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José Manuel Fernandes: “Mais do mesmo não dará resultados diferentes”
O próximo Orçamento é um Orçamento de incerteza? É, se considerarmos a conjuntura nacional e internacional. Não é se olharmos para a sua estrutura.
Quero com isto dizer que é um Orçamento que retoma a linha dos últimos anos, o que significa que vamos certamente acabar 2023 com mais carga fiscal (basta pensar que a atualização dos escalões do IRS não acompanha a inflação o que significará que todos os aumentos salariais que repuserem o poder de compra arriscam-se a ser fiscalmente penalizados) e quase apostava que com menos investimento público do que aquele que se anuncia (foi sempre assim em todos os governos de António Costa).
Sem entrar na discussão das muitas medidas anunciadas, julgo que há em quase todas elas um traço comum: a ligação do complicómetro.
Na minha perspetiva, um bom exemplo disso é o IRC, os descontos no IRC. O governo acredita que pode comandar as opções das empresas e criou mecanismos de redução seletiva do imposto para uma variedade de situações, a mais emblemática de todos a relativa às atualizações salariais. Mas quais atualizações salariais? Um aumento igual para todos os trabalhadores? O aumento da massa salarial? Não é a mesma coisa e, para fazer uma avaliação exaustiva, vai ser preciso a Autoridade Tributária entrar ainda mais dentro da gestão de cada empresa. O mesmo é válido para outros possíveis descontos no IRC a pagar.
Não há aqui novidade, mesmo havendo a novidade do acordo obtido na concertação social, um acordo que apenas foi assinado pelas associações empresariais porque era melhor do que nada. O resto é fogo de vista e isso ficou muito claro quando vimos a Confederação do Comércio a faltar à cerimónia encenada para a propaganda.
Vamos por isso ter mais do mesmo. Do lado positivo, a promessa de controlo das contas públicas, o que se saúda. Do lado negativo, o aumento dos mecanismo de tutela do Estado sobre a sociedade e a economia, com a criação de ainda mais dependentes.
O resultado de mais do mesmo só pode ser o mesmo: um crescimento medíocre pois nunca uma economia semi-dirigida foi uma economia vibrante.
Fernando Alexandre: “Um Orçamento a pensar na legislatura?”
Em 2022, os portugueses vão sofrer uma forte quebra no seu poder de compra em resultado da elevada taxa de inflação. Em relação a 2023, a incerteza sobre o quadro macroeconómico é muito elevada. É neste contexto que o Governo assinou o Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade. Este acordo, que se refere ao período 2023-2026, marcou a elaboração do OE para 2023.
Muitas das medidas mais relevantes da proposta de OE para 2023 constam daquele acordo de médio prazo, do aumento do salário mínimo e dos salários em geral, às medidas fiscais para as empresas e para os trabalhadores, incluindo as promessas de melhoria do ambiente económico e dos custos de contexto. Esta é a grande novidade do OE para 2023.
Um primeiro-ministro que se tem destacado pelo enfoque na gestão do curto prazo, apresentou um acordo até ao final da legislatura, envolvendo os parceiros sociais. As boas intenções não impedirão a perda de poder de compra dos trabalhadores e pensionistas no período 2022-2023. Mas espera-se que na segunda parte da legislatura as condições melhorem. A outra marca positiva do OE para 2023 é a redução do défice orçamental e da dívida pública, essenciais para proteger a economia portuguesa da instabilidade e da pressão para o aumento das taxas de juro.
Concluindo, globalmente, a proposta de OE para 2023, apresentam um bom equilíbrio entre as medidas de apoio ao rendimento e à redução da dívida. No entanto, como sabemos da experiência dos últimos sete anos, há sempre uma diferença muito grande entre o que está previsto e o que é executado. Num contexto de grande volatilidade, como aquele que vivemos, não ficarei surpreendido se a diferença for ainda maior do que tem sido habitual.
Paulo Ferreira: “Controlo de danos com ajuda da inflação”
A aversão extrema a mudanças de fundo e reformas é uma marca identitária portuguesa. Por isso, não seria num dos períodos de maior incerteza global em várias décadas que elas iriam aparecer. Na linha do que estes governos nos habituaram, trata-se de gerir o dia a dia, distribuir o mal e o bem pelas aldeias e olhar para as duas últimas linhas das tabelas das contas públicas: o défice e a dívida, porque a tempestade pode estar ao virar da esquina e a memória do descalabro de 2010 e 2011 está bem viva.
