Índice
Índice
Há um ano, no Facebook Connect, o evento da gigante das redes sociais dedicado à realidade virtual e aumentada, Mark Zuckerberg tinha uma ideia na manga: mostrar que havia uma oportunidade tão grande à espera de ser explorada, o metaverso, que até valia a pena mudar o nome da empresa.
O conceito de metaverso não era novo – na verdade, tem já 30 anos. Há muito que os mundos virtuais, onde os utilizadores são representados por avatares, fazem sonhar os fãs de ficção científica. A questão é que, apesar dos avanços tecnológicos, a realidade virtual continua a ter entraves que fazem com que a experiência não seja tão fluida como na ficção. Ou são os equipamentos que dão náuseas aos utilizadores se usados durante muito tempo, ou o peso dos headsets que incomoda, ou ainda o facto de o utilizador se sentir mais isolado, sem noção do que se passa à sua volta.
A 28 de outubro de 2021, o dia em que se realizou o Facebook Connect 2021, Mark Zuckerberg estava convicto na aposta do metaverso. Afinal, a dona do Facebook, a maior rede social do mundo, já tinha no seu arsenal de empresas a Oculus, fabricante de headsets de realidade virtual (um dos blocos de construção do metaverso), comprada em 2014 por dois mil milhões de dólares.
Numa apresentação gravada e transmitida em direto na rede social, Zuckerberg mostrou-se confiante. “Tenho pensado muito sobre a nossa identidade”, disse o CEO da gigante de redes sociais, demonstrando a intenção de ir além do espaço das redes sociais. “Com o tempo, espero que sejamos vistos como uma empresa do metaverso”, adiantou na altura o fundador da companhia.
“Estou orgulhoso daquilo que construímos até agora e estou entusiasmado com o que vem a seguir – à medida que avançamos além do que é possível, além das restrições dos ecrãs, além dos limites da distância e da física, e em direção a um futuro onde todos podem estar presentes uns com os outros, criar novas oportunidades e experimentar coisas novas. É um futuro que está além de qualquer empresa e que será feito por todos nós”, continuou Zuckerberg.
Assim, a empresa-mãe passou de Facebook a Meta. A surpresa da mudança de nome só não foi maior porque o site norte-americano The Verge avançou cerca de uma semana antes esta vontade de o império de Zuckerberg mudar de nome. “Há cerca de um ano, criaram-nos muitos problemas ao avançar a notícia do rebrand…”, admitiu o CEO da tecnológica norte-americana em entrevista ao The Verge, em 2022.
Já este ano, a empresa fez uma nova edição do evento Connect, que agora tem também o novo nome da empresa. Foi sobretudo uma ocasião para Zuckerberg tentar responder aos mais céticos, que continuam a ter dúvidas sobre e quando estes esforços podem começar a compensar. Zuckerberg tirou da cartola um novo headset e uma parceria de titãs com a Microsoft.
No entanto, os resultados do terceiro trimestre, divulgados esta quarta-feira à noite, mostram que esta viragem para o metaverso está a sair cada vez mais cara à empresa. São já pelo menos 15 mil milhões de dólares de investimento associados à divisão de realidade virtual e aumentada (contando com o investimento de 10 mil milhões anunciado em 2021), com declarações da própria empresa que deixam avisos sobre a possibilidade de esta unidade continuar a perder dinheiro em 2023.
Dona do Facebook apresenta queda acentuada de lucros no 3.º trimestre
A conta dos investimentos no metaverso vai continuar a aumentar em 2023
As apresentações de resultados trimestrais em 2022 têm sido um sério desafio para Mark Zuckerberg, à semelhança daquilo que está a acontecer noutras companheiras de setor. A diferença é que não é só o contexto macroeconómico, marcado pela inflação e pela subida das taxas de juro com impacto também nas ações da empresa, a penalizar o seu negócio.
A ambição do metaverso tem gerado algum desconforto entre os investidores mais céticos do outrora Facebook e os resultados mais negativos contribuem para esta agitação. No terceiro trimestre do ano, terminado em setembro, a empresa conseguiu superar as expectativas dos analistas, mas revelou um recuo de 52% dos lucros em relação ao mesmo período do ano passado. Foi o quarto trimestre consecutivo da empresa a apresentar um recuo no resultado líquido. Dos 9,2 mil milhões de lucro de há um ano, a empresa passou para 4,4 mil milhões de dólares. O que significa que os ganhos por ação recuaram 49% para 1,64 dólares.
