A prova estava agendada para as 10h30 mas as movimentações começaram muito antes. O relógio anunciava as 8h20 quando dois elementos do Sindicato de Professores da Grande Lisboa colocaram uma faixa no gradeamento da Escola Secundária D. Pedro V que dizia “Não à prova! Basta de ofender os professores”. Os cinco polícias no local olhavam à distância. A lista que continha o nome dos 46 inscritos não estava afixada em lado nenhum. Era necessário perguntar às funcionárias. Os professores começariam a chegar a qualquer momento.
Sentado serenamente na escadaria vizinha da porta principal, estava Paulo Carvalho, um professor de Educação Física e Desporto, de 35 anos, que respondeu à chamada a 18 de dezembro para fazer a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC), no Restelo. “Os colegas que vigiavam boicotaram. Não estavam de acordo e não se disponibilizaram para fazê-lo”, começou por explicar. Como muitos dos seus colegas, foi automaticamente inscrito para a repetição, que seria agendada para 22 de julho, e não teve problema em aceder à informação na plataforma do IAVE (Instituto de Avaliação Educativa).
O Executivo definiu que apenas os contratados com menos de cinco anos de serviço fariam a prova. A Paulo Carvalho faltavam três dias para completar esse período. “Como eu há muitos colegas. (…) É uma avaliação económica. Isto não é para ver se nós sabemos ou não sabemos. Isto tem a ver com dinheiro, não tem a ver com formação. Está colocado em causa o ensino. Há muito tempo”, acusou.
O ambiente estava sereno e os professores começaram a chegar a conta gotas. Mas os rádios dos agentes da autoridade iam dando sinais de vida: chegaram alguns elementos da Fenprof a uma escola perto dali. De imediato, seguiram dois polícias num carro. A regra do Ministério que proibia a entrada nas escolas de pessoas afetas a reuniões sindicais era para ser levada a sério. E foi, com uma exceção no país.
Uma professora de matemática, que não quis dar o nome, aproximou-se e questionou por que estaria tão pouca gente à entrada da escola. A sua prova também havia sido boicotada em dezembro, pelo que nem conseguiu ouvir o nome na chamada. Preferiu anonimato porque vai concorrer ao público e quer “preservar” o seu nome. Paulo Carvalho não resistiu e intrometeu-se: “Vê, é disto que falo: as pessoas têm medo!” O diálogo estendeu-se por alguns segundos.
“A prova não testa a proficiência dos professores. É uma questão de postos de trabalho, para condicionar os professores. É um processo de exclusão”, disse a professora, admitindo que sentia ansiedade. “Acho que não vai haver prova”, vaticinou. Mas mal, haveria.
Uma outra professora juntou-se à conversa e admitiu que ia entrar e deixar a prova em branco, como forma de protesto, pois preferia “reprovar com zero”, que, ainda assim, lhe permite repetir para o próximo ano vem. É essa a expectativa. Esta professora tem mestrado em Educação Especial e, atualmente, frequenta o Doutoramento em Ciências da Educação. “O exame não reflete a capacidade dos professores. (…) Qual é o objetivo? Não sei. Isto é uma fantochada”, afirmou.
Os professores esquecidos
O Observador deu a conhecer segunda-feira a história de quatro professores esquecidos pelo Executivo, que não receberam qualquer convocatória para a repetição da PACC. Um deles era Pedro Miguel Silva, com quem voltámos a falar à porta da D. Pedro V. “Não consegui entrar, mas houve colegas que entraram que estiveram comigo em dezembro”, afirmou. O professor de Educação Física e Educação Especial lamentou que não lhe tivessem entregue o documento que comprovava que ele ali esteve.
A solução passa por ir amanhã ao SPGL (Sindicato de Professores da Grande Lisboa), onde estará uma advogada para tratar de casos como o seu. “Se soubesse não vinha para esta área…”, desabafava, entre sorrisos desconfortáveis. E parece que o leva a sério: Pedro Silva está a frequentar um curso de informática na Universidade Aberta.
Já Rui Assunção, que havia prometido regressar à Marquesa de Alorna, para onde foi convocado em dezembro, ficou em casa. “Passei a noite com 38.5º de febre, nem consegui sair de casa. Há coisas que mais parecem bruxedo”, disse.
