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Helena Matos. “Este partido não nasceu para protestar”

Esta frase, proferida por André Ventura no discurso de encerramento deste congresso, marca uma correcção e uma reorientação. Na verdade, o Chega nasceu como partido de protesto e agora quer ser partido de governo.

Este reposicionamento do Chega é um prémio para o PS, que vai fazer do Chega um argumento eleitoral e um problema para o PSD, que começa a pagar a factura de ter passado de grande partido para partido médio.

Assim, em vez de fazer um comentário, o mais adequado, pelo menos para mim, será trocar as palavras pelas contas de somar e subtrair. As contas são simples: a IL e o PSD conseguem crescer q.b. para poderem prescindir do Chega? As sondagens não permitem essa ambição. Este congresso decorreu num estado triunfal para que muito contribuiu a divulgação de uma sondagem que deu 14,2% ao Chega. Nessa mesma sondagem, a IL está nos 8% e o PSD nos 30,6%.

Quando André Ventura afirma que quem define as linhas vermelhas na política é o povo português não está a fazer demagogia, está a fazer contas. Querer excluir o Chega de uma solução de Governo é certamente interessante para a IL, para o PS e de alguma forma para o próprio Chega, que tem espaço para continuar a crescer na oposição, mais a mais se se apresentar como vítima de exclusão. O único interessado em institucionalizar o Chega é o PSD, que assim espera que o partido de Ventura perca atractividade. Mas, obviamente, trata-se de uma manobra de alto risco por causa da IL e do seu próprio eleitorado.

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Por fim, um pedido e uma constatação. Vamos primeiro ao pedido que creio já ter feito noutros congressos de outros partidos: por uma questão institucional e de civilidade, aos congressos partidários vão delegações do governo e de outros partidos. Não lhe invejo o papel. Mas, por uma questão institucional e de civilidade, era melhor que se abstivessem de comentar os congressos a que acabam de assistir. Quem assistiu às declarações feitas por Ana Catarina Mendes, que representava o governo, e as delegações do PSD, IL e CDS percebe do que falo.

Para o fim, fica a constatação: o Chega tem mesmo uma linha vermelha, chama-se André Ventura. Sem André Ventura, o que aconteceria ao Chega?

Alexandre Homem Cristo. Chega e PS permanecem os maiores aliados

O Chega preparou a Convenção com o objectivo de anunciar a nova estratégia: apenas apoiará um governo se o integrar — com 4 a 6 pastas ministeriais.

Esta tomada de posição tem, desde logo, uma consequência interna: se quer ser governo, o Chega não pode ser somente um partido de protesto. O seu populismo anti-sistema pode até ser eficaz a agregar votos de descontentes de diferentes origens, mas reduz o Chega a um megafone de gritos lançados em todas as direcções, sem um corpo político coeso e consistente para reclamar um papel num governo. Ora, o líder do Chega percebeu isso e, para esta convenção, preparou uma versão mais institucional do Chega: durante os três dias, ouviram-se menos propostas de teor extremista e muitos discursos para corporações. A dúvida é se, no parlamento, o Chega continuará igual a si próprio ou se tentará converter-se numa versão mais adocicada de populismo. O destaque que André Ventura atribuiu ao tema da imigração leva a suspeitar que se confirme a primeira hipótese.

Mais importante, o novo posicionamento estratégico do Chega tem consequências externas, que confluem na elevação do Chega a força de bloqueio de uma alternativa ao PS.

Primeiro, colocou toda a pressão sobre o PSD, que foi o alvo preferido dos dirigentes do Chega. Ao afirmar que só apoiará um governo que integre, André Ventura definiu-se, não como solução, mas como um problema para a direita: se não for convidado para ministro, o líder do Chega fará o possível para inviabilizar um governo liderado pelo PSD (ou seja, para manter o PS no poder). As eleições legislativas estarão ainda muito longe, mas nem por isso o PSD deixará de ser constantemente pressionado no debate político para se definir quanto à relação que pretende ter com o Chega.

A segunda consequência externa é que a ameaça de que não haverá governo à direita sem o Chega favorece de forma inequívoca o PS, que aliás abusa sistematicamente deste cenário como argumento para se manter no poder. André Ventura passou estes três dias a repetir aquela que é a estratégia de comunicação de António Costa: ou governa o PS, ou governa o Chega (através do PSD). Foi com este argumento que o PS obteve a sua maioria absoluta, em 2022 — explorando a ambiguidade do PSD de Rui Rio e do Chega sobre cenários de acordos ou coligações pós-eleitorais. Agora já não há ambiguidade: André Ventura decidiu dar força à dicotomia que suporta o poder socialista.

