As bases e implantação social e autárquica muito mais amplas do PSD devem garantir a sua sobrevivência a curto e médio prazo como um partido relevante e com dimensão substancial no panorama político português e evitar, para já, o mesmo destino do CDS. Mas importa que os militantes e dirigentes do PSD tomem consciência de que é cada vez menos certo que continue a ser inequivocamente (em conjunto com o PS) um dos dois grandes partidos nacionais.

No pós 25 de Abril de 1974,  e  beneficiando de um conjunto de vicissitudes do período revolucionário, o PSD posicionou-se e consolidou-se como a casa comum natural no centro-direita para os não socialistas. O triunfo da AD com Francisco Sá Carneiro foi um passo decisivo para completar a transição para a democracia demonstrando que era possível ter um governo não socialista em Portugal. Mais tarde, as maiorias absolutas de Cavaco Silva marcaram a normalização democrática e europeia do regime, além de ficarem associadas a um período de convergência económica com a UE e a um salto de desenvolvimento e modernização do país sem paralelo em democracia. Estes são importantes legados do PSD mas estão também associados a características do partido que são no contexto actual as suas principais fragilidades.

O PSD cresceu e consolidou-se como um partido catch-all para o espaço que vai do centro à direita no qual o principal cimento que une as várias facções e tendências (que sempre existiram) é a vocação de poder. Ser a alternativa natural de governo ao PS é para o PSD uma questão existencial porque é o horizonte do poder que compensa e permite tolerar e gerir a ambiguidade ideológica do partido. Essa gestão foi também facilitada, até 2019, pela ausência no espectro partidário português de alternativas ideológicas bem sucedidas à direita. Ora em 2022, com a maioria absoluta do PS que confirma o seu predomínio avassalador ao longo das últimas décadas e com CH e IL como terceiro e quarto maiores partidos no Parlamento, as duas condições que permitiram a expansão e consolidação do PSD como grande partido estão seriamente em causa.

Importa recordar que se a actual legislatura tiver a duração expectável com a maioria absoluta o PS estará no poder ininterruptamente por mais de uma década, entre 2015 e 2026. Mais: entre 1995 e 2026, o PS terá estado no poder 24 anos e entre 2005 e 2026 o PS terá governado 17 anos (mais de 80% do tempo). O PS consolida-se assim como o partido central do regime, reforçando a sua influência sobre a sociedade e sobre as instituições e deixando o PSD remetido a uma posição subalterna. Os resultados das legislativas de 2022 (em linha com os de 2019) sugerem também que o PSD é cada vez menos um partido com abrangência nacional. Se a Norte o PSD continua (ainda?) a conseguir resultados similares aos do PS, no Sul do país isso é cada vez menos verdade. Em Faro, por exemplo, o PSD está abaixo dos 25% com o CH acima dos 12% e a IL perto dos 5%. Em Lisboa, o maior círculo eleitoral português, o PSD conseguiu 24% dos votos ao mesmo tempo que CH e IL conseguiram, cada um, perto de 8% do eleitorado.

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Será um erro pensar que todos os problemas do PSD se devem a Rui Rio. Sendo inequívoco que Rio perdeu duas eleições legislativas e que a sua estratégia como líder fracassou, os problemas do PSD parecem hoje bem mais abrangentes e estruturais. Aliás, é possível que o PSD corra o risco de ainda vir a olhar para os resultados de Rio com saudade.

Um partido catch-all, interclassista e ideologicamente ambíguo como o PSD precisa de doses regulares de exercício do poder para se manter e para justificar a sua razão de ser. Afastado por um longo período do poder e com IL e CH em crescimento e a concorrerem por segmentos ideologicamente mais marcados do eleitorado à direita (por contraste com um CDS que foi sempre também ideologicamente ambíguo), o PSD enfrenta hoje uma crise existencial.

A eventual implosão de CH ou IL facilitaria a vida ao PSD – e também não é de excluir que uma crise possa reconduzir o PSD ao poder como em 2011 – mas será perigoso para o PSD depositar confiança na ocorrência desses cenários. O grande desafio para o novo líder do PSD, seja ele Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva, será voltar a posicionar o PSD como alternativa credível de governo. Além da necessidade de conviver com a sombra de Carlos Moedas (o mais que provável líder do partido a médio prazo se as coisas lhe correrem bem na Câmara de Lisboa), o novo líder precisará de encontrar a fórmula para justificar a existência continuada do PSD como grande partido. A alternativa será prosseguir uma trajectória de decadência.