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A coroação da Rainha Vitória na Abadia de Westminster, em 1837. Victoria foi uma das monarcas inglesas que mais tempo reinou

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A coroação da Rainha Vitória na Abadia de Westminster, em 1837. Victoria foi uma das monarcas inglesas que mais tempo reinou

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960 anos de coroações em Westminster. A história, os símbolos e a pedra escocesa

Desde o século XI, foram coroados 39 monarcas na Abadia de Westminster. Carlos III será o 40.º. Tudo começou com Guilherme I, o duque normando que se tornou rei de Inglaterra. O que mudou desde então?

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Em 1066, após a Batalha de Hastings, Guilherme, duque da Normandia, marchou até Londres e foi coroado na Abadia de Westminster, seguindo o antigo ritual inglês. Guilherme I foi o primeiro rei de Inglaterra a ser investido na igreja fundada pelo seu antecessor, Eduardo, o Confessor, abrindo um precedente que tem sido repetido por todos os que lhe seguiram. Desde 1066, foram coroados 39 monarcas em Westminster. Carlos III será o 40.º.

Desconhecem-se os pormenores das primeiras coroações depois de Guilherme I, mas acredita-se que a cerimónia se manteve praticamente igual desde o século XI. Os diferentes elementos foram apenas colocados por escrito no final do século XIV, durante o reinado de Ricardo II, no Liber Regalis. O livro em latim tem desde então servido como guia para a organização do evento. Esses elementos foram recuperados pela rainha Isabel II em 1953 e, muito provavelmente, também o serão pelo seu filho, Carlos III, que será coroado em Westminster a 6 de maio, juntamente com a rainha consorte, Camila. Será o culminar de vários séculos de história e tradição.

A coroação geralmente acontece vários meses após a ascensão do novo rei ou rainha, na sequência da morte do monarca anterior e depois de um adequado período de luto, que permite a preparação da elaborada cerimónia. No caso de Carlos, passaram quase nove meses desde a morte de Isabel II. Antigamente, era um passo essencial no reconhecimento de um novo rei. Atualmente, a sucessão está prevista na lei. Porém, a cerimónia permanece um evento importante nos anos imediatamente a seguir à ascensão do novo monarca, como é destacado no site do Parlamento britânico. É uma oportunidade para celebrar a monarquia e para reforçar os elos da família real com os cidadãos britânicos, recordando-os da sua função.

A de Carlos III também será assim — como refere o site do Royal Collection Trust, a cerimónia de 6 de maio “irá refletir o papel do monarca nos dias de hoje e olhar para o futuro, ao mesmo tempo que será enraizada em tradições duradouras”, preservadas ao longo de quase 960 anos de história.

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Guilherme da Normandia: a primeira (caótica) coroação em Westminster

No que diz respeito à atual cerimónia de coroação, tudo começou com Guilherme I, também conhecido por Guilherme, o Conquistador.

A morte do rei Eduardo, que não deixou descendentes, no início de janeiro de 1066 gerou uma crise dinástica em Inglaterra. Os principais candidatos ao trono inglês eram Edgar Ætheling, o último descendente masculino da casa de Wessex; Harold Godwinson, membro de uma importante família nobre e descendente do rei Cnut; e Guilherme, duque da Normandia, que alegava que, antes de morrer, o monarca inglês lhe tinha prometido que o sucederia. A nobreza anglo-saxónica era contra a coroação de um rei estrangeiro e, por essa razão, apoiou a sucessão de Harold, que reinou até que Guilherme assegurou o trono após uma vitória em Hastings, em East Sussex, a 14 de outubro de 1066. Cerca de dois meses depois, no dia de Natal, Guilherme I foi coroado na Abadia de Westminster, em Londres, inaugurando uma dinastia de reis franceses que governou o país durante mais de 60 anos, até à ascensão dos Plantagenetas, com Henrique II.