Nas receitas, a queda, ainda que mais ligeira, foi de 4%: se há um ano a Meta apresentava um negócio de 29 mil milhões, agora passou para os 27,7 mil milhões. A justificação da companhia para este tombo nas receitas está ligada a fatores cambiais e à pressão no mercado de anúncios. A pressão chega, ainda, no lado dos custos, que aumentaram 19% em termos homólogos para 22 mil milhões de dólares.
Após a mudança de nome, as atividades da Meta foram divididas em duas áreas: a família de aplicações e a divisão Reality Labs, onde figuram os investimentos para o metaverso, o hardware de realidade virtual e realidade aumentada e o software. E é aí que os prejuízos surgem. No terceiro trimestre, as perdas da Reality Labs aumentaram para 3,7 mil milhões de dólares, mais quase 40%. No conjunto dos primeiros nove meses do ano, a divisão já deu um prejuízo de 9,4 mil milhões à companhia.
As receitas também não foram animadoras. Em relação ao ano passado, esta área gerou 285 milhões de dólares, quase metade dos 558 milhões de há um ano. No registo de nove meses, conseguiu aumentar as receitas em 2,6% para 1,4 mil milhões de dólares – muito aquém dos 83 mil milhões gerados pela família de aplicações.
De acordo com o diretor financeiro da empresa, David Wehner, os prejuízos com a divisão de realidade virtual e metaverso não deverão ficar por aqui, prometendo até um agravamento no próximo ano. “Antecipamos que as perdas operacionais da RealityLabs em 2023 cresçam significativamente em termos homólogos”. Antecipa-se que os custos de hardware relacionados com esta divisão aumentem devido ao lançamento da próxima geração de headsets, o Quest, previsto para finais do próximo ano.
Na chamada com analistas após a apresentação dos resultados, Mark Zuckerberg continuou a defender os planos para o metaverso. “Seria um erro para nós não nos focarmos em nenhuma destas áreas que vão ser fundamentalmente importantes para o nosso futuro”, vincou, em declarações citadas pela Reuters.
Com este cenário, a reação dos investidores foi visível logo no “after-hours”. Os títulos da empresa caíram 20%, o que representou menos 67 mil milhões de dólares de valor em bolsa, de acordo com as contas da Reuters.
As quedas foram ainda mais expressivas na sessão de quinta-feira, com os investidores a reagirem ao recuo dos lucros da empresa e aos avisos sobre os gastos com o metaverso. Num só dia, as ações da empresa de Mark Zuckerberg caíram 24,56%, fechando nos 97,94 dólares. Ao longo da sessão, os títulos da dona do Facebook chegaram a negociar em mínimos de 2016.
Até este ponto do ano, as ações da Meta estão a registar uma forte desvalorização, já acima dos 71%. Pelas contas da Bloomberg, Mark Zuckerberg terá visto a fortuna pessoal encolher em 11,2 mil milhões de dólares devido à queda das ações da companhia que criou. O patrão da Meta continua a ter um lugar na lista dos mais ricos do mundo, mas está cada vez mais longe do top 10. A Bloomberg estima que este ano terá visto a fortuna reduzir-se em 87,8 mil milhões de dólares, caindo para o 28.º posto da lista.
“O custo da ambição de Mark Zuckerberg no metaverso é mais claro do que nunca”, comenta a analista Rachel Foster Jones, numa nota da GlobalData. “A Meta pôs todo o seu negócio em cheque pelo metaverso, que ainda não existe, e a aposta não está a compensar.”
“A Meta tem estado demasiado ocupada a tentar impulsionar o metaverso que está a deixar cair o seu negócio de anúncios”, aponta a mesma analista, vincando que “a série de resultados pobres tem tido consequências na confiança dos investidores”. “Se isto continuar, a Meta já não vai conseguir depender de receitas geradas pelo negócio de anúncios para alimentar as suas ambições no metaverso.”
“Os tempos de incerteza económica deveriam incentivar a Meta a olhar para dentro do meu modelo de negócio principal. O metaverso só será provavelmente rentável daqui a uma década e as ameaças do congelamento de contratações não estão a ser suficientes para convencer os investidores de que a Meta está focada naquilo que paga as contas agora”, remata a mesma analista.
