Índice
Índice
7h15. Os convidados começam a chegar a Westminster. Faltam perto de quatro horas, mas tudo tem de estar já a postos. E está. O calendário das festas é bem cumprindo: às 11 horas, Carlos III e Camila, rainha consorte, entram na Abadia para a cerimónia da coroação, celebrada pelo Arcebispo da Cantuária, Justin Welby. Às 13 horas, nas suas cabeças jazem já as históricas e aparatosas coroas, a do Estado Imperial e a da Rainha Mary. Mas é na véspera que, até com tendas de campismo, as multidões começam a reunir-se nas ruas da capital inglesa para celebrar o novo monarca, o herdeiro de Rainha Isabel II — cujo reinado durou 70 anos. “O príncipe eterno” tornou-se Rei de Inglaterra aos 73 anos e foi coroado este sábado, 6 de maio, aos 74.
Primeira parte: as detenções, o cortejo do Rei e a chegada dos convidados
A chuva cai na capital inglesa, mas não parece esbater a felicidade das multidões que enchem o The Mall, avenida que liga a Abadia de Westminster ao Palácio de Buckinhgam. Ainda assim, houve quem tivesse saído à rua em tom de discordância: na manhã de sábado, o líder de um grupo anti-monarquia e mais seis ativistas (um deles, Graham Smith, líder do grupo republicano), foram detidos quando estavam a caminho de um protesto em Trafalgar Square, relata a Sky News — as autoridades não quiseram detalhar o motivo da detenção. Este foi um dos locais por onde passaram horas depois os cortejos da coroação.
Yasmine Ahmed, responsável de Direitos Humanos do Reino Unido, não tardou a reagir — e descreveu os relatos das detenções destes “protestos pacíficos” como “extremamente alarmantes”. “Isto é algo que esperava ver em Moscovo, não Londres. Os protestos pacíficos permitem que os indivíduos responsabilizem as figuras no poder”. Apesar de proibidos, os protestos foram continuando esporadicamente.
Mas é como cantava Fredie Mercury, “the show must go on”. Enquanto de um lado, vão chegando Katy Perry, Lionel Richie, Nick Cave ou Emma Thompson (recorde aqui todas as presenças) — a mais bem disposta da coroação, pelo menos segundo as fotografias —, Carlos e Camila preparam-se para às 10h20 atravessarem os portões de Buckingham. É o primeiro cortejo do dia, o Cortejo do Rei. Minutos antes, com os oficiais reunidos nos portões do Palácio, as televisões mostram os monarcas a aguardar, já dentro da Carruagem do Jubileu de Diamante.
E vamos às nossas primeiras curiosidades históricas: pensada para assinalar os 80 anos de Isabel II, em 2006, esta carruagem levou mais tempo a construir do que o expectável, tornando-se, por isso, protagonista na celebração dos 60 anos do seu reinado, em 2012. Mais: com três toneladas, tem ar condicionado, aquecimento, janelas elétricas e suspensão hidráulica. Por último, conta com madeiras, metais e outros materiais de locais ligados à história do Reino Unido — desde os Palácios de Buckingham, Kensington e Holyroodhouse, o Castelo de Windsor e até mesmo a Abadia de Westminster, aquela para onde segue com Carlos III e Camila.
Ao som do hino “God Save the King”, o Cortejo do Rei tem apenas cerca de três quilómetros e não oito como o de Isabel II. Este é um dos sintomas de uma coroação que se quis mais “contida”, a somar a uma lista de convidados mais reduzida, que foi das oito mil da última coroação às duas mil presenças. Carlos III e Camila passam, então, pelo The Mall, pelo Admiralty Arch, descendo a avenida de Whitehall. A carruagem passa depois ao lado do parlamento, até chegar à porta da Abadia.
With less than a month to go, we’ve announced some new ceremonial details about the #Coronation of The King and The Queen Consort.
Take a look at our thread to find out more????
???? [1/6]
— The Royal Family (@RoyalFamily) April 9, 2023
Entretanto, mais convidados. Percorrem os monarcas o singelo percurso na carruagem e Harry chega a Westminster sem uniforme ou sem Meghan Markle, como já tinha sido anunciado — a ausência da Duquesa de Sussex foi justificada com o aniversário do filho Archie, que completa quatro anos precisamente neste sábado. Chega acompanhado pela família, mais concretamente, pelas primas Beatrice e Eugenie, filhas do príncipe André — que, já agora, terá sido vaiado pela população que o viu atravessar de carro o de The Mall.
No compasso de espera entre o Cortejo do Rei e a entrada na Abadia, são os membros seniores da realeza que continuam a chamar a atenção: os duques de Edimburgo, o príncipe Eduardo, irmão do Rei, junto com a mulher Sophie, e a filha, Lady Louise. Os mais aguardados chegaram depois de alguma espera: William e Kate, com os príncipes Charlotte e Louis — George, o mais velho, é um dos pajens do Rei.
