O que é a operação “Monte Branco”?

É um caso de fraude fiscal e branqueamento de capitais que está a ser investigado desde junho de 2011 pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal). Trata-se de uma investigação à rede que ligou os gestores de fortunas suíços da empresa Akoya, Michel Canals e Nicolas Figueiredo, aos seus clientes portugueses. Esta rede funcionaria entre Portugal, Suíça e Cabo Verde. Canas e Figueiredo, antigos quadros do banco suíço UBS,  são suspeitos de terem montado uma rede para fugir ao fisco e branquear capitais. Essa rede foi utilizada por pessoas influentes em Portugal, ligadas à vida política, económica e desportiva do país.

Segundo o DCIAP, o caso começou a ser investigado “tendo por base factos identificados na investigação do caso BPN”, tendo sido detetados fluxos financeiros, ocorridos entre 2006 e 2012, que atingem cerca de 200 milhões de euros, escreve o Diário Económico.

É considerado o maior caso de fraude fiscal e branqueamento de capitais em Portugal.

Como funcionava a fuga ao fisco?

Na Rua do Ouro, em plena Baixa lisboeta, funcionava a Montenegro Chaves, loja de Francisco Canas, – conhecido como o “Zé das Medalhas” – que ganhou fama como casa de câmbio logo a seguir ao 25 de abril de 1974 e que serviu de porta de saída a muitos milhões de euros que rumavam à Suíça, acabando por desaparecer sem deixar rasto.

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Como disse a RTP, Francisco Canas funcionava como intermediário para o negócio de Michel Canals. Era por essa loja da baixa que passavam todos os clientes do gestor suíço, que entregavam o dinheiro a Francisco Canas que depois o depositava em contas em seu nome no BPN de Portugal e de Cabo Verde. De acordo com o Expresso, as verbas eram transferidas para contas na Suíça e, em alguns casos, os clientes levantavam esse dinheiro na loja.

A lista de clientes de Michel Canals contém mais de 10 mil nomes, de acordo com a RTP, e inclui alguns dos maiores empresários do país. Segundo o Expresso, a descoberta do esquema “Monte Branco” assustou muitos detentores de fortunas no estrangeiro, sendo que muitos acabaram por aderir ao Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT).

Quem foi ouvido, citado e detido?

No decorrer da investigação foram detidas cinco pessoas, sendo que três delas ficaram em prisão preventiva e as restantes foram sujeitas ao pagamento de caução. A operação envolveu mais de 30 mandados de busca, tendo sido apreendidos 450 mil euros, escreve o Público.

No total, há sete arguidos no caso: Michel Canals, Nicolas Figueiredo, Francisco Canas, José Pinto, Ricardo Arcos Castro, José Carlos Gonçalves e um sobrinho de Francisco Canas, com o mesmo nome.

  • Michel Canals e Nicolas Figueiredo – Os administradores da Akoya foram detidos em maio de 2012 e libertados em outubro desse ano.
  • Francisco Canas e a família – Segundo o Expresso, Canas ganharia uma comissão pelos serviços prestados. Mas na sua família terá havido outros a lucrar com o negócio. Francisco Canas foi detido e ficou em prisão domiciliária até ser libertado em maio de 2013.
  • Ricardo Arcos Castro – Dono da empresa de gestão de fortunas Arco Finance, foi detido em Lisboa, em maio de 2012.
  • Duarte Lima – O advogado terá recorrido aos serviços de Canas para canalizar dinheiro para a Suíça.
  • Manuel Vilarinho – A casa do antigo presidente do Benfica foi alvo de buscas pelo Ministério Público por suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capitais, lembra o Dinheiro Vivo. Segundo o Expresso, Vilarinho admitiu ser cliente da rede, mas garantiu já ter pago os impostos em falta, através do RERT. Não foi constituído arguido.
  • Maria José Rau – A antiga inspetora-geral da Educação e secretária de Estado de António Guterres terá recorrido aos serviços de Francisco Canas, mas, em declarações ao Expresso em 2012, disse que a família regularizou tudo através do RERT e que “deixou de haver Canas”. Maria José Rau contou ao semanário que nunca foi contactada pelas autoridades que investigam o caso “Monte Branco”.
  • José Carlos Gonçalves – Este empresário do imobiliário e da construção civil de Alenquer foi o sexto arguido do processo, em dezembro de 2012. Gonçalves era sócio da empresa representante da Suzuki em Portugal, a Cimpomóvel.

Como lembra o Expresso, o caso Monte Branco deu origem a uma crise política porque José Maria Ricciardi foi posto sob escuta entre setembro de 2011 e fevereiro de 2012. Nessas escutas foram ouvidas conversas com o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e o ministro dos Assuntos Parlamentares da altura, Miguel Relvas. Nesses telefonemas, Ricciardi falava com Passos Coelho e Relvas sobre as privatizações da REN e da EDP. Essas escutas deram origem a outro processo para investigar estas privatizações.

Apesar de Passos Coelho não ter sido considerado suspeito da prática de qualquer crime, Ricciardi foi constituído arguido.

Qual a ligação de Ricardo Salgado?

O banqueiro foi alvo de escutas durante a investigação do caso “Monte Branco”, mas nunca foi constituído arguido. Segundo o livro “O Último Banqueiro”, de Maria João Babo e Maria João Gago, Salgado foi identificado como cliente da Akoya e decidiu prestar esclarecimentos às autoridades, de forma voluntária.

Como lembra o Diário Económico, o antigo presidente executivo do BES foi ouvido no final de 2012 no DCIAP no âmbito deste processo. Na altura, a PGR disse que Salgado não era suspeito e que não havia indícios para lhe imputar a prática de ilícito fiscal.

No livro “O Último Banqueiro” escreve-se que antes de ser ouvido pelo Ministério Público, o banqueiro pôs em ordem a sua situação fiscal aproveitando o RERT e fez três retificações no valor de 4,3 milhões de euros. O jornal i de 17 de janeiro de 2013 noticiou que Ricardo Salgado tinha feito retificações à declaração de rendimentos de 2011, depois de se ter “esquecido” de declarar 8,5 milhões de euros.

Poucos dias depois, o ex-presidente do BES garantia ao Jornal de Negócios: “Nunca fugi aos impostos nem sou suspeito disso ou de qualquer outra coisa”. Quanto ao dinheiro que não tinha sido declarado, Salgado explicou que este tinha sido “ganho no estrangeiro” durante os 17 anos que trabalhou fora de Portugal.

O livro lançado no passado 15 de julho revela que Salgado terá recebido 14 milhões de euros e não 8,5 milhões do construtor José Guilherme. Este montante foi transferido pelo construtor para a sociedade offshore de Ricardo Salgado, a Savoices.