Em dezembro de 1066, a Abadia de Westminster era uma novidade recente na paisagem londrina. A igreja tinha sido consagrada no final do ano anterior, numa altura em que Eduardo, que morreu pouco mais de um mês depois, se encontrava já demasiado doente para poder assistir à cerimónia. A abadia foi um projeto do próprio rei, o primeiro monarca inglês a estabelecer-se naquela zona do rio Tamisa, junto a um antigo mosteiro fundado no reinado de Edgar, em cerca de 960.

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Um retrato de Guilherme I na Tapeçaria de Bayeux, um enorme bordado criado no século XI para celebrar a conquista normanda de Inglaterra

Pictures from History/Universal

Eduardo terá mandado construir a igreja em cumprimento de uma promessa: quando foi obrigado a fugir do país na sequência da invasão dinamarquesa, terá prometido que, caso conseguisse regressar, faria uma peregrinação até à Basílica de S. Pedro, em Roma. Impossibilitado de o fazer, o Papa tê-lo-á libertado da promessa na condição de fundar ou restaurar um mosteiro dedicado ao apóstolo. A atual abadia, em estilo gótico, foi construída por Henrique III, que mandou demolir a antiga igreja em estilo normando e erguer uma nova estrutura em honra de Eduardo, que se encontra sepultado no seu interior, em frente ao altar-mor, desde a sua morte. Desde Eduardo, o Confessor, foram enterrados 30 reis e rainhas em Westminster, incluindo Henrique III e Isabel I. O último monarca a ser sepultado na abadia foi Jorge II, em 1760.

Guilherme I foi o primeiro rei de Inglaterra que se sabe ter sido coroado em Westminster. A coroação de Harold Godwinson poderá ter sido acontecido no mesmo local, mas não existem documentos que o confirmem. Antes da construção da abadia, não havia lugar específico para a realização da cerimónia, que podia acontecer em qualquer igreja inglesa. Eduardo, o Confessor, por exemplo, foi coroado em 1042 na Catedral de Winchester, hoje famosa por ser o local de enterro da escritora Jane Austen. Não existem indícios de que Eduardo tenha planeado a construção da Abadia de Westminster para servir de palco à coroação do rei de Inglaterra. Guilherme escolheu a igreja porque queria ser coroado na sede do poder político e porque a abadia ficava próxima do palácio principal. O duque terá também tido em conta o facto de Eduardo se encontrar sepultado no seu interior. Ao ser coroado no local de enterro do seu antecessor, estava a legitimar a sua pretensão.

A cerimónia, realizada a 25 de dezembro de 1066, foi conduzida por Aldred, arcebispo de Iorque, em substituição de Stigand, arcebispo da Cantuária, que era contrário à ascensão do duque. Aldred fez uma oração em inglês e, em seguida, perguntou aos presentes se escolhiam Guilherme como rei. Geoffrey de Montbray, bispo de Countances, na Normandia, repetiu o mesmo discurso, mas em francês. Este modelo de coroação por “eleição” era costume em Inglaterra e terá sido adotado por reis posteriores, até que foi substituído pela coroação por “reconhecimento”, hoje utilizada, na qual os presentes são instados a reconhecer o rei e aceitá-lo como monarca.

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A Tapeçaria de Bayeux conta a história da ascensão de Guilherme I depois da vitória em Hastings. É um dos documentos mais importantes sobre a conquista normanda de Inglaterra

AFP via Getty Images

O Reconhecimento é um dos principais momentos da cerimónia e é a seguir a este que o monarca faz o Juramento, prometendo governar “de acordo com a lei e com misericórdia”. O Juramento é o único aspeto da cerimónia que é atualmente requerido por lei. As palavras proferidas pelo monarca têm mudado ao longo dos tempos de forma a refletir as mudanças na composição do reino e na Commonwealth. Segue-se a Unção com o óleo sagrado, um ritual que simboliza o derramamento da graça divina sobre o monarca, e a Investidura e Coroação, o momento em que a coroa é colocada sobre a cabeça do rei ou rainha. O Reino Unido é atualmente o único país europeu que realiza a Unção, que é datável do século XII.

