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Miguel Pinheiro. Este PSD é o Clube Recreativo dos Derrotados por Rio ou a nova Casa Comum dos Laranjinhas?

Há duas formas de olhar para o que aconteceu este fim de semana no Congresso do PSD. A forma pessimista: o partido tornou-se no Clube Recreativo dos Derrotados por Rui Rio, juntando na sua cúpula Luís Montenegro (que é agora líder mas perdeu contra Rui Rio em 2019 e em 2020), Paulo Rangel (que é agora primeiro vice-presidente mas perdeu contra Rui Rio em 2021) e Miguel Pinto Luz (que é agora também vice mas perdeu contra Rui Rio em 2019). A forma optimista: o partido voltou a ser a Casa Comum dos Laranjinhas, depois de nos anos de Rui Rio a ortodoxia do líder ser imposta como se fosse a tábua dos Dez Mandamentos.

Vai demorar algum tempo para sabermos se o núcleo duro do novo líder, juntando gente tão diferente, é um menor denominador comum ou um máximo divisor comum. Mas há uma coisa que Luís Montenegro tem: um partido sem vontade de combater a nova liderança. E, portanto, há uma coisa que Luís Montenegro não tem: desculpas.

Em certos momentos do Congresso, esta unidade no PSD pareceu cansaço — mas pode ser que, em vez de cansaço, fosse entusiasmo. Se for, Montenegro terá de o tornar duradouro. Porque a realidade não mudou: o governo do PS tem uma maioria absoluta e está apenas no início do seu mandato. Faltam quatro longuíssimos anos para os social-democratas terem nova oportunidade de derrotar os socialistas. Como se sabe, quatro anos é muito tempo para quem está na oposição, mas é pouco tempo para quem quer chegar ao Governo. Depois de conseguir federar os descontentes do rioísmo, Montenegro precisa agora de federar os descontentes do socialismo. É toda uma outra (e mais complicada) conversa.

Alexandre Homem Cristo. O PSD ficou com a casa arrumada

Após os anos de liderança de Rui Rio, o PSD ficou com cinco grandes problemas. Luís Montenegro chegou ao Congresso com quatro por resolver e conseguiu-o. Agora, falta o quinto e principal: construir uma alternativa política.

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Primeiro, o partido havia caído numa obstinação de pureza ideológica que, em vez de agregar as inúmeras facções do PSD, convidou inúmeros quadros à saída do partido por não se identificarem com a visão política de Rui Rio. Ora, Montenegro esclareceu a questão do posicionamento ideológico qualificando os militantes do PSD como “não-socialistas” e recusando que o PSD abrace populismos só para chegar ao poder. Consequentemente, e bem, as referências afuniladas à social-democracia desapareceram.

Segundo, o PSD viveu os últimos quatro anos em guerra civil, com os seus órgãos internos definidos em função das lealdades a Rui Rio — ou seja, esgotou-se num partido de terceiras linhas, sem peso político nas suas estruturas ou no grupo parlamentar. Ora, Montenegro renovou os órgãos do partido com nomes que dispensam apresentações, dando-lhes rostos conhecidos e peso político/ mediático — os melhores jovens quadros do PSD (António Leitão Amaro, Margarida Balseiro Lopes, Hugo Soares), antigos adversários (Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz), figuras de primeira linha ligadas à governação de Passos Coelho (Carlos Moedas, Teresa Morais, Maria Luís Albuquerque).

Terceiro, Rui Rio escolheu uma estratégia que conduziu o partido à subalternização face ao PS, procurando ser o parceiro reformista que o PS nunca quis. Ora, nas suas intervenções, Montenegro rompeu esse elo, deu músculo às críticas ao governo e assumiu a vontade de ser alternativa com uma clareza que o PSD não tinha há anos. Ninguém ficou com dúvidas: a partir de agora, o PS terá oposição.

Quarto, o PSD de Rui Rio caiu num paternalismo ridículo, quando se convenceu que estava cheio de razão ao mesmo tempo que acumulava recordes em derrotas eleitorais — a culpa era dos eleitores, enfeitiçados pela propaganda socialista. Logo no discurso de abertura do Congresso, Montenegro limpou esse assunto: “Não são os eleitores que estão errados, somos nós que não os conseguimos convencer”. O PSD percebeu que tem de comunicar melhor e para todos os eleitores (nomeadamente, os mais idosos).