Nesta nota, Rachel Foster Jones também não deixa fugir o “fantasma” do rival TikTok. “A Meta está a competir com o TikTok e tem conseguido fazer crescer com sucesso as interações com o Reels [formato de vídeos curtos no Instagram], mas os Reels precisam de ser rentáveis (…)”.
Além dos efeitos em bolsa e dos comentários dos analistas, já houve um acionista de relevo a chamar a atenção de que a empresa poderá ter “perdido a confiança dos investidores”. Brad Gerstner, acionista da Meta e CEO da Altimeter Capital, escreveu uma carta aberta ao patrão do Facebook, ainda antes de a tecnológica apresentar resultados.
We just published an Open Letter to Mark Zuckerberg and the Meta Board urging them to tighten their belt and sharpen their investment focus. The plan would 2x annual FCF to $40B, double down on AI, and put a cap on metaverse related investments. https://t.co/jcvyRyWMjg
— Brad Gerstner (@altcap) October 24, 2022
“Apesar do ceticismo público”, dizia Gerstner, “temos sido apoiantes desta estratégia da empresa de reinvestir de forma contínua em produtos de futuro e na visão de tornar o mundo mais aberto e conectado”. E, embora com “alguma hesitação”, este acionista encoraja a Meta a “reduzir custos e a focar-se no seu caminho”. “(…) A Meta deslizou para uma terra de excessos – demasiadas pessoas, demasiadas ideias, pouca urgência. Esta falta de foco e de adequação [ao contexto] é obscura quando o crescimento é fácil mas mortífera quando o crescimento abranda e a tecnologia muda.”
No tema do metaverso, este acionista aconselhou a empresa a reduzir os investimentos “em pelo menos cinco mil milhões de dólares”.
“A Meta precisa de reconstruir a confiança dos investidores, empregados e da comunidade tecnológica de forma a atrair, inspirar e reter as melhores pessoas do mundo. Em suma, precisa de se tornar mais ágil e focada”, aconselha este acionista. Aparentemente, esta missiva ficou sem resposta – pelo menos em público, já que a empresa não teceu comentários sobre o assunto.
O nome ainda faz diferença? E pode Zuckerberg dar um passo atrás no metaverso?
É amplamente reconhecido – inclusive pelo próprio Mark Zuckerberg – que estes planos para o metaverso são ambiciosos. A empresa quer participar no desenvolvimento desta tendência tecnológica, vendo várias potencialidades para áreas como o mundo do trabalho e entretenimento. No entanto, um ano depois, o número de utilizadores que participam no Horizon Worlds, a opção da Meta para ter um “cheirinho” destes primeiros passos no metaverso, continua a ser relativamente modesto. Em fevereiro, o The Verge avançava que eram cerca de 300 mil os utilizadores ativos, apenas nos Estados Unidos e Canadá; já este mês, o Wall Street Journal apontava para números mais baixos, na ordem de 200 mil, apesar da chegada deste produto aos mercados de Espanha e França.
Ao Observador, Pierre Veyret, analista da ActivTrades, reconhece que, a propósito do aniversário da mudança de nome da companhia, para uma empresa da dimensão da Meta isto não é uma questão fulcral. “A Meta já conseguiu quase 100 operações de fusão e aquisição ao longo dos anos”, dando como exemplo a compra do WhatsApp, Instagram ou até da Oculus, “tornando possível oferecer uma série de serviços diferentes através de suportes e plataformas enquanto age como uma empresa-chapéu.” “Por isso, o nome da empresa já não tem realmente grande importância.”
Olhando para o cenário de há um ano, Veyret reconhece que “não houve uma reação significativa dos investidores na altura” em resposta à mudança de nome. Na ótica de Veyret, “esta mudança não foi realmente percecionada como algo grande no futuro da empresa, especialmente numa altura em que os investidores já estavam a ter dificuldade em avaliar as perspetivas pós-pandemia para as tecnológicas e lucros corporativos, assim como a digerir as consequências do escândalo ‘Facebook Files’”.