Por debaixo da capa que os dois príncipes de Gales vestem, Middleton esconde um vestido branco Alexander McQueen da designer Sarah Burton, a mesma que desenhou o seu vestido de noiva. Quanto às joias, destacamos os brincos que outrora pertenceram a princesa Diana. Uns mais infames outros menos, os ex-governantes do Reino Unido começam a chegar. Theresa May, Boris Johnson, Lizz Truss já estão em Westminster.
Segunda parte: a coroação, objetos que carregam séculos de história e as azeitonas de Jerusalém
São onze horas e as atenções viram-se, definitivamente para os reis num cortejo que segue agora para o interior de Westminster. Com eles, as insígnias e os quatro pajens que ajudam a segurar os mantos reais — um deles é o príncipe George, segundo na linha de sucessão ao trono, filho dos príncipes de Gales.
O Arcebispo da Cantuária dá início à cerimónia, que dura cerca de duas horas e que tem cinco momentos principais.
- O reconhecimento
É o pontapé de saída e nas próximas horas as atenções centram-se em Carlos III. O Rei vira-se para os quatro lados da abadia e mostra-se ao seu povo. Nas suas costas, o mais antigo manto imperal alguma vez usado por um monarca no Reino Unido — a peça nasceu em 1821, foi criada para o Rei George IV e tem sido utilizado nas cerimónias da coroação desde então, há mais de dois séculos.
2. Os juramentos
O arcebispo da Cantuária reconhece que há várias fés existentes no Reino Unido e promete que a Igreja de Inglaterra “vai promover um ambiente em que as pessoas de diferentes religiões vivam livremente”, explica a BBC. O Rei faz o Juramento da Coroação, com a mão sobre a Bíblia. Jura defender a Igreja, a paz e as leis e costumes do Reino Unido e Irlanda do Norte.
“Eu, Carlos, solene e sinceramente na presença de Deus, professo, testemunho e declaro que sou um protestante fiel e que irei, de acordo com a verdadeira intenção das leis que garantem a sucessão protestante ao trono, defender e manter as referidas leis de acordo com os meus poderes e com a lei”, disse.
“Deus de compaixão e misericórdia, cujo Filho foi enviado não para ser servido, mas para servir, concede-me a graça para que possa encontrar ao teu serviço a liberdade perfeita, e nessa liberdade o conhecimento da tua verdade. Concede que eu seja uma bênção para todos os teus filhos, de todas as fé e crenças”, declarou de seguida, ajoelhado perante o altar.”
3. A unção
É o momento mais sagrado da cerimónia e fica longe dos olhares do público. Não vemos, mas manda o protocolo que Carlos III seja ungido com óleo sagrado em forma de cruz na testa, no peito e nas mãos, sentado na Cadeira da Coroação. Sobre a cadeira, tem mais de 700 anos e foi criada de propósito para incluir a Pedra do Destino. Esta pedra é originária de Scone, na Escócia, e é um símbolo da monarquia deste reino, como explicamos neste artigo. Estreou-se nas coroações da monarquia inglesa em 1308 com Eduardo II.
Há mais objetos simbólicos utilizados no ato da unção, incluindo o mais antigo item da Coroação: a colher que levou o óleo sagrado da unção de Carlos III remonta ao século XII. Surge juntamente com a ampulha, o frasco que transporta um líquido divino.
De acordo com o site da casa real, o óleo foi consagrado em Jerusalém pelo patriarca da cidade, Theophilos III e pelo arcebispo anglicano, Hosam Naoum — e as azeitonas que o originaram foram colhidas de duas oliveiras no Monte das Oliveiras, no Mosteiro de Maria Madalena (onde está sepultada a princesa Alice da Grécia, avó do Rei e mãe do príncipe Filipe) e no Mosteiro da Ascensão. Inspirado naquele que foi utilizado pela antiga monarca, Isabel II, foi depois aromatizado com óleos essenciais como sésamo, rosas, jasmim, canela, neroli, benzoína, âmbar e flor de laranjeira.
The oil has been created using olives harvested from two groves on the Mount of Olives at the Monastery of Mary Magdalene and the Monastery of the Ascension.
The Monastery of Mary Magdalene is the burial place of His Majesty’s grandmother, Princess Alice of Greece.
[2/3] pic.twitter.com/GRHuIRS9mA
— The Royal Family (@RoyalFamily) March 3, 2023
4. A investidura
O momento mais esperado: o arcebispo coloca a coroa de Santo Eduardo na cabeça de Carlos III, um dos objetos mais célebres desta coroação, utilizada também por todos os reis, desde Carlos II, para quem foi concebida. Isabel II, até então a última a utilizá-la, comentou na sua cerimónia da sua coroação o seu peso. São, afinal, dois quilos de ouro sólido, rubis, ametistas e safiras.
