Os gastos das Jornada Mundial da Juventude de 2023 estão longe de estar abençoados e já foram alvo de várias críticas. Se os custos globais — estimados em 160 milhões de euros, 80 milhões dos quais públicos — já eram conhecidos, agora começam a ser publicitados os gastos (de maior e menor dimensão) que contribuem para o bolo total. A secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros, por exemplo, avançou no final de abril para a compra de 110 peças de cerâmica à Vista Alegre “para oferta”, num ajuste direto no valor de mais de 41,7 mil euros. Isto significa que cada objeto oferecido — que representa a visitação de Maria — custará mais de 379 euros.

O Observador questionou o ministério da Presidência sobre a quem se destinam as peças (uma delas é para o próprio Papa Francisco), o racional deste custo e solicitou o caderno de encargos. O ministério tutelado por Mariana Vieira da Silva remeteu para a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares que, por sua vez, remeteu para o Grupo de Projeto da JMJ 2023, que terá autonomia para assumir estes gastos.

O Grupo de Projeto explicou ao Observador que a reprodução da peça parte de uma “escultura da autoria do artista José Pedro, antigo operário da Fábrica de Loiças de Sacavém, que representa a “Visitação”, episódio bíblico escolhido pelo Papa para tema da Jornada Mundial da Juventude 2023″. Cada peça terá 13,8 cm de comprimento, 7,8 cm de largura e 35,5 cm de altura, com um peso de 1,640 kg.

A visitação (1949), de José Pedro, na qual será inspirada a reprodução da Vista Alegre

A Equipa de Sá Fernandes justifica ao Observador que o gasto “surgiu como resposta à necessidade do Município de Loures, um dos envolvidos na organização da Jornada, de criar uma oferta institucional para Sua Santidade o Papa, para a qual solicitou apoio ao Grupo de Projeto”. O Governo assume assim o presente promovido por uma autarquia (Loures, que é liderada pelo PS), após vários desentendimentos com outra autarquia (Lisboa, liderada pelo PSD).

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Num primeiro momento em que se pensou nesta oferta, explica o Grupo de Projeto, “pensou-se num livro sobre as representações da Visitação em Portugal, mas assim que se teve noção da quantidade, diversidade e dispersão dessas peças, buscou-se outra solução que se conseguisse reproduzir a tempo e de forma mais simples.” É então nesse contexto, explica a mesma fonte oficial, que “precisamente no município de Loures, na Casa-Museu José Pedro” foi “encontrada esta escultura, uma das mais bonitas representações da “Visitação”, de estética modernista”.

O Grupo de Projeto avançou então para o “processo para obter autorização da família do artista e consultam-se a Vista Alegre e a Bordallo Pinheiro, empresas portuguesas com grande reconhecimento na área da cerâmica (faiança e porcelana)”. A adjudicação acabou por ser feita à primeira, a Vista Alegre. A peça, explica a equipa de Sá Fernandes, será oferecida ao Papa e as restantes centenas “a várias outras entidades, civis e religiosas, empresas e cidadãos que, de inúmeras formas, contribuíram para a organização da JMJ, eternizando a memória do evento e projetando além-fronteiras a indústria da cerâmica em Portugal e uma obra que nasceu no concelho de Loures.”

Sobre a racionalidade do custo, a Equipa de Projeto justifica ser de grande relevância “assinalar este momento único que sinaliza a presença de Sua Santidade em Portugal, e muito em especial no território de Loures” e também “eternizar este evento e projetar além-fronteiras a cerâmica portuguesa.”

O preço ficaria assim a 379 euros a unidade (incluindo IVA), mas a Equipa de Projeto congratula-se por ter conseguido um desconto. A equipa de Sá Fernandes assume que “trata-se de uma peça de porcelana de complexa e cara reprodução” e que “A Vista Alegre está a assegurar a produção de 204 reproduções no total”. Acrescentando que a empresa “como forma de alcançar um preço unitário mais baixo, associou-se a esta iniciativa, assumindo um desconto de 15%“.

