A decisão de governamental de suspender as aulas presenciais a partir de segunda-feira como medida de contenção da pandemia com o novo coronavírus chegou depois de dias de indecisão. O Agrupamento de Escolas de Coruche continuou de portas abertas mesmo após ter sido confirmado um caso de infeção, por exemplo. Mas em Portimão, a Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes encerrou assim que foram confirmados dois casos.

Segundo Tiago Correia, investigador e professor na Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatística do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, encerrar as escolas “não tem peso expressivo” para fazer frente à pandemia — pelo menos não, se essa medida não estivesse associada a outras que obriguem ao isolamento social, como as que foram anunciadas na quinta-feira.

“Não seria apenas por aí que este surto seria contido. Com isto não quero dizer que as escolas não devam ser encerradas, mas estou a dizer que essa reação não bastaria”, afirmou em entrevista ao Observador. Entretanto, o governo anunciou outras 29 medidas para fazer frente ao COVID-19.

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“Até certo sentido, as escolas podiam ser um ambiente mais seguro”

Lá fora, o encerramento das escolas também é apenas uma parte das medidas concertadas de contenção da população que culminam no controlo da circulação em geral da população: “Nós sabemos que, nos países que adotaram medidas severas de contenção de mobilidade da população, o número de casos reduziu. Por isso não basta fechar as escolas, mas é preciso garantir que os pais destas crianças estão com elas nos seus núcleos familiares — não estão a trabalhar, de férias ou passear. Os adultos também têm de estar confinados”, defende o professor, indo ao encontro de algumas das medidas anunciadas pelo governo.

Tiago Correia sublinha que “estamo-nos centrar erradamente na discussão das escolas” porque as investigações científicas têm comprovado que os foco de contágio ocorreram fora das escolas e o ambiente escolar não desempenhou qualquer papel nessa dispersão — o contacto pessoal entre familiares, sim.

Por isso é que o professor afirma que “até certo sentido, as escolas até podiam ser um ambiente mais seguro para os estudantes”: “Os focos infecciosos não estão a acontecer entre as crianças. Estão a acontecer pela importação de casos de fora para dentro. Esses têm sido os canais de infeção identificados, não as escolas”, recordou o investigador.

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Há estudos que apontam no sentido contrário. Um relatório publicado em 2006 após uma pandemia da gripe indicou que fechar as escolas em que se regista um caso de infeção logo a seguir à sua confirmação reduz em 25% a taxa de infeção e atrasa em duas semanas o pico do surto, em comparação ao que aconteceria se as instituições permanecessem em funcionamento.

Aliás, o encerramento de escolas na altura na Gripe de 1918 revelou ser uma estratégia muito eficaz na poupança de vidas, como comprovou uma análise publicada em 2007. Nos Estados Unidades, na cidade de St. Louis, as escolas fecharam um dia antes do pico da gripe e assim permaneceu durante 143 dias. Noutra cidade, Pittsburgh, as escolas encerraram sete dias após a chegada do pico da gripe e as portas permaneceram fechadas apenas durante 53 dias. O resultado? Em Pittsburgh, o número de mortes foi três vezes maior do que na cautelosa St. Louis.

Mas neste caso há uma diferença fundamental entre o plano de atuação traçado em 1918 e o que está a ser aplicado neste momento. É que o governo determinou esta quinta-feira que, embora as atividades letivas presenciais estejam suspensas, os professores e funcionários vão continuar a trabalhar nas escolas. Ou seja, os adultos, que têm sido o grupo da população mais afetada (e mais severamente) pela doença, continuarão a circular nesse meio.

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Isto mesmo é dito ao Observador por Tiago Correia, que explica que “se os estudantes ficassem com apenas um dos pais ou sozinhos porque os pais vão trabalhar, a fonte de contágio não são os filhos, mas sim os adultos que continuam a sair de casa todos os dias”. Por isso é que o investigador defende a introdução de medidas de contenção relacionadas com a circulação da população: “É preciso que se fique em casa”.

Medidas de contenção tomadas cedo demais têm o efeito reverso

Então, o que pode ser eficaz? Seguir o exemplo de Itália e aplicar medidas de contenção severas por zonas — como obrigar ao isolamento social por cidades ou vila. “Isto é possível porque Portugal tem sido muito rápido a fazer diagnóstico. Se conseguirmos manter a rapidez de resposta no diagnóstico, tenderemos a conseguir evitar uma medida genérica para a população toda”, justifica.

Mas o investigador ressalva que é preciso estudar a proporcionalidade desta medida. É que se forem tomadas demasiado cedo, o comportamento das pessoas tende a ser no sentido de ignorar esses conselhos, como aconteceu quando uma série de escolas em Lisboa foram encerradas e as praias e jardins se encheram de gente na quarta-feira.

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De acordo com Tiago Correia, as medidas de contenção são mais eficazes quando adotadas mais próximo do pico de preocupação da população, mais próximo do pico de risco percecionado pelas pessoas: “Se isto for feito genericamente cedo demais, corre-se o risco de as medidas de contenção não serem obedecidas pelas pessoas, que vão brincar com a situação e não vão perceber a gravidade da situação. São mais eficazes quando o alarme já está mais generalizado e as pessoas percebem que efetivamente não podem sair de casa”, descreveu.

O que nos reserva o futuro?

Apesar de defender estas medidas, Tiago Correia acredita que elas não serão suficientes para extinguir a pandemia: “Não coloco de parte que as medidas de contenção, por mais que sejam eficazes nesta fase para reduzir o crescimento abrupto da infeção, não tenham de ser impostas novamente no futuro. As respostas políticas neste momento têm de ser estas, mas não garantem uma solução do problema no futuro”, defendeu.

Para o investigador há dois cenários em cima da mesa: “Ou se espera por uma vacina e até lá vão-se gerindo estas medidas de contenção; ou percebemos (porque ainda não se sabe) como é que o organismo reage ao vírus e se desenvolve imunidade”. Até lá? “As pessoas têm de compreender que não basta ficar 14 dias em casa ou antecipar as férias para a vida regressar ao normal. Isso não vai acontecer”.