O Orçamento do Estado para 2023 dá um pouquinho às famílias — uns pozinhos do IRS e uma atualização dos apoios sociais (com exceção do truque das pensões) em linha com a inflação deste ano. Dá também um pouquinho às empresas — umas mudanças no IRC para tentar impulsionar o aumento de salários. Por fim, fica com uma boa fatia para si — o saldo primário (diferença entre a receita e a despesa antes de juros) é positivo e melhora quase 3500 milhões de euros.
Feitas as contas, as famílias não vão ter reposto o poder de compra perdido ao longo de 2022 e vão, provavelmente, continuar a perder salários reais ao longo de 2023 — os funcionários públicos serão os mais penalizados. Todos chegarão ao final do próximo ano mais pobres do que estavam no início de 2022, antes da inflação e dos juros começarem a ir por aí acima. E não será por impacto das medidas do orçamento que as empresas vão aumentar a sua competitividade.
É um orçamento de controlo de danos políticos, económicos e sociais com alguns passes de magia pelo meio. Exemplo? A redução da retenção na fonte de IRS para contribuintes que tenham crédito à habitação não é uma descida do imposto. O que as famílias descontarem a menos ao longo de 2023 vão pagar em 2024 quando fizerem o acerto de contas anual após a entrega da declaração.
Mas o passe de mágica mais eficaz chama-se inflação. Pode parecer um paradoxo, mas enquanto é a origem de muitos apertos para as famílias, a inflação é também um consolidador orçamental como poucos. À conta dela, as receitas fiscais continuam a subir a bom ritmo. E sem ela, o milagre da dívida pública com que Fernando Medina fez questão de arrancar a conferência de imprensa não existiria. Não fosse um crescimento nominal do PIB insuflado com uma inflação próxima dos dois dígitos e a dívida pública não faria o favor de cair acentuadamente para os 115% do PIB em 2022 e para os 110% do PIB no próximo ano.
A ilusão monetária provoca danos sociais mas, como se vê, continua a ser uma boa amiga de governos que precisam de praticar políticas restritivas sem o aborrecimento de terem que o dizer olhos nos olhos aos cidadãos. O Orçamento do Estado para 2023 continua a beneficiar dessa ilusão.
Alexandre Homem Cristo: “O orçamento #vaificartudobem”
A realidade tem pouco de animador. A inflação sobe impiedosamente, baixando o poder de compra das famílias. As Euribor aumentam continuamente e podem duplicar, pressionando os orçamentos familiares. Os custos energéticos crescem até se tornarem incomportáveis, o gás natural mantém-se próximo dos preços recordes e o preço do petróleo volta a subir. O Euro desvalorizou aceleradamente face ao dólar e vale agora menos do que a moeda americana. A imprevisibilidade reina no plano internacional, seja com o prolongar indefinido da guerra na Ucrânia, seja com a instabilidade nos sectores financeiros europeus (p.ex. Crédit Suisse). Ou seja, é razoável dizer-se que o horizonte anuncia tempos difíceis, marcados por elevada incerteza e cintos apertados.
A resposta política a esta realidade foi anunciada em triunfo pelo governo. Hoje, e desde os últimos dois dias, a divulgação das medidas-chave do Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) foi preparada para soar como uma enumeração de boas notícias, sob o coro de aplausos pelo acordo com os parceiros sociais. A inflação está elevada? Sim, mas vai baixar. Há perda de poder de compra? Sim, mas o salário mínimo aumenta e os funcionários públicos têm atualizações salariais (que, nos salários mais baixos, acompanham a inflação). Quem vive dos apoios sociais terá a vida ainda mais difícil? Sim, mas a atualização do IAS chegou aos 8%, acima da inflação prevista. Os custos energéticos batem recordes? Sim, mas haverá descontos nos combustíveis e 3 mil milhões de euros destinados a reduzir as faturas da electricidade e do gás. Os juros sobem? Sim, mas os juros serão dedutíveis no IRS. Os custos com a habitação poderão tornar-se incomportáveis para muitas famílias? Sim, mas as rendas terão um tecto máximo de aumento (2%), em vez dos 5,4% previstos por via da inflação. Os pensionistas ficam a perder com as medidas do governo? Sim (por mais que o PS diga que não), mas hoje começou a ser paga a meia-pensão que lhes foi prometida.
Tradução: perante um momento de crise e elevada pressão sobre as famílias, o governo fez aquilo que faz melhor: reforçou a dependência das pessoas no Estado, protegendo os seus principais grupos eleitorais — os menos qualificados e com rendimentos mais baixos, os funcionários públicos e os pensionistas. E, no outro lado da equação, ficou muito aquém nos apoios e alívios fiscais às empresas. O enredo soa-lhe familiar? Pois — já nos anos da pandemia foi assim: carregando nos anúncios, o governo vendeu a ilusão do #vaificartudobem. Ora, não ficou tudo bem. E, por mais que agora o governo anuncie milhões para as famílias, não há futuros risonhos como a economia estagnada e as famílias dependentes do Estado.