Ou seja, Luís Montenegro aproveitou o Congresso para arrumar a casa. Para os seus primeiros dias na liderança do PSD, ninguém lhe pediria mais. Agora começa o quinto desafio, e o mais difícil: dar conteúdo e substância às ambições de recolocar o PSD nas escolhas eleitorais dos cidadãos. E é precisamente aí, no campo das ideias, das propostas e das políticas públicas, que Montenegro foi eficaz nas críticas ao governo, mas parco nos caminhos. O seu discurso de encerramento soou a mais do mesmo: maior abertura à iniciativa privada, menos impostos, melhor gestão na saúde e na educação, retenção do talento dos jovens, transição digital, não ao referendo da regionalização em 2024 — não houve uma única ideia nova.

O balanço possível é este: por enquanto, Luís Montenegro fez apenas o mais fácil, mas fê-lo bem — agarrou o partido pelo pulso. Agora, tem dois anos para construir uma alternativa, criar um projecto político apelativo e fazer o país acreditar que “Portugal não tem de ser isto” em que a governação do PS o tornou. Se o conseguir, talvez daqui a dois anos esteja bem posicionado para se tornar primeiro-ministro.

Raquel Abecassis. PSD de volta à vida

“Somos moderados, mas não socialistas” disse Luís Montenegro na abertura do seu discurso. Do princípio ao fim da sua intervenção no final do congresso da consagração, como já tinha acontecido na maioria das afirmações feitas ao longo dos três dias de congresso, o PSD virou a página de ser cópia do PS e voltou a ser, pelo menos no que respeita aos princípios programáticos, o PSD que os portugueses conheciam e apreciavam. Um partido reformista, menos ideológico e mais pragmático.

Luís Montenegro representa uma nova geração do partido e fez questão de trazer consigo para a direção uma nova geração. Prova assim que não é verdade aquilo que começávamos a temer, que o principal partido da oposição, ao contrário do PS, não tinha uma nova geração preparada para governar o país. Margarida Balseiro Lopes, Leitão Amaro e Miguel Pinto Luz, são a prova de que há quadros bem preparados para assumir responsabilidades no mundo moderno.

Este foi também o momento em que o PSD deixou de ter vergonha de si próprio. Assumiu com orgulho a herança de Passos Coelho, apontou os crimes do PS e aproveitou os ares do tempo para mostrar que o PS não resolve nenhum problema. Do SNS ao aeroporto, dos impostos à incapacidade de acudir os portugueses que foram vítimas dos incêndios de Pedrogão, não esquecendo o drama da falta de professores e recursos na educação. Montenegro não poupou nas críticas ao PS acabado de eleger.

A ideologia entrou em força no discurso do novo líder do PSD. Mas desta vez para acusar os socialistas de terem saltado muros intransponíveis para casar com partidos extremistas. “Não foi o PSD que saltou esses muros, foi o PS”. Finalmente há um líder do PSD sem papas na língua para devolver ao PS as acusações de conluio com partidos antidemocráticos. É isso que são PCP e BE e nos últimos seis anos não houve ninguém no PSD com coragem para o dizer.

Sem complexos, Montenegro assumiu também que estamos sufocados pelo Estado. Os portugueses voltaram a ter no líder do PSD uma voz que defende as forças vivas da sociedade. O país não ultrapassa os problemas presentes sem os sectores privado e social, sem a retenção da força, da criatividade e do empreendedorismo da juventude e sem criar condições para que a curva demográfica possa ser invertida.

Das sete prioridades elencadas vale a pena destacar a atenção a uma política de atração de imigrantes, uma política não só realista, mas também pragmaticamente distintiva e distante das opções do Chega e o não a um referendo irrealista da regionalização numa altura em que o processo de descentralização fracassa em toda a linha.

Não será por acaso que no encerramento do Congresso, com a decoração já a cargo de nova direção, o lema “Acreditar, Luís Montenegro 2026” replica o design do logotipo da velha AD que pela primeira vez levou o PSD ao Governo com Francisco Sá Carneiro. Na mesma linha, vale a pena também reter os votos de sucesso que Montenegro dirigiu à delegação do CDS presente no Pavilhão Rosa Mota. O CDS faz falta ao PSD e Montenegro sabe-o bem. Talvez as palavras de hoje sejam o prenúncio de uma ajuda especial que o PSD quer dar para o ressurgimento do CDS no parlamento.