A audiência em Westminster respondeu com uma aclamação. No exterior, os guardas normandos, desconhecendo as práticas de coroação, julgaram que estavam a tentar assassinar Guilherme e começaram a pegar fogo aos edifícios em redor da abadia. A igreja ficou cheia de fumo e os nobres fugiram em pânico. Alguns aproveitaram o incidente para dar início a uma série de pilhagens e o caos instalou-se nas ruas. Apenas o clero e o rei permaneceram no interior de Westminster para concluir a cerimónia, na qual terá sido usada a antiga coroa de Eduardo, o Confessor. Anos depois, os cronistas ingleses interpretaram o incidente como um sinal de que outras tragédias estavam por vir. E, de facto, o reinado de Guilherme I foi tudo menos pacífico.

Apesar da rapidez com que conseguiu assegurar o trono, os ingleses não se submeteram facilmente. Os anos seguintes à coroação foram marcados pelo combate a vários focos de resistência. A maior revolta aconteceu em Iorque, em 1069. Em resposta, Guilherme devastou a região, incendiando aldeias, destruindo plantações e matando animais. Os habitantes de Northumbria foram obrigados a implorar por clemência para que não morressem à fome. Quebrando drasticamente com as ligações ao passado anglo-saxónico, Guilherme substitui a elite inglesa por normandos. Estima-se que cerca de quatro mil anglo-saxões tenham perdido as suas terras. A medida teve um impacto profundo a curto e também longo prazo — o inglês, substituído pelo francês normando como língua de prestígio, deixou de ser usado para escrever. Durante pelo menos um século, não foi produzida literatura em inglês em Inglaterra.

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Há cerca de 960 anos que os monarcas ingleses são coroados na Abadia de Westminster, mandada construir por Eduardo, o Confessor

Getty Images

Eduardo I: a Cadeira da Coroação e a Pedra do Destino escocesa

Apesar de se desconhecerem os pormenores das mais antigas cerimónias de coroação inglesas, tudo leva a crer que seriam muito semelhantes ao modelo que é hoje seguido, com exceção de alguns pormenores, acrescentados ao longo do tempo. No início do século XIV, foi mandado construir um objeto que passaria a desempenhar um papel central na cerimónia, a Cadeira da Coroação ou do rei Eduardo, um dos elementos mais famosos e mais preciosos ligados à história da coroação em Inglaterra. É enquanto está sentado nessa cadeira, de frente para o altar, que o monarca recebe a coroa, que lhe é colocada sobre a cabeça pelo arcebispo da Cantuária, que preside à cerimónia religiosa.

O assento em madeira de carvalho, que é considerado a peça de mobiliário mais antiga do Reino Unido, foi mandado construir por Eduardo I, filho de Henrique III e Leonor de Aquitânia, por volta de 1300, para albergar a Pedra do Destino ou de Scone, sobre a qual os reis da Escócia eram tradicionalmente coroados. A rocha foi usada pela primeira vez na coroação de um rei inglês em 1308, quando Eduardo II, filho de Eduardo I, subiu ao trono, mas existem dúvidas sobre se terá de facto sido usada no momento da colocação da coroa. Sabe-se, porém, que desempenhou essa função em 1399, na coroação de Henrique IV, e na de todos os monarcas que lhe seguiram.

A verdadeira origem da Pedra do Destino permanece um mistério. Diz a história que terá sido sobre o artefacto que Jacob se terá deitado em Betel e que terá sido sobre ela que a Arca da Aliança, contendo os Dez Mandamentos, foi colocada no Templo de Salomão, em Jerusalém. A pedra terá sido mudada da Palestina para o Egito e do Egito para a região de Espanha, eventualmente acabando na Irlanda, onde foi colocada no monte sagrado de Tara, onde os reis irlandeses eram coroados. Foi na Irlanda que recebeu o nome “Lia-Fail”, “Pedra do Destino”, porque era capaz de identificar o verdadeiro rei. O artefacto terá sido levado para a Escócia no século IV, na sequência da invasão da Irlanda pelos escoceses. Quando Kenneth I, o monarca que uniu as tribos dos pictos e dos escotos, mudou a capital da Escócia para a localidade de Scone, na região de Perthshire, terá levado a Pedra do Destino consigo, depositando-a no mosteiro local. O mais provável é, no entanto, que o artefacto tenha origem em Scone — análises feitas à sua composição em 1998 permitiram concluir que tem os mesmos componentes que as rochas que existem na zona do Palácio de Scone.

