Quarta-feira à noite a ministra da Saúde garantia que o Governo não ia encerrar as escolas, seguindo a indicação do Conselho Nacional de Saúde Pública. Menos de 12 horas depois, após meio Conselho de Ministros, António Costa decidia em sentido contrário. Era a primeira das muitas medidas de contenção contra a pandemia de coronavírus no nosso país. Mas pelo caminho ficavam outras dúvidas sobre o que cada um pode (e deve) fazer para travar a dispersão da doença nos conselhos dados pelos órgãos oficiais. Alguns contraditórios.
Pode viajar ou não? O que deve fazer em caso de estar contagiado com o novo coronavírus? E tem de usar máscara se pertencer a um grupo de risco? A resposta definitiva a estas perguntas foi dada por Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. Na verdade, tudo se resume a duas mensagens: cada caso é um caso; e muitas destas medidas estão mesmo nas nossas mãos.
Posso viajar para fora do país?
Indicação da DGS — viagens sem restrições
Na página oficial da Direção-Geral da Saúde a pasta com o título “Devo Viajar?” indicava esta quarta-feira que não há restrições de viagens, comércio ou produtos “de momento e com base no conhecimento atual”, embora acrescente que “existem áreas do globo com transmissão comunitária ativa em que o risco de contágio é elevado”.
Outra página, dedicada a responder mais brevemente a perguntas frequentes dos internautas, repetia que a Organização Mundial de Saúde não recomenda restrições de viagens e trocas comerciais para a China, mas que quem viaje para o país deve seguir as recomendações das autoridades de saúde locais e estar atento aos sintomas de uma possível infeção respiratória. No entanto, esta segunda página não faz referências às outras áreas de risco de transmissão indicadas no primeiro site — Coreia do Sul, Japão, Singapura, Irão, Espanha e Itália.
Indicação do MNE — não viajar para países de risco
Numa posição diferente da assumida pela Direção-Geral da Saúde, que segue as indicações da Organização Mundial de Saúde, o Ministério dos Negócios Estrangeiros “desaconselha todas as deslocações à província de Hubei e viagens não essenciais à China” por causa dos “potenciais riscos para a saúde pública e as atuais limitações à circulação no país, incluindo ligações aéreas domésticas e internacionais”, pode ler-se no Portal das Comunidades Portuguesas.
Quanto a Itália — sobre a qual a Direção-Geral de Saúde diz estar “a acompanhar o desenvolvimento da situação” —, o Ministério dos Negócios Estrangeiros também “desaconselha a realização de qualquer viagem” ao país, “seja qual for a natureza” dessa deslocação, e pede aos portugueses em Itália que “ponderem a saída do território”, diz o Portal das Comunidades Portuguesas.
Conselhos semelhantes estão expressos nas páginas dedicadas ao Irão e à Coreia do Sul. No caso deste último país, o Ministério dos Negócios Estrangeiros “desaconselha deslocações não essenciais às cidades de Daegu e Cheongdo e a toda a província de Gyeongsang-buk” e pede cautela em qualquer viagem. Para Singapura e Japão, a indicação é sempre a mesma: “Recomenda-se prudência nas deslocações aos países que se encontram geograficamente próximos da China”.
Sobre Espanha, que está a assistir a um agravamento da pandemia de coronavírus, o Portal das Comunidades também indica que o Ministério dos Negócios Estrangeiros “sugere aos viajantes que ponderem o risco sanitário associado à realização de uma viagem não-imprescindível a Espanha”, sublinhando as palavras do ministro da Saúde espanhol: “Pedimos por favor a todas as pessoas que não viajem, tanto em Espanha, como para o exterior, se não forem viagens essenciais, para evitar a transmissão do coronavírus”.
O que fazer então?
Pode viajar, uma vez que nem a Direção-Geral de Saúde (órgão máximo entre as autoridades de saúde portuguesas), nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros ou as instituições internacionais proíbem as deslocações de portugueses para o estrangeiro.
No entanto, isso poderá colocar tanto a sua saúde como a dos outros em risco. Por isso é que o Portal das Comunidades Portuguesas desaconselha essas deslocações. E mesmo a Direção-Geral da Saúde, embora ressalve que a Organização Mundial de Saúde não proíbe deslocações, recorda numa outra sub-página que a transmissão do novo coronavírus pode acontecer com o “contacto próximo” de infetados, sobretudo em “ambiente fechado” como os aviões.
Aliás, uma versão mais completa e atualizada do site da Direção-Geral de Saúde recorda que, num avião, os outros passageiros são considerados “contactos próximos” — isto é, pessoas que podem ficar infetadas — não só os companheiros de viagem, mas também “as pessoas que estão dois lugares à esquerda ou à direita do doente, dois lugares nas duas filas consecutivas à frente do doente e dois lugares nas duas filas consecutivas atrás do doente e tripulantes de bordo que serviram a secção do doente”. Num navio, a lista inclui as “pessoas que partilharam a mesma cabine e tripulantes de bordo que serviram a cabine do doente”.