“Rali das tascas”
A manhã começou na D. Pedro V, mas nada fazia adivinhar grandes movimentações. Havia rumores de que as coisas seriam diferentes na Escola Manuel da Maia, em Campo de Ourique. Afinal, havia a promessa de que três vigilantes fariam boicote. O ambiente era, de facto, diferente. Cornetas, assobios, apitos e batidas nos caixotes do lixo. Era um som ensurdecedor, tendo em conta que estamos a falar de apenas dez pessoas — ao todo estavam menos de 20 a manifestar-se. Por ali, encontrava-se um dos rostos do movimento Boicote e Cerco, Aurora Lima, vestida de vermelho e verde berrante. Era impossível não a associar à bandeira portuguesa.
Os rumores confirmavam-se, mas a escola compensou as ausências com elementos da direção e secretariado, segundo informações prestadas por funcionários da escola. As três salas para a PACC estavam devidamente vigiadas. Já o barulho era indiferente, pois as salas para realização da prova foram escolhidas estrategicamente para o efeito: longe da entrada da escola. O desânimo estava a apoderar-se de Aurora Lima e de quem a rodeava, mas mudaria de um segundo para o outro. “Conseguiram invadir na Rodrigues de Freitas, no Porto! Ou invadimos ou vamos para outra. Estarmos parados é que não!”, exaltava. O destino era a Escola Passos Manuel, perto do Bairro Alto.
Mas do céu ao inferno foram apenas 15 minutos. O silêncio, a passividade e a ordem reinavam. Não havia cornetas, gritaria nem turbulência. O desalento voltou a habitar nas faces dos que acabavam de chegar. Estavam cerca de 20 pessoas junto ao portão, em amena cavaqueira. Alguns cartazes com frases para Nuno Crato, o ministro da Educação, e cartoons pendurados com molas serviam de cenário, naquela que prometia ser uma narrativa sem drama nem ação. À porta estavam quatro polícias, mas havia mais dois a cerca de 30 metros e uma carrinha de intervenção com agentes lá dentro a 100 metros. Apenas os relatos de que a prova já estaria a circular na internet davam algumas esperanças aos presentes. “Talvez sirva para a anulação…”
Alguns professores e elementos do movimento acima referido estavam reunidos e começaram a fazer contas à vida, a definir qual a melhor estratégia para invadir as instalações. Parecia algo utópico, havendo muros altos, grades e polícias a cercar a escola. “Esta gente tem de fazer as coisas bem. Então querem invadir uma escola e vêm para uma que tem acesso ao posto da GNR? Isto não pode ser às três pancadas”, desabafava um professor ao Observador.
O final da prova aconteceria com normalidade. Apenas um professor havia saído quando a prova ia arrancar, apelando aos outros para fazerem o mesmo. “Ainda se riram!”, desabafou. Estava indignado com o processo, mas orgulhoso do seu ato. Aurora Lima aproximou-se e disse “obrigado”. Menos cordial foi o que se ouviu no seio do mesmo grupo. “Só têm o que merecem: desemprego! De que serve fazerem isto? Nada.” Este tipo de declarações, associadas às leituras que o Observador fez em grupos no Facebook e blogs online, onde se referiam aos vigilantes como “carrascos”, deixam adivinhar uma cisão entre os profissionais da Educação.
À saída da prova, conversámos com Catarina Ferreira, uma professora do pré-escolar, de 40 anos. “Em dezembro fui à escola no Lumiar mas não houve prova por causa da manifestação dos meus colegas. Não houve invasão, mas só havia professores para vigiar uma sala”, começou por explicar. “Não tive dificuldades neste processo, mas foi muito em cima da hora, e mandaram-me para muito longe. Sou do Lumiar e vim para aqui [perto da Calçada do Combro e Bairro Alto].”
A prova era semelhante à de dezembro, que, garante, “não avalia nada”. Para a educadora de infância, isto trata-se de um processo de exclusão. “[O Minstério] quer por-nos na rua. Quer excluir-nos. Isto não contribui nada para saber se sou boa ou má professora. Serve só como factor eliminatório. Quem tiver má nota não tem acesso. São uns quantos que vão fora…”
O caso que demos conta em cima, do tal professor que se recusou a fazer a prova, aconteceu, precisamente, na sala de Catarina. “Houve um colega que protestou e que se recusou a fazer a prova. Saiu sozinho. Disse que não concordava, que era uma vergonha. Que éramos todos colegas e que a prova, lá está, não avaliava nada. (…) Eu fiz porque é obrigatório. Que remédio tenho eu?”