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Durante séculos, os reis da Escócia foram coroados sobre a Pedra do Destino no Castelo de Scone. A pedra foi levada para Inglaterra no século XIII por Eduardo I

Universal Images Group via Getty

Até à chegada de Eduardo I, no século XIII, todos os reis da Escócia foram coroados no Palácio de Scone sobre a Pedra do Destino. O mais antigo registo de uma cerimónia de coroação escocesa é a de Malcolm III, em 1058. John Baliol foi o último a usar a pedra, em 1292, antes de ser deposto pelo rei inglês, que transportou a pedra e as jóias da coroa escocesa, símbolos da soberania da Escócia, para Londres. Uma outra lenda refere que, quando os monges de Scone souberam que Eduardo I estava a caminho, trocaram a verdadeira Pedra do Destino por uma cópia, que o rei terá levado para a Abadia de Westminster, onde ficou ao cuidado do abade.

A Pedra do Destino permaneceu em Westminster até 1950, quando foi roubada por um grupo de nacionalistas escoceses, tendo sido descoberta três meses depois, no altar da Abadia de Arbroath. Em fevereiro de 1952, foi novamente colocada na Cadeira da Coroação, após terem sido tomadas precauções para evitar que ocorresse um novo furto. No 700.º aniversário da sua transferência para Inglaterra, em 1996, foi restituída à Escócia, encontrando-se normalmente em exposição na Sala da Coroa do Castelo de Edimburgo, onde estão também as jóias da coroa escocesa. Em setembro de 2022, foi anunciado que a pedra iria regressar temporariamente a Westminster para a coroação de Carlos. O artefacto foi também usado na coroação de Isabel II.

Estudos recentes, feitos em antecipação da cerimónia de coroação de Carlos III, culminaram na descoberta, na parte inferior da Pedra do Destino, de marcas anteriormente desconhecidas — “XXXV”, o número 35 em numeração romana. Não foi ainda possível perceber qual o significado das marcas, mas é provável que estejam relacionadas com o transporte da pedra e com algum trabalho de alvenaria, sugeriu o diretor de investigação no Historic Environment Scotland (HES), um organismo público criado para cuidar do património histórico escocês. Em declarações ao jornal The Scotsman, Ewan Hyslop explicou que foram identificadas durante a análise “diferentes tipos de marcas feitas por ferramentas, incluindo três tipos de cinzel”. “Também sabemos que foi martelada a certa altura”, afirmou, acrescentando que a pedra foi trabalhada em pelo menos três momentos por diferentes mãos.

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Em 1996, a Pedra do Destino foi restituída à Escócia. Centenas de pessoas reuniram-se na Royal Mile, a principal rua de Edimburgo, para ver passar o artefacto

Sygma via Getty Images

Em 1300 ou 1301, Eduardo I mandou construir a Cadeira da Coroação para albergar a Pedra do Destino, que é colocada por debaixo do assento. Feita em madeira de carvalho, foi decorada pelo pintor do rei, Walter, com imagens de pássaros e outros animais e de plantas. Originalmente, o trono não tinha assento e os monarcas sentavam-se diretamente sobre a pedra, provavelmente numa almofada. O assento só foi colocado no século XVII, provavelmente para a coroação de Jorge II. Na parte de trás da cadeira, foi desenhada a imagem de um rei, que se pensa ser Eduardo, o Confessor ou Eduardo I, com os pés em cima de um leão. Os quatro leões dourados que lhe servem de suporte foram colocados mais tarde, em 1727, para substituir os que tinham sido acrescentados no século XVI.