André Azevedo Alves. Os dois desafios de Montenegro

Luís Montenegro enfrenta dois grandes desafios enquanto líder do PSD. O primeiro é o de agregar o partido em torno da sua liderança e promover a unidade internamente. Relativamente a este objectivo interno, o Congresso do PSD proporcionou alguns sinais positivos. Depois de há poucos dias ter sido anunciado que o novo líder do grupo parlamentar será Joaquim Miranda Sarmento, a apresentação de Carlos Moedas como cabeça de lista ao Conselho Nacional constitui mais um importante sinal de unidade. Sinal esse que sai reforçado com a maioria expressiva conquistada pela lista encabeçada por Carlos Moedas. Num segundo plano, o mesmo se pode dizer da apresentação de Paulo Rangel e de Miguel Pinto Luz como vice-presidentes e de Hugo Soares como secretário-geral do partido. Com um grupo parlamentar no qual não abunda o talento, será também importante que Luís Montenegro e Joaquim Miranda Sarmento consigam mobilizar e tirar partido dos deputados com maior qualidade e potencial, como Catarina Rocha Ferreira e Ricardo Baptista Leite.

O segundo desafio de Montenegro será conseguir afirmar externamente uma alternativa de governação capaz de retirar o PS do poder ao mesmo tempo que contém o crescimento de IL e Chega. A ausência prolongada do poder pode ser fatal para um partido catch-all e ideologicamente ambíguo como o PSD e não é demais recordar que se a actual legislatura tiver a duração expectável com a maioria absoluta o PS estará no poder ininterruptamente entre 2015 e 2026. Um contexto que se torna ainda mais complexo para o PSD se tivermos em conta o crescimento e consolidação de Chega e IL, ambos com perfis ideologicamente bem mais marcados do que o PSD e o CDS.

A guerra civil no PS (que passou de latente a aberta), a crise económica e social e a notória degradação de muitos serviços públicos poderão gerar oportunidades para Montenegro se tiver a capacidade de se apresentar como uma alternativa de governação credível. Mas, ainda que o novo líder garanta que o partido não tem problemas existenciais, a única certeza que é possível ter no final deste Congresso é que ultrapassar a crise existencial do PSD não será fácil.

João Marques de Almeida. Finalmente, uma alternativa ao socialismo

O Congresso do PSD e as escolhas de Luís Montenegro enviam duas mensagens ao país. O primeiro sinal, enviado com clareza e com empenho, foi de unidade. Os antigos candidatos à liderança, Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz (ambos com autonomia política), são vice-presidentes. Jorge Moreira da Silva (fez um bom discurso no sábado) mostrou toda a disponibilidade para colaborar com Montenegro. Os líderes da Madeira e dos Açores estão à frente do Mesa do Congresso. E, depois do afastamento hostil de Rio em relação ao governo de Passos Coelho, Montenegro convidou Carlos Moedas e Maria Luís Albuquerque, duas figuras centrais do executivo de 2011-2015, para liderar o Conselho Nacional.

A segunda mensagem é que o PSD de Montenegro quer mesmo ser uma alternativa ao PS e ao governo socialista. Essa é a maior ruptura com a liderança de Rui Rio. Em quase seis anos, Rio nunca conseguiu construir uma alternativa aos socialistas. Por causa disso, o PS conseguiu uma maioria absoluta sem nada ter feito para a alcançar. Portugal clama por uma alternativa aos socialistas. Até o governo precisa que Montenegro resolva o conflito entre Costa e Pedro Nuno Santos, como reconheceu o próprio primeiro-ministro. Os portugueses pedem com urgência uma alternativa ao poder socialista. O PSD parece, finalmente, ter percebido o óbvio. Por isso, os melhores discursos, e os mais aplaudidos, foram os que se concentraram a atacar o governo. Esperemos agora que Montenegro construa essa alternativa – o ataque ao socialismo é fundamental, mas não chega. Pelo que se viu este fim de semana, começou bem.

André Abrantes Amaral. Os desafios da união e da oposição

Luís Montenegro tentou unir o PSD e concentrar-se na oposição ao governo. Para alcançar o primeiro objectivo levou para a vice-presidência dois suposto líderes: Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz. Com vista ao segundo desvalorizou o Chega e a IL e foi duro com os socialistas. Até as críticas que pareciam ser dirigidas ao partido de André Ventura foram encaminhadas para o PS por este partido se ter associado à extrema-esquerda. À primeira vista, os dois objectivos foram conseguidos e o congresso foi um sucesso para o novo líder do PSD. Falta ver o que vai acontecer daqui para a frente.