Em declarações ao Observador, Ricardo Mexia explica que a decisão de viajar é “individual” e que mesmo sabendo que “neste momento não há nenhuma indicação internacional no sentido de não haver viagens”, “as pessoas devem ponderar se o devem fazer”.
O médico explica que a situação em muitos dos destinos tipicamente escolhidos pelos portugueses é “bastante preocupante”.
Então como se deve agir? “As pessoas devem avaliar caso a caso, em função do destino, se devem ou não viajar. Se for uma viagem não essencial, neste momento talvez seja mais avisado não a fazer. Se tiver mesmo de viajar, ponderar bem em função do destino e tomar cautelas adicionais”, resumiu.
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Indicação da Linha Saúde 24: fazer a vida normal
Uma aluna do Agrupamento de Escolas Manuel Teixeira Gomes que testou positivo para o novo coronavírus tinha telefonado para a Linha de Saúde 24 após ter voltado de viagem a Itália — uma das regiões de maior transmissão —, mas recebeu instruções para continuar a frequentar a escola porque não tinha sintomas. Um comunicado da escola conta que a linha de emergência pediu à estudante para “monitorizar a sua situação clínica e cumprir algumas regras sociais e de higiene pessoal”, mas indicou-lhe que “poderia fazer a sua vida normal”.
Respeitando as indicações dadas pelo canal da Direção-Geral de Saúde, a estudante regressou às aulas a 27 de fevereiro mas foi “diariamente acompanhada pela equipa do SNS24”. A 8 de março, no entanto, 10 dias após o primeiro contacto com a linha de emergência, a aluna testou positivo para o Covid-19 e ficou internada no Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa.
As mesmas indicações terão sido dadas à professora de duas escolas da Amadora que acabou por testar positivo para o novo coronavírus. A mulher também tinha estado de férias de Carnaval em Itália, por isso decidiu telefonar para a Linha de Saúde 24 quando regressou a Portugal. Como não tinha sintomas de infeção, o operador de serviço garantiu-lhe de que poderia continuar a sua vida social com normalidade.
A professora continuou a dar aulas com normalidade nos dois dias seguintes. No dia em que começou a desenvolver sintomas e após ter telefonado novamente para a Linha de Saúde 24, contactou Francisco Marques, diretor da Escola Básica Roque Gameiro. O docente disse-lhe que ficasse em isolamento social como medida preventiva até saber o resultado das análises. Assim, após terminar a aula da manhã numa outra escola (a Secundária da Amadora), a professora regressou a casa. Poucos dias depois, o teste veio positivo.
Indicação da DGS: não contactar com outras pessoas e ficar em isolamento 14 dias
Há muitos detalhes em comum entre estes dois casos: ambas as doentes estiveram numa região do mundo com uma grande transmissão ativa do novo coronavírus, nenhuma delas tinha sintomas de infeção respiratória no primeiro contacto estabelecido com a Linha de Saúde 24 e tanto a adolescente como a mulher foram aconselhadas a retomar a sua vida quotidiana com normalidade, embora vigiando quaisquer sintomas que pudessem surgir nos dias seguintes.
Mas essa não é essa a indicação expressa na página do Serviço Nacional de Saúde, que tem um alerta vermelho no topo do site para quem “esteve próximo de alguém com Covid-19 e não tem febre, tosse ou dificuldade em respirar”. Clicando nesse aviso, disponível na página desde 27 de janeiro, o Serviço Nacional de Saúde indica a quem regressou de uma área afetada que “evite o contacto próximo com outras pessoas” — um conselho que não foi comunicado em nenhum dos casos da professora da Amadora e da aluna de Felgueiras.
Um pouco mais à frente, nesse mesmo site, o Serviço Nacional de Saúde esclarece que quem “esteve perto de alguém com Covid-19 e não tem sintomas” deve “evitar estar próximo de pessoas durante 14 dias” e “medir a temperatura duas vezes por dia”. Embora o segundo conselho tenha sido indicado tanto à mulher como à adolescente, a quarentena de 14 dias não foi aconselhadas pela Linha de Saúde 24 a nenhum desses casos e tanto uma como a outra retomaram o seu quotidiano com normalidade.
O que fazer então?
O líder da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública esclarece que quem viajou para uma zona de transmissão ativa ou esteve numa situação em que pode ter sido contagiado “deve entrar em distanciamento social, estar muito atento aos sintomas e promover medidas de higiene reforçadas”. Se os sintomas aparecerem — a tosse a febre são dos primeiros a surgir —, é necessário contactar a Linha de Saúde 24.
Questionado sobre se esse distanciamento social envolve um verdadeiro isolamento, o médico indica que, apesar de não ser obrigatório caso a pessoa não exiba sintomas, “idealmente, quanto mais eficiente for esse distanciamento, melhor”.