A Cadeira da Coroação foi mantida durante séculos na Capela de S. Eduardo, o Confessor, até que esta foi encerrada ao público e a peça transferida para um pedestal construído junto ao túmulo de Henrique V. Em 2010, foi novamente mudada de sítio, dessa vez para a Capela de S. Jorge, padroeiro de Inglaterra, na ala oeste da nave. Apesar de se encontrar em bom estado, sobretudo tendo em conta que foi construída há sete séculos, a cadeira está atualmente a ser alvo de um processo de análise para garantir que pode ser usada na cerimónia de coroação de Carlos III e que consegue suportar a Pedra do Destino, que pesa mais de uma tonelada. Desde 1953, quando Isabel II foi coroada, a cadeira, que nunca mais foi usada, encolheu vários milímetros.

Além dos óbvios sinais da passagem do tempo, a Cadeira da Coroação tem outras marcas, deixadas pelos visitantes e alunos da abadia nos séculos XVIII e XIX. Uma das mais inscrições mais famosas refere que, na noite de 5 para 6 de julho de 1800, “P. Abbott dormiu nesta cadeira”. Não terá sido o único. Warwick Rodwell, consultor na Abadia de Westminster, identificou um relato de um tal “OCW” que, em 1832, passou uma noite no interior da abadia depois de um serão regado a brandy e vinho tinto. A entrada na igreja foi-lhe assegurada por um sacristão, relatou o The Telegraph.

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A Cadeira da Coroação foi mandada construir no início do século XIV por Eduardo I. Nos séculos XVIII e XIX, várias pessoas deixaram a sua marca na peça de mobiliário

PA Images via Getty Images

Terá sido também durante a Idade Média, embora em data incerta, que a tradição de os monarcas passarem duas noites na Torre de Londres antes da coroação foi estabelecida. Segundo explica o site dos Historical Royal Palaces, os preparativos incluíam a investidura dos Cavaleiros do Banho, a escolta especial do rei para a coroação. No dia anterior à cerimónia, o monarca, acompanhado pelos seus cavaleiros, deixava a torre e seguia em cortejo pelas ruas de Londres até Westminster. O último rei a sair da Torre de Londres foi Carlos II, a 23 de abril de 1661. Atualmente, o Cortejo do Rei tem início no Palácio de Buckingham e inclui passagens por diversos espaços emblemáticos da cidade de Londres, como a Trafalgar Square e o St. James’ Park. Depois da coroação, é realizado o percurso inverso, o Cortejo de Coroação. Carlos III irá percorrer cerca de dois quilómetros, menos cinco do que os percorridos pela sua mãe. De acordo com o site do Parlamento britânico, este percurso foi estabelecido em 1902, por Eduardo VII.

De Cromwell a Jorge IV: a destruição das antigas jóias medievais, a criação de uma nova coroa e o fim do faustoso banquete em Westminster

Além do incidente de 1950, houve outras duas ocasiões em que a Pedra do Destino foi retirada do seu lugar e escondida: em meados do século XVII, após a ascensão de Oliver Cromwell, e durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi escondida num local secreto na Abadia de Westminster. Foi também no tempo de Cromwell, o único período da história de Inglaterra em que a monarquia foi substituída por uma república, que a antiga coroa de S. Eduardo, que teria pertencido a Eduardo, o Confessor, foi destruída. Em 1649, após a execução de Carlos I por traição, o parlamento inglês ordenou que as jóias da coroa fossem levadas de Westminster, onde eram guardadas, para a Torre de Londres e derretidas para financiar o novo governo republicano. Ana Bolena, a segunda mulher de Henrique VIII, foi a única rainha consorte a ser coroada com a coroa original, a 1 de junho de 1533.

Quando a monarquia foi restaurada em 1660, foi criada uma nova coroa para ser usada por Carlos II. A atual Coroa de S. Eduardo pesa cerca de dois quilos. Feita em ouro maciço, está decorada com rubis, ametistas e safiras. Além desta coroa, que é colocada sobre a cabeça do monarca durante a cerimónia de coroação, existe uma outra, que é usada pelo rei ou rainha durante o resto do evento e no cortejo pelas ruas de Londres. A Coroa do Estado Imperial, tradicionalmente usada na abertura do parlamento, é mais leve (pesa cerca de um quilo). Foi criada para a coroação de Jorge VI em 1937, para substituir a coroa da rainha Vitória, sua bisavó. É decorada com várias centenas de pedras preciosas, incluindo uma safira que terá sido usada num anel por Eduardo, o Confessor, e o Cullinan II, a segunda maior pedra com origem no gigantesco diamante Cullinan, o maior alguma vez descoberto (pesava 3.106 quilates).

