minutos, David Luiz seguiu o exemplo do capitão. E errou também, quando saltou para cabecear uma bola cruzada por De Guzmán e, em vez de a enviar para a linha lateral, a recambiou para a marca de penálti da área brasileira. Deixou-a ao jeito de Daley Blind, que a dominou e rematou para a baliza. 2-0. A história agrava-se para o Brasil e escrevia-se para o homem do Ajax — Blind tornava-se no defesa holandês que participara em mais golos num Mundial (marcou um e fez o passe para se marcaram outros três).

Até ao intervalo, o marcador ficou quieto. E os brasileiros? No relvado, Oscar e Willian mexiam-se. Corria, pediam a bola e passavam-na por todo o lado. Eram os únicos, os mais mexidos, a tentarem inventar algo no jogo. Lá está, a improvisarem. Porque de estratégia, ideia de jogo e jogadas formatas, não se via nada. Aos 22’, um remate de Oscar assustou Cillessen, e aos 33’, um cruzamento do médio do Chelsea fez a bola passar perto dos pés de David Luiz e Paulinho, que não a conseguiram desviar para a baliza.

E pronto. Não mais os brasileiros deram sequer a sensação de poderem estar perto de marcar um golo. Mas o monstro, esse, continuava a crescer. Aos 54’, o árbitro mostrava o cartão amarelo a Fernandinho. O terceiro (após Thiago Silva e Oscar) para jogadores da seleção brasileira — que, assim, chegou aos 13 amarelos no Mundial e ultrapassou os 11 da Costa Rica.

De resto, a segunda parte, para os holandeses, serviu para descomprimir. Só Robben, o versão holandesa de um hiperativo, acelerava o mais que podia quando a bola lhe chegava aos pés. Já os brasileiros, nem improvisar conseguiam. Nada. O público do Mané Garrincha que, antes da partida, ainda se unira para gritar o hino, foi assobiando cada vez que a inoperância brasileira se tornava evidente.

E mais assobiaram quando, aos 93’, apareceu o 3-0. Culpa de Giorginio Wijnaudum que, de pé direito, rematou a bola vinda da direita, de um cruzamento de Janmaat. O monstro crescia para a história — agora empurrado por Júlio César, que sofria o 17.º golo em Mundiais (14 em 2014, três em 2010) e superava Taffarel (15) como o guarda-redes brasileiro mais batido na história das Copas. E também Louis Van Gaal quis fazer algo inédito: aos 90′, trocou Jasper Cillessen por Michel Vorm e transformou a Holanda na primeira seleção de sempre a utilizar os 23 convocados num Mundial.

Pouco depois, era o adeus. De vez. E, insistimos, com 14 golos sofridos — o Brasil só tinha sofrido mais de dez ou mais golos nos Mundiais de 1998 e 1938. É muito. Ainda para mais, sabendo que, em 2014, o escrete sofreu 10 golos nos últimos 180 minutos que fez na Copa. “Uma praga nacional” e “um medíocre estilo de jogar”, já escrevia Tostão, após o 7-1 sofrido contra a Alemanha.

A imprensa brasileira já fala em renovação, na saída de Scolari da seleção ou dos fantasmas que os brasileiros já coleccionava, com as duas vezes que organizaram uma Copa. Sim, mas a prioridade, por enquanto, devia ser uma — ultrapassar tudo o que se passou nesta última semana. Ah, e já agora, parabéns à Holanda, que termina no terceiro lugar do Mundial e diz adeus sem qualquer derrota sofrida em 90 minutos.