É que a união do partido pode ser mais aparente que real. Na verdade, de fora ficaram os apoiantes de Rui Rio e Jorge Moreira da Silva. Quanto aos primeiros é natural que assim seja fruto da normal alternância mas, ao mesmo tempo, não é de esperar o regresso de Rio nem que algum dos seus apoiantes mais próximos tenha espaço para representar a sua facção. Assim, o afastamento dos apoiantes de Rio será uma pedra no sapato que Montenegro, uma vez por outra, terá de descalçar para se recompor. Já a recusa de Jorge Moreira da Silva em aceitar um dos muitos convites que lhe foram endereçados revela que, por enquanto, o antigo ministro de Passos Coelho prefere esperar para ver. Se daqui a dois anos as europeias correrem mal ao PSD, Moreira da Silva terá condições para repetir a corrida à liderança.

Focar o discurso no PS e no governo não é difícil, mas requer consistência e também que o PSD se apresente como uma alternativa concreta. Ou seja, Montenegro não deve responder à provocações do Chega nem se deixar intimidar com os truques do PS. António Costa usa o Chega como arma de arremesso contra o PSD e precisa mais de André Ventura do que os sociais-democratas. Mas, acima de tudo, Montenegro precisa de ser consistente. E para isso necessita de ter um projecto alternativo ao PS. Precisa de ideias e de um programa concreto e que seja de ruptura. Se não o tiver cairá facilmente na tentação de se preocupar com o vazio e ignorar os problemas das pessoas.

Rui Pedro Antunes. O velho normal

Luís Montenegro decretou, com atos, o fim da guerra civil que o PSD viveu nos últimos quatro anos e meio. Fosse por culpa própria de Rui Rio ou dos opositores que lhe recusaram vassalagem, nunca houve paz interna. Não é fácil ser Lincoln, mas esta é a primeira vitória que Montenegro conseguiu no Congresso: a paz interna. O novo presidente parece ter conseguido apaziguar a tensão entre norte e sul, entre barões e basistas   ao mesmo tempo que controlou rangelismos, pinto-luzismos e moedismos precoces.

O novo líder do PSD conseguiu surpreender nas escolhas da direção – uma das poucas atrações de um congresso não eletivo a quatro anos de legislativas –, mas sem risco. Não inventou para não cometer erros. E não errou, sobretudo se a comparação for o início do seu antecessor. Basta lembrar que Rio se estreou com uma Elina Fraga a ser apupada no Congresso e um Salvador Malheiro mergulhado em polémicas de caciquismo.

Se Paulo Rangel podia de alguma forma ser um fantasma que podia aparecer para o desafiar a meio do percurso, Montenegro chamou-o para número dois do partido. Se Pinto Luz podia criar mossa abaixo do Mondego, foi igualmente chamado para vice-presidente.

A direção de Luís Montenegro pode parecer um saco de gatos, mas a solução já foi testada no passado e não correu mal. Durão Barroso chamou o enfant terrible e principal challenger Santana Lopes para seu número dois e conseguiu sobreviver tempo suficiente para perder legislativas e chegar a primeiro-ministro. Montenegro voltou a tornar normal que várias facções se sentem à mesma mesa a discutir o partido.

O PSD vivia também numa indefinição entre lembrar o passado de governação e romper com o passismo em nome de ganhos eleitorais. Montenegro assume sem pudor a herança do PSD-troika, recuperando figuras como Maria Luís Albuquerque ou contando com a presença simbólica de Assunção Esteves. É uma normalização do legado de Passos Coelho, mais importante para dentro e mais difícil de gerir para fora.

O partido também vivia desnorteado com um presidente que – desfasado de parte do aparelho e da sua base eleitoral mais fiel – o colocava ao centro e rejeitava o rótulo de direita. Luís Montenegro não tem problemas em recolocar o PSD onde é mais normal na sua história: no centro-direita.

Montenegro operou, assim, o início de um processo de normalização do partido, importante para estancar a fuga para o Chega e para a IL. Mas só isso não chegará para ser primeiro-ministro. Tem, no entanto, o mérito de recuperar o velho normal no PSD. Pode parecer uma estratégia vetusta e pouco ousada, mas foi dessa normalidade (de se afirmar de centro-direita e alternativa clara ao PS) que o partido conseguiu uma fórmula vencedora com Cavaco, Durão e Passos. Entrou com o pé direito.

P.S. — Rui Rio não conseguiu impor uma única reforma no país, teve resultados historicamente baixos, promoveu maus hábitos de afronta à comunicação social e à justiça e teve diversas vezes uma postura sectarista no partido. Deixa mais saudades no PS do que no PSD. E, por isso, não há melhor forma de apresentar o seu legado: uma nota de rodapé, um post-scriptum, que, por ironia da língua, começa com as letras PS.