A pedra foi encontrada na África do Sul em 1905 e recebeu o nome do diretor da companhia mineira, Thomas Cullinan. Durante um período de oito meses, três polidores trabalharam durante 14 horas por dia para cortar e polir nove pedras retiradas do diamante original. A maior, Cullinan I, foi incorporada em 1911 no cetro real, originalmente criado para a coroação de Carlos II, pelo joalheiro real. O diamante é tão grande que o cetro teve de ser reforçado para aguentar o seu peso. Ao todo, o cetro pesa mais de um quilo. Na cerimónia de 6 de maio, Camila será coroada com a Coroa da Rainha Maria, produzida pela casa Garrard em 1911 para ser usada pela avó de Isabel II. O Palácio informou que a coroa será especialmente modificada para Camila e que serão incorporados alguns dos diamantes que integravam a coleção pessoal de Isabel, que as usou em várias ocasiões como pregadeiras. A Coroa de S. Eduardo também será alterada.

A Coroa de S. Eduardo, usada durante a coroação, foi criada no século XVII para substituir a antiga coroa medieval, destruída durante a Guerra Civil

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Uma vez que as antigas jóias da coroa foram quase todas destruídas ou vendidas durante a Guerra Civil, a maioria das peças foram produzidas a partir do século XVII. A única exceção é a Colher da Coroação, do século XII, provavelmente do reinado de Henrique II ou Ricardo I. A Colher é o único objeto do conjunto das jóias reais, que incluem mais de 100 objetos, do período medieval. Acredita-se que terá sobrevivido porque ninguém sabia para que é que servia, explicou Kathryn Jones, curadora de Artes Decorativas do Royal Collection Trust, ao The Telegraph, acrescentando que a sua função original permanece por desvendar. No século XVII, a Colher foi comprada por Clement Kynnersley, que trabalhou no Guarda-Roupa, o departamento responsável pelo mobiliário real, de Carlos I e Oliver Cromwell. Kynnersley restituiu-a à Coroa após a ascensão de Carlos II por um “pequeno lucro”.

A Colher da Coroação é usada para ungir o monarca com o óleo sagrado, que é guardado numa ampola em forma de águia, também criada no século XVII. O óleo é produzido seguindo mais ou menos a mesma receita desde o reinado de Carlos I. É feito com azeite e outros óleos essenciais. Até recentemente, incluía alguns ingredientes de origem animal, que foram entretanto retirados. Para a coroação de Carlos III, foram usadas azeitonas colhidas no Monte das Oliveiras, em Jerusalém. Segundo o The Telegraph, a opção de usar azeitonas de Jerusalém marca uma mudança na produção do óleo, que era geralmente feito em Inglaterra. O arcebispo da Cantuária, Justin Welby, explicou que planeou desde o início usar azeite do Monte das Oliveiras. “Isto demonstra a profunda ligação histórica entre a coroação, a Bíblia e a Terra Santa”, afirmou, citado pelo The Telegraph, salientando que “desde os antigos reis até aos tempos modernos, os monarcas têm sido ungidos com óleo de lugares sagrados”.

Além da Colher da Coroação, existe uma outra peça no conjunto das jóias reais cuja função original se desconhece. O Bastão de S. Eduardo, também conhecido por Bastão Longo, é uma recriação do século XVII de um objeto semelhante que terá sido uma relíquia associada a Eduardo, o Confessor, canonizado em 1161 pelo Papa Alexandre III. Foi incorporado na cerimónia de coroação por Carlos II, que quis usar tudo o que tinha à sua disposição, mesmo desconhecendo para que é que os objetos serviam. De acordo com o Royal Trust Collection, o Bastão não desempenha nenhuma função na cerimónia, sendo carregado, juntamente com outros elementos, durante o cortejo real.