Ou seja, tal como acontece na escolha de viajar, se tiver estado numa zona de risco e não exibir sintomas, a decisão final é sua, mas o conselho é ter cautela e ficar em isolamento. Se escolher fazê-lo, deve ficar em quarentena durante 14 dias porque, na maioria dos casos, esse é o período de incubação do vírus, ao longo do qual surgirão os primeiros sintomas caso esteja infetado.
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Devo usar máscara se não tiver sintomas?
Indicação da OMS e da DGG: máscaras só para quem tem sintomas, está doente ou trata contagiados
A Organização Mundial de Saúde afirma que, pelo menos tendo em conta o estado atual da pandemia, só deve usar máscara quem tem sintomas relacionados com uma infeção pelo novo coronavírus ou quem está a cuidar de alguém que tenha reportado sintomas. Quem usar a máscara noutra circunstância que não estas “está a desperdiçar uma máscara”, um bem “escasso a nível global”, acusa a instituição.
O conselho é o mesmo que tem sido dado desde o início do surto pela Direção-Geral da Saúde, segundo a qual, e de acordo com a situação atual em Portugal, não está indicado o uso de máscara para proteção individual exceto para pessoas com sintomas de infeção respiratória, suspeitos de infeção por Covid-19 ou pessoas que prestem cuidados a suspeitos de infeção pelo novo coronavírus.
Indicação de vários especialistas: doentes de risco devem usar máscara e quem for para locais de risco também
No entanto, outras instituições e especialistas alargam o espectro de pessoas que devem utilizar máscara a quem se insere dentro dos grupos de risco que têm sido identificados com a evolução desta pandemia. Ou seja, idosos, pessoas diabéticas ou com cancro, mulheres grávidas, doentes respiratórios crónicos ou pessoas com o sistema imunitário fragilizado por qualquer outra doença.
É o que indica a página da Ordem dos Farmacêuticos dedicada à pandemia de Covid-19 que, após recordar a posição da Direção-Geral de Saúde, acrescenta que as máscaras “podem ser recomendadas em cuidadores de indivíduos doentes no domicílio; e indivíduos com suscetibilidade acrescida como, por exemplo, imunodepressão”.
Essa ressalva foi a mesma que Manuela Pacheco, presidente da Associação de Farmácias de Portugal, fez em conversa com o Observador quando as máscaras começaram a esgotar nas farmácias: “Na maior parte dos casos, não faz sentido de todo a utilização de máscaras. Uma pessoa que esteja saudável não tem de as usar. Isso só faz sentido no caso de pessoas que já estejam debilitadas e que saiam à rua para um local onde haja um possível foco de contágio”, explicou.
Também em entrevista ao Observador, Jaime Nina, médico virologista no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, aconselhou qualquer pessoa que necessite de se dirigir às urgências de um hospital a utilizar máscara, “mesmo que o que tenha seja uma perna partida” — isto é, um problema em nada relacionado com doenças do foro respiratório”. “As pessoas, quando têm uma infeção aguda, têm tendência a ir ao hospital. As salas de espera dos serviços de urgência podem tornar-se focos de transmissão”, aponta o especialista.
Jaime Nina recordou, em conversa sobre as dificuldades descobertas no SNS24, que pode haver casos de pessoas infetadas com coronavírus que não foram indicadas como tal pela Linha de Saúde 24 e, portanto, foram encaminhadas para os hospitais. Além disso, argumenta ele, se um doente utilizar máscara nas salas de urgência mesmo sem ter queixas de doença respiratória, não só evita um possível contágio por outros doentes no local, como evita a propagação do vírus caso já o transporte, mas ainda não tenha exibido sintomas.
Numa outra entrevista ao Observador, Nuno Taveira, professor catedrático no Instituto Universitário Egas Moniz e investigador da Faculdade de Farmácia, começou por dizer que em princípio não haverá necessidade de usar máscara caso se esteja ao ar livre, nem sequer em locais públicos e fechados como o metro. Mas, por outro lado, o investigador admite que o faria caso andasse de transportes públicos: “A partir do momento em que o primeiro caso estiver confirmado, fará todo o sentido usar em espaços fechados”, disse ele ainda antes de serem detetados casos em Portugal.
O que fazer então?
O médico Ricardo Mexia garante que, “de forma genérica, não faz sentido usar máscara a não ser que se sofra desta patologia”.
No entanto, cada caso é um caso e, dado o quadro clínico das pessoas que fazem parte dos grupos de risco identificados para esta pandemia, “o melhor é as pessoas perguntarem aos médicos que as acompanham nessas patologias crónicas se devem ou não usar máscaras nas suas deslocações”.
Ainda assim, os especialistas em saúde pública “não aconselham o uso de máscara para a generalidade da população”: “As máscaras cirúrgicas são dadas aos doentes com coronavírus e as máscaras com um fator de proteção mais elevado para as pessoas que cuidam desses doentes. Não é indicação para que toda a gente use máscara”.