A conclusão é óbvia, mesmo que soe a contradição: as novidades trazidas por André Ventura à convenção realçaram a estratégia antiga — fazer o Chega crescer à boleia do PS, mesmo que isso signifique bloquear uma alternativa liderada pelo PSD à direita. Daí que, por mais que Ventura qualifique o PS de “vírus” ou critique o primeiro-ministro, o real vencedor desta convenção foi António Costa: o Chega e o PS continuam a partilhar a mesma estratégia e, por isso, permanecem os maiores aliados da política portuguesa.

Raquel Abecasis. A caminho da maioridade

Pensado e traçado a regra e esquadro, o Partido Chega inicia agora uma nova fase. Sem gritos, sem guerras e sem peixeiradas, André Ventura deu em Santarém os primeiros passos para se tornar um político respeitável e moderado, à frente de um partido do regime. À semelhança do que aconteceu com os partidos congéneres, que foram nascendo primeiro um pouco por todo o mundo, o Chega seguiu à risca os passos dos irmãos mais velhos. E está agora preparado para passar de partido antirregime para partido do sistema com ambição de chegar ao Governo.

Com votações norte-coreanas a elegerem o líder e a sua direção, longe vão os tempos em que as convenções do partido eram uma confusão de militantes destemperados, com processos eleitorais confusos e o líder em lágrimas a pedir os votos do partido. Este fim de semana correu tudo de acordo com o guião que André Ventura tinha preparado. “Nota-se que o partido está maduro e mais institucionalizado”, comentou Ventura.

O próximo capítulo já se começou a escrever. Em troca de uma imagem mais moderada e respeitável, o Chega quer ir para o Governo com o PSD e está certo de que o vai conseguir em breve. A situação política deixa antever que as eleições podem estar mais próximas do que se esperava e as sondagens dão ao Chega a expetativa de se tornar um partido incontornável à direita. O Chega aproveitou a auto-estrada que a direita lhe abriu quando se envergonhou de mostrar que é alternativa e que tem propostas não socialistas. E a cereja em cima do bolo consumou-se no fim de semana passado, quando a rival Iniciativa Liberal mostrou estar a lidar mal com o crescimento e no congresso deu sinais de um partido desnorteado e sem rumo claro.

No fim desta convenção tudo parece estar, portanto, a correr de feição a André Ventura. Resta-lhe um problema que não tem solução fácil: o partido não tem quadros que se destaquem, para além de André Ventura ninguém se faz ouvir, não conhecemos sequer os seus nomes.

Os próximos desafios exigem outros protagonistas. A começar pelas eleições europeias. Quem vai ser o cabeça de lista do Chega a estas eleições? Serão mais uma vez candidatos que irão recolher os votos à boleia do protagonismo exclusivo de André Ventura? Se assim for, o Chega vai ter dificuldades em crescer como pretende. Partidos maduros exigem quadros preparados. E quadros preparados muitas vezes discordam do líder. Será que Ventura está disponível para deixar que o partido deixe de ser o partido de um homem só? Será que vai resistir à tentação de se deixar embalar pela dinâmica de culto do líder em voga no partido?

Estas são as principais questões que se colocam agora a um Chega que está a atingir a maioridade. É que na política, como em tudo o resto, não se fazem omeletes sem ovos.

Miguel Pinheiro. A convenção dos Revisores Oficiais de Contas

À quinta convenção, o Chega pôs uma gravata. Onde antes havia cartazes de baixa qualidade com a cara de André Ventura, agora houve apenas a bandeira do Chega e a bandeira de Portugal; onde antes havia salas improvisadas, agora houve um auditório com poltronas confortáveis; onde antes havia agressividade, agora houve um temperamento melífluo. Com pouquíssimas excepções, os oradores que subiram ao palco para discursar podiam ter saído diretamente de um congresso dos Revisores Oficiais de Contas, trazendo de lá um tom de voz pausado e um discurso inócuo.

Basta ter alguma memória. Na convenção de 2020, foi apresentada e votada uma moção que propunha retirar os ovários às mulheres que abortassem. Mesmo tendo sido chumbada, essa proposta marcou a percepção exterior sobre o partido. Este ano, as moções temáticas que ocuparam uma parte substancial da discussão defendiam a “criação de uma rede nacional da água”, o “combate à iliteracia financeira” e a “transição energética”. De resto, a única moção que podia provocar algum tipo de controvérsia, sobre a atuação dos militantes nas redes sociais, foi prudentemente retirada antes de ser votada.