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A Coroa do Estado Imperial foi criada para a coroação de Jorge VI em 1937, para substituir a coroa da rainha Vitória, sua mãe

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A cerimónia de coroação inclui música, orações e hinos. Até ao reinado de Isabel I, foi dita em latim. A rainha terá feito questão que algumas partes da cerimónia religiosa fossem ditas em inglês para que os seus súbditos pudessem compreender o seu juramento. A partir de Jaime I, seu sucessor, a cerimónia passou a ser dita exclusivamente em inglês. O atual hino da coroação, “Zadok The Priest”, foi composto por George Frederic Handel para a investidura de Jorge II, em 1727. Desde então que tem sido cantado antes da unção de todos os monarcas. O hino nacional foi introduzido em 1953, na coroação de Isabel II.

A última grande mudança aconteceu no reinado de Guilherme IV quando, pela primeira vez, não se realizou o habitual banquete de coroação. Tradicionalmente, a coroação era seguida de uma faustosa refeição em Westminster Hall, o mais antigo edifício do parlamento. Algumas rainhas consortes optaram por organizar também um banquete, numa outra sala do edifício parlamentar (o Lesser Hall). Durante a refeição, o Campeão do Rei, papel que pertencia por direito hereditário à família Dymoke, desafiava os presentes a contestarem o novo monarca. O primeiro Campeão do Rei de que há registou foi Sir John Dymoke, senhor de Scrivelsby por direito de casamento. Dymoke desempenhou a função no banquete da coroação de Ricardo II, no final do século XIV. Em 1830, Guilherme IV considerou que a refeição era demasiado cara, optando por não a realizar, uma decisão que foi tomada por todos os reis e rainhas seguintes, refere o site do Parlamento britânico. O banquete de coroação foi organizado pela última vez em 1821, quando Jorge IV subiu ao trono. O seu Campeão foi Henry Dymoke.

A coroação de Jorge IV foi uma das mais extravagantes da história de Inglaterra. O rei foi coroado quando tinha 57 anos, depois de um longo período como príncipe regente depois de o pai, Jorge III, ter enlouquecido. Tinha uma saúde frágil, em parte provocada pelo consumo excessivo de álcool.  Pensa-se que fosse também viciado em láudano. Obeso, terá transpirado tanto durante a cerimónia que terá usado 19 lenços para limpar o suor da testa. Um dos episódios mais famosos da sua opulenta coroação, que terá custado 230 mil libras, um valor elevado para a altura, foi a proibição da entrada da sua mulher, Carolina de Brunswick, sua prima direita, no interior da Abadia de Westminster. Jorge e Carolina viviam separados desde 1796. Quando se tornou rei um ano antes, Jorge repudiou-a e mandou que o seu nome fosse retirado do Livro de Oração Comum, o livro de orações da Igreja Anglicana. A rainha, que nunca gostou do marido,  morreu menos de um mês depois. Jorge IV reinou por mais uma década, morrendo em 1830. Fiel às decisões que tomou em vida, foi sepultado em Windsor, longe da mulher, que foi enterrada em Brunswick. Os cangalheiros estavam bêbedos.

Não se sabe exatamente em que pontos Carlos irá quebrar com as antigas tradições mas, de acordo com as informações divulgadas até agora, o rei deverá procurar um meio termo. A começar pelo formato e duração de cerimónia religiosa, que será consideravelmente mais curta do que a de Isabel II (deverá durar uma hora em vez de três) e que contará com a presença de dois mil convidados em vez de oito mil, seguindo uma tendência iniciada durante o reinado de Guilherme IV. Desde 1831, a cerimónia tem vido a tornar-se mais simples e também menos dispendiosa, respondendo aos tempos e vontades. Ainda não se sabe quanto custará a coroação de Carlos III, mas será certamente menos cara do que a de sua mãe, Isabel II.

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