Casas de banho do Parque Tejo custam, afinal, três milhões ao Governo

Como a Equipa de Projeto não tem um número de identificação fiscal próprio (ao contrário da Fundação JMJ, que tem), as compras promovidas pelo grupo criado pelo Governo são feitas através da secretaria-geral da PCM. Coube assim a esta entidade contratar, por exemplo, as casas de banho que vão servir os principais eventos. Em março, foi noticiado que as instalações sanitárias iam custar 1,15 milhões de euros. Dois contratos, entretanto publicitados e consultados pelo Observador, mostram que, afinal, as casas de banho para os eventos principais vão custar quase três milhões de euros.

Houve um primeiro contrato, assinado com a empresa Vendap a 26 de abril, para a “aquisição de serviços de fornecimento de equipamentos sanitários autónomos”, bem como a respetiva limpeza e manutenção para o Parque Tejo/Trancão no valor de 1.285.000 euros (1.580.550 euros, incluindo o IVA). Mas dois dias depois, a esse foi somado um segundo contrato para a aquisição de “141 blocos modulares de instalações sanitárias com ligação às redes de esgotos, água e eletricidade, para o Sector A, em Lisboa, do Parque Tejo” no valor de 1.148.248,01 euros (1.412.345,04 euros, incluindo o IVA).

O mais recente dos contratos assumidos pela secretaria-geral da PCM é um estudo, também por ajuste direto, para a “aquisição de serviços para a elaboração do estudo e projeto” no valor de 52.000 euros para compatibilizar as obras para a Jornada Mundial de Juventude 2023 com “o futuro Parque Verde nos terrenos da IP do Parque Tejo/Trancão”.

Entre os mais recentes contratos desta entidade está a contratação, também por ajuste direto, de equipas de hospedeiros “para apoio às áreas da informação, saúde e mobilidade” por 73.800 euros (60.000, mais 23% de IVA). Há ainda, da parte da PCM, um contrato de 15 mil euros só para monitorizar a instalação dos sistemas de áudio e vídeo, 18 mil euros para acompanhar a missa, receção ao Papa e Via Sacra, 15 mil euros para acompanhar o evento “Cidade da Alegria”, um contrato 129.964 euros para fornecimento de equipamentos e mobiliário para eventos e ainda 89.000 euros para a elaboração de um plano de mobilidade e transportes. Todos estes contratos foram contratualizados pela secretária-geral da PCM nas últimas semanas.

Mais de 20 milhões em apenas cinco contratos

O maior de todos os contratos publicitados até agora foi realizado igualmente pela secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros: um concurso público no valor de 5.962.300 euros (7.333.629 euros, incluindo IVA) com a Pixel Light para “serviços de fornecimento, montagem e operacionalização de sistemas de áudio e vídeo, iluminação ambiente, e respetivo abastecimento de energia, para o Parque Tejo”.

O segundo maior contrato até agora publicitado foi realizado pela câmara de Loures. O custo dos  “trabalhos de preparação dos terrenos na zona ribeirinha da Bobadela” com vista às Jornadas Mundiais da Juventude foi de  4.285.094,23 euros (5,27 milhões euros incluindo IVA).

O terceiro maior contrato foi feito por ajuste direto pela câmara de Lisboa com a Mota-Engil, mas entretanto já foi revisto: era de 4,2 milhões de euros (5,2 milhões com IVA). Após a polémica, o custo foi revisto e este palco passou a custar 2,9 milhões de euros

Ainda na órbita da câmara municipal de Lisboa, a empresa municipal EGEAC, por via de um concurso público, contratualizou a “instalação de pontos multimédia e aluguer dos equipamentos técnicos que os constituem” por 1.563.858,17 euros (1.923 545 euros, com IVA). A isto junta-se um outro ajuste direto, por via da SRU, outra empresa municipal da câmara de Lisboa, no valor de 1.063.937,62 euros (1,3 milhões com IVA).

Além destes grandes gastos, há ainda vários pequenos gastos descentralizados, como é exemplo um ajuste direto da câmara de Almada à empresa Cityprint, no valor de 5.200 euros para a compra de t-shirts para o evento.

O Governo já garantiu que o Estado só irá gastar 30 milhões de euros com a Jornada Mundial da Juventude e a Câmara de Lisboa também colocou um teto de 35 milhões de euros de gastos. No entanto, a previsão, incluindo Estado e autarquias é que os gastos sejam superiores a 80 milhões de euros (mesmo que parte regresse ao Estado por via do IVA ou prestação de serviços a entidades estatais), aos quais se juntam ainda 80 milhões de outras entidades, como particular a Igreja Católica, grande promotora do evento.