Durante os três dias da convenção do Chega não se falou em castração química e houve apenas uma vaga alusão à prisão perpétua. O único tema fracturante que sobrou foi a imigração, com referências fantasiosas a estrangeiros que, supostamente, recebem apoios e subsídios que não são atribuídos aos portugueses pobres — e que será, já se percebeu, uma das bases da campanha do partido para as próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Se alguém pensa que esta transformação foi um acaso, engana-se. André Ventura explicou tudo de forma muito clara num dos seus vários discursos e, no domingo, decretou oficialmente o “amadurecimento político e institucional” do partido. Depois dos 7% nas últimas legislativas, e olhando para os 14% da sondagem da TVI/CNN, o líder do Chega percebeu que para crescer tem de convencer novos eleitores (ao mesmo tempo que mantém uma ligação aos antigos). E, para convencer novos eleitores, precisa de uma nova linguagem e de uma nova atitude. Para Ventura, o cálculo foi muito simples: se é preciso o partido pôr uma gravata, o partido põe uma gravata.

Miguel Santos Carrapatoso. O xeque a Montenegro

À direita, acabou-se o tempo para ambiguidades. Essa é, porventura, a maior novidade política que sai desta 5.ª Convenção do Chega. Uma semana antes, Rui Rocha, recém-eleito líder da Iniciativa Liberal, disse ‘jamais’ ao Chega; este fim de semana, André Ventura e demais destacados dirigentes do partido juraram a pés juntos que não aceitarão nada menos do que integrar um governo para permitir ao PSD governar. Luís Montenegro, há oito meses na liderança do PSD, não diz nada sobre o que quer fazer à direita, num exercício de contorcionismo que se vai tornando constrangedor. O paquiderme já quase não entra na loja de porcelanas.

Depois destes três dias de Convenção do Chega, Montenegro tem uma de duas hipóteses: ou diz ao que vem, ou vai passar o resto do seu ciclo político até às próximas legislativas (se chegar até lá) a dar as mesmíssimas não-respostas às mesmíssimas perguntas sobre possíveis e impossíveis alianças à direita. O líder social-democrata parece inclinado para a segunda opção, ignorando o péssimo resultado que isso teve para Rui Rio. São escolhas.

Não que os sonhos ministeriais de Ventura sejam exatamente uma novidade. Pelo contrário: a 8 de dezembro de 2020 (!), o líder do Chega já fazia saber que exigia quatro pastas a Rui Rio e até se dava ao luxo de as escolher. Mas, nessa altura, o líder do Chega era deputado único e as suas ambições estavam no plano da alucinação. As contradições do próprio sobre as linhas vermelhas que exigia para suportar um governo do PSD ajudavam a tornar tudo ainda mais pitoresco.

Agora, o Chega vai tendo 14,3% nas intenções de voto, escolhe abertamente as pastas que pretende para fazer parte desse futuro, eventual e hipotético governo de direita, aparece na sua reunião magna perfeitamente articulado sobre o objetivo final e, mais importante, continua a crescer de forma sustentada nas sondagens – ao contrário do que acontece com o PSD.

De alguma forma, o Chega ultrapassou a idade da inocência. Não só no aspecto mais formal – está menos radical no discurso, está menos excêntrico e mais profissional em quase tudo; mas, sobretudo, está menos inocente no aspecto político – há um antes e um depois dos Açores, como foram repetindo as principais figuras do partido. André Ventura percebeu que não pode ser o idiota útil do PSD: ou influencia mesmo e se senta verdadeiramente à mesa do poder, ou nunca será levado a sério.

E isso cria, simultaneamente, um problema e uma oportunidade para Montenegro. Um problema porque o líder social-democrata terá de esclarecer se conta ou não com o Chega – tabu que o presidente do PSD não quer, nitidamente, desfazer. Mas também uma oportunidade: perante o repto de Ventura, Montenegro pode começar, desde o primeiro minuto, a fazer um apelo ao voto útil à direita, insistindo que um voto no Chega será sempre um voto desperdiçado. Ventura e Rui Rocha já fizeram a sua jogada; Montenegro parece mais disposto a continuar a esconder as cartas que tem. Resta saber se será um bluff inteligente.

Sobretudo porque o Chega está no seu melhor ciclo político. A crise, as tensões sociais e o crescente descrédito das instituições são o combustível certo para um partido que é muito criativo na contestação e quase sempre inconsequente nas propostas que tem (quando as tem) para o país; que insiste que quer refundar o regime, mas que admite casar com o PSD/Madeira, há mais de 48 anos no poder; que se diz antissistema, mas que sonha em integrar um governo de noite e de dia. Para um partido que, em muitos momentos, foi tudo e o seu contrário, isso são peanuts — não vive para prestar contas. Depois de varrer a pouca oposição interna que tinha, com duas eleições favoráveis pela frente (Madeira e Europeias, 2023 e 2024), a Ventura resta-lhe gozar o prato. E aproveitar os ares do tempo.