O monarca segurou ainda dois cetros — o soberano (representa o poder real e a justiça) e o da igualdade e misericórdia (representa o papel espiritual do rei) — e a orbe. Este último quer também representar o poder do monarca, simbolizando o mundo cristão.
5. A entronização
O Rei senta-se no trono e, pela primeira vez, um desvio no protocolo: segundo a tradição, vários membros da realeza e aristocratas deveriam ajoelhar-se perante o Rei, mas nesta cerimónia só o príncipe William se vergou perante o monarca. É uma homenagem e demonstração de carinho: o Príncipe de Gales beija o pai na bochecha. “Obrigado, filho”, responde um rei já coroado.
A vez de Camila
A outrora “vilã da coroa que conquistou o povo” foi coroada com a coroa da Rainha Mary, escolha que pretendeu homenagear Isabel II.
Alguns dados sobre esta peça: a coroa foi utilizada em 1911 pela rainha Mary, na coroação do reinado de Jorge V. Quando a Casa Real anunciou a utilização da peça, criada pela casas Garrard, esta foi retirada do seu lugar habitual na Torre de Londres para ser modificada e estar pronta a tempo da coroação. Nela foram incluídos os diamantes Cullinan III, IV e V, que há já muitos anos integravam a coleção pessoal de joias da antiga monarca — e que foram utilizados, em várias ocasiões, como pregadeiras, como explicámos aqui.
Camilla vai usar coroa da Rainha Mary na cerimónia da coroação
E já que é de joias que falamos, vale a pena saber que Camila levou ao pescoço 26 diamantes que compõem o colar da coroação, peça que conjuga com um par de brincos, conjunto feito para a rainha Vitória, utilizado pelas rainhas consortes que se seguiram nas coroações. Isabel II também usou estas joias em 1953. Antes de partirem num novo cortejo, Carlos III e a rainha consorte receberam a comunhão.
Terceira parte: “God Save the King!”. Coroados, seguimos para o aceno à população em Buckingham
Ao som do hino, Camila e Carlos III saem da Abadia de Westminster num novo cortejo — o monarca leva agora a coroa do Estado Imperial.
Coroados, embarcam na Gold State Coach, carruagem coberta com folha de ouro e desenhos de deuses romanos, encomendada há mais de 260 anos — foi estreada pelo Rei Jorge III numa deslocação ate à cerimónia da abertura do Parlamento; em matéria de coroações, foi William IV, em 1831, a utilizá-la pela primeira vez, sendo utilizada desde então.
Seguindo calmamente, a passo de caminhada — como obriga um transporte real que pesa quatro toneladas e é puxado por oito cavalos (já agora, de seus nomes Icon, Shadow, Milford Haven, Newark, Echo, Knightsbridge, Meg e Tyrone) — celebrou-se então o Cortejo da Coroação. Os monarcas percorreram a mesma distância e avenida, agora no sentido inverso ao do cortejo anterior.
Meet the horses!
???? Icon
???? Shadow
???? Milford Haven
???? Newark
???? Echo
???? Knightsbridge
???? Meg
???? TyroneThese eight ‘Windsor Greys’ will be centre-stage on Saturday as they pull the Gold State Coach in the #Coronation procession: https://t.co/PgcD5xaGrk pic.twitter.com/4nF2SSaVv3
— The Royal Family (@RoyalFamily) May 4, 2023
Desta vez, claro, com um aparato maior: com eles, seguiu também uma grande escolta, com Forças Armadas de países da Commonwealth, de outros territórios britânicos e todos os serviços de Forças Armadas do Reino Unido, bem como os guardas do Soberano. Agora na carruagem do Jubileu de Diamante, William e Kate, juntamente com os três filhos — George, Charlotte e Louis.
Nisto, as multidões apressam-se a percorrer o The Mall — não querem perder a chegada dos reis e membros seniores da realeza à simbólica varanda de Buckingham. O momento está marcado para as 14h15 — e o horário, mais uma vez é cumprido, mais minuto, menos minuto.
Carlos III, Camila, acompanhados pelos seus pajens, pelos príncipes de Gales e outros membros seniores da realeza aparecem e saúdam o público — sem grandes surpresas, Harry não está incluído. Nos jardins do Palácio, os oficiais alinham-se para fazer uma saudação militar.
A exibição aérea da Royal Air Force (RAF) — com as cores da bandeira britânica, a Union Jack —, toma conta dos céus de Londres. Outra vez, God Save The King.
Aquele que seria, supostamente, o momento final da cerimónia revela-se o antepenúltimo. Depois de saírem da vista do público, a surpresa. Um encore: Carlos III e Camila regressam para um último aceno.
Amanhã, o repasto: é dia Coronation Big Lunch. O prato oficial? Quiche da coroação. Se quiser juntar-se à festa, veja aqui a receita.