Por reconhecer a vontade de Zuckerberg de estar a par das tendências de negócio, assim como “a enorme aposta” no conceito do metaverso, o analista da ActivTrades reconhece ser pouco provável que o líder da Meta mude de ideias sobre o metaverso. “Como CEO de uma das maiores empresas tecnológicas do mundo, Mark Zuckerberg tem sempre tendência a manter-se atento ao futuro do setor e a tentar identificar o que poderão ser as próximas tendências, para manter a Meta como uma pioneira da indústria”, contextualiza.
“Por isso, vê o metaverso como um conceito que vai ter cada vez mais espaço na vida das pessoas em breve e quer garantir que não só a Meta está à frente da curva, mas que é um dos líderes. Isto faz com que seja muito pouco provável que vire costas ao projeto, mesmo que possa vir a ter de abrandar o desenvolvimento para mitigar riscos de curto prazo trazidos por outras atividades.”
“É claro que Mark Zuckerberg está a fazer uma enorme aposta com este conceito do metaverso”, nota Veyret. “Está a tomar decisões de acordo com aquilo que acredita ser um mercado altamente rentável para a companhia”, mas que também “pode não funcionar como esperado”, levando Zuckerberg a “arrepender-se no futuro”. Apesar dessa possibilidade, este analista refere que a atitude de “reduzir custos para manter os objetivos ambiciosos” de Zuckerberg é vista como “tranquilizante para os acionistas que veem como maior inimigo a inação da empresa”.
Em que ponto está o metaverso da tecnológica?
O Meta Connect deste ano foi a oportunidade mais recente para perceber em que ponto está este “sonho” de Mark Zuckerberg. A 11 de outubro, no evento dedicado à realidade virtual (e agora ao metaverso), Zuckerberg voltou a enfrentar os mais céticos e tirou uma carta do bolso: uma parceria de peso com outra grande tecnológica, a Microsoft. As palavras do fundador e CEO da gigante de redes sociais, proferidas há um ano, cumpriram-se: o metaverso é algo “demasiado grande” para se fazer sozinho.
A parceria entre as duas companhias vai traduzir-se na chegada de alguns dos principais serviços da Microsoft aos equipamentos Quest, os headsets desenvolvidos pela Meta. É um “casamento” para o qual a Microsoft leva o Teams, Windows, Office e mesmo o Cloud Gaming da Xbox para os equipamentos da Meta e a dona do Facebook ganha um aliado relevante para os ambiciosos planos do metaverso.
Também será possível entrar em reuniões do Teams, a plataforma de produtividade e colaboração da Microsoft, através do Workrooms da Meta. Outra das consequências da parceria é a chegada do serviço de jogos Xbox Cloud Gaming aos equipamentos da Meta.
“A parceria da Meta com a Microsoft é extremamente significativa tendo em conta a prevalência dos produtos da Microsoft na área do trabalho”, reconhece Bola Rotibi, que lidera a área de análise empresarial da consultora CCS Insight. “Esperamos que isto seja um catalisador para muitas empresas molharem o pé na forma como a tecnologia de realidade virtual e aumentada pode ser usada em negócios do dia-a-dia.”
Além da parceria, a empresa desvendou ainda um novo headset, o Meta Quest Pro. “É o primeiro da nova linha de headsets avançados, construídos para ampliar o que é possível em realidade virtual”, explicou Zuckerberg durante o evento. Em comparação com os anteriores dispositivos desta área, custa quase quatro vezes mais do que o antecessor, pelo menos no mercado dos EUA, arrancando nos 1.500 dólares. Na Europa – não há indicação sobre Portugal na lista de disponibilidade – o equipamento é ainda mais caro, na faixa dos 1.800 euros.
A empresa demonstrou que continua ainda a trabalhar no desenvolvimento dos avatares, que vão representar os utilizadores neste mundo digital. Esse foi mesmo um dos pontos mais caricatos da apresentação de Zuckerberg, que surgiu em modo avatar…. com pernas. É que, segundo conta, é difícil dotar os avatares de pernas, sendo uma opção mais segura deixá-los a “flutuar”. “É difícil, o que faz com que noutros sistemas de realidade virtual também não as tenham”, justificou Zuckerberg.
Para a analista Bola Rotibi, estes anúncios são vistos com bons olhos, pelo menos no que diz respeito à vertente empresarial. “Os anúncios sublinham a determinação de Zuckerberg em tornar o metaverso credível para o mundo corporativo. É um passo importante, tendo em conta que a maioria da população automaticamente associa a realidade virtual a jogos e a aplicações de consumo.”