Alexandra Machado: Governo tem de ser de contas certas também no investimento público para não se ver o diabo
Fernando Medina terá pela frente dos momentos mais imprevisíveis a nível mundial. Tem de ir cosendo as contas públicas consoante se navegue nessas águas tumultuosas. O Governo quis enfatizar a preocupação que teve com o rendimento de pessoas e empresas. Mas no final vai ficar um ano com perda de poder de compra, com apertar do cinto e, assim, se consegue contas “certas” como o ministro das Finanças gosta de apelidar.
Chama-se contas certas, noutras ocasiões chamou-se consolidação ou mesmo austeridade. 2023 não vai ser fácil. Ainda há poucos meses Macron pedia aos seus ministros que dissessem a verdade e não cedessem à tentação da demagogia. E o discurso tem de ser realista. Esperam-se tempos difíceis. O Governo sabe-o só que não o diz com as letras todas. E sabe-o tão bem que à pressão moldou um acordo para a legislatura com os parceiros sociais (menos CGTP). Na esperança de atenuar o descontentamento generalizado.
O discurso de Fernando Medina foi apontado ao rendimento. Não há dúvida, no entanto, que vai haver menos para cada português. E é por isso que não será o consumo privado a puxar pelo crescimento baixo do PIB. É pelo investimento, em particular pelo investimento público, que o PIB conseguirá crescer. Mas o Governo tem falhado as metas de crescimento de investimento público. Por isso agora também aqui, ou particularmente aqui, Fernando Medina tem de mostrar que este é mesmo um Governo de contas certas.
Rui Pedro Antunes: “Consolida, Fernando, consolida”
Está aí o primeiro Orçamento-do-PS. Os primeiros oito (7+1, com o suplementar) foram negociados com os parceiros de geringonça e o nono (o primeiro de Medina) ainda era um orçamento foice-foi-se: foice, porque mantinha algumas propostas do PCP; e foi-se, porque na altura foi-se o Leão, o ministro, mas ficaram as ideias. Agora é diferente: é um orçamento 100% PS.
Bloco de Esquerda, PCP e derivados (o derivado comunista, o PEV; e o derivado sem lactose, o PAN) foram trocados por conversas com os parceiros sociais. Com todos excepto o ausente do costume: o derivado sindical comunista, a CGTP. O PS pode agora ser ele próprio e, nesse caso, preferiu privilegiar as negociações com patrões e com os sindicatos que aceitam sentar-se com os patrões.
Se é certo que com o Ronaldo do Eurogrupo (a.k.a. Mário Centeno) já existia o mantra das contas certas, com a maioria absoluta expressões como “devolução de rendimentos” foram trocadas por outras como “consolidação orçamental” — que Costa utilizou na primeira reação a este Orçamento e em maio, no tal primeiro de Medina.
No PS ‘geringonço’, expressões como “consolidação orçamental” eram proibidas, por soarem a FMI, troika e a Passos Coelho. O Costa candidato a primeiro-ministro dizia, na apresentação da Agenda para a Década em 2014, que a consolidação orçamental era um “instrumento” e que não era estratégica para o país.
O mundo mudou, o PS e Costa também. Com maioria, o PS de Costa prefere uma redefinição da sua identidade, como partido de centro, bom aluno europeu na sua plenitude, que conversa com as empresas e com responsabilidade orçamental. É um PS mais medinista do que pedrunonista. O novo Orçamento comprova-o. E já nem o jargão austeritário é escondido, mesmo que o PS continue a negar que há uma austeridade mais ou menos direta na vida dos portugueses por via da inflação.
Mais do que as “famílias primeiro” (que muitas vezes é mais um truque, como nas pensões), ou um grande alívio fiscal da classe média (votos só são precisos em 2024), a grande preocupação do OE é manter o rigor orçamental, a sustentabilidade da segurança social e a redução da dívida pública. É um PS que está mais confortável a sentar-se com o PSD para discutir o novo aeroporto, do que com o BE para falar sobre rendimentos. Um PS que prefere conversar com a CIP em vez de falar com o PCP. Um PS que prefere agradar à Moodys do que a um ‘Manel’, votante de classe média.
O PS já cativava, agora também consolida. É um PS que cria uma grande incompatibilidade, sem necessidade de pareceres externos: com os velhos parceiros da esquerda parlamentar.