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Schwalmtal fica mais perto dos Países Baixos do que das grandes cidades alemãs. Até Düsseldorf meia-hora. Para Colónia, o GPS aumenta para 48 minutos. Mais perto fica Mönchengladbach, a apenas 15 minutos. A distância terá sido um dos motivos que levou muitos jovens a seguir de malas e bagagens para cidades maiores, à procura de uma vida nelhor, deixando a aldeia de Schwalmtal no espelho retrovisor. Mas nem todos.
Dos cerca de 18 mil habitantes — na Alemanha uma povoação com este número ainda é uma aldeia — um jovem de 25 anos não desiste. Caraterísticas tipicamente portuguesas, não tivesse ele sangue luso. Philipp Lourenço nasceu na Alemanha, mas é Portugal que continua a defender. Já foi presidente dos JuSos (a Juventude Socialista da Alemanha) do concelho e agora é vice-presidente da concelhia de Schwalmtal do SPD, o Partido Socialista Alemão. Numa hora, Philipp recebeu o Observador na principal praça da região e falou em bom português: da queda do partido que representa, da AFD e do Chega, e de um exemplo, que é António Costa.
“Acho muito triste que a ‘portugalidade’ esteja a desaparecer”
Vamos ao princípio: como é que chegou aqui, à Alemanha?
O meu avô veio para a Alemanha no tempo do Marcello Caetano. Nessa altura, a Alemanha e Portugal assinaram uma cooperação e muitos trabalhadores vieram para cá. O meu avô, por exemplo, veio para ajudar os ingleses, que tinham aqui uma base militar muito grande, nesta zona de Schwalmtal. Em 1976, veio o meu pai para cá, com a minha avó. A minha mãe também veio para cá jovem, à procura de melhores condições de vida. Por isso é que já nasci aqui.
O seu avô veio também para fugir da ditadura? Também tinha já um posicionamento político como o neto?
Não. O meu avô veio por causa do trabalho, mas também para poder ajudar o meu pai, que tinha a doença nas cordas vocais. Cá na Alemanha já tinham outros tratamentos que não existiam em Portugal e os médicos sugeriram que ele viesse. E a verdade é que o meu pai já pode falar sem ajuda de qualquer aparelho, passados todos estes anos.
E falam português em casa?
Os meus pais e a minha irmã vivem cá comigo. De resto, toda a minha família vive em Portugal e é por isso que falo bem português, vou falando com eles. Também estive na escola portuguesa aqui na Alemanha e claro que a RTP Internacional também dá uma ajuda.
E é por aí que também se vai mantendo atualizado sobre a política e atualidade portuguesa?
Sim, também. Mas as nossas comunidades fazem muitas pontes. Nós somos as pontes dos dois países. E só podemos sê-lo se nos mantivermos informados da situação portuguesa. Temos de ser nós os multiplicadores da “portugalidade”. O apoio que temos visto aqui na Alemanha à Seleção Portuguesa é precisamente fruto disso, não seria possível de outra forma.
E costuma visitar Portugal?
Sim, vou a Barcelos todos os anos, pelo menos uma vez por ano. É de lá que os meus avós vieram. No ano passado até fui duas vezes, uma à terra e outra à Jornada Mundial da Juventude. Adoro Portugal, são as minhas raízes. Quero que a “portugalidade” nunca acabe, principalmente na minha geração. E temos de trabalhar para isso, para que nunca acabe. Nós somos um povo que desde os Descobrimentos teve sempre os olhos lá fora. Não ficámos só em Portugal. E essa tradição ainda está dentro de todos nós, vejo isso quando falo com portugueses que vivem cá. Acho muito triste que essa “portugalidade” desapareça, temos de a levar a todo o mundo.
Mas, nos últimos anos, esses ideais de “portugalidade” têm sido mais associados à direita conservadora, até à extrema-direita. Sendo socialista, do SPD, sente-se confortável com isso?
Quem está a afastar essa filosofia portuguesa não são os partidos da esquerda e do centro, é a extrema-direita. O povo português sempre foi um povo pela paz, que quis descobrir novas culturas e integrá-las. Os portugueses aqui da Alemanha estão muito bem integrados na comunidade, por exemplo. A extrema-direita está a querer roubar a filosofia portuguesa, querem que seja exclusiva deles.
Mas tem sido um tema controverso. Por exemplo, há pouco falou dos Descobrimentos. Em Portugal tem havido um debate intenso sobre as reparações históricas às ex-colónias. Qual é a sua opinião?
Também tivemos essa discussão aqui na Alemanha, porque também tivemos colónias. Não tivemos muitas, mas tivemos, no centro de África. A Alemanha fez um caminho que acho que Portugal também devia fazer. Não digo que deve ser tudo devolvido, acho que a cultura também perderia a sua história. Devemos analisar o que fizemos no tempo do colonialismo. Pelo menos fazer essa análise. Mas com olhos abertos. Acho que é nossa obrigação e responsabilidade. Depois disso, vemos se devemos devolver património e tomar decisões. Mas primeiro Portugal devia analisar essa época, até porque não concordo nada com essa ideia de que o nosso colonialismo foi melhor que os outros. É analisar e decidir.
“Em Portugal têm-se esquecido que a política é diálogo”
Voltando um pouco atrás: quando é começou o seu gosto pela política?
É uma história engraçada. Começou por volta dos 8 anos, que é a idade em que damos aqui na escola o funcionamento do sistema federal. Foi aí que comecei a interessar-me por política. E nessa altura, o futebol ajudou um bocado, por acaso. Os portugueses e estrangeiros que moram cá sabem que é sempre um bocadinho chato quando o nosso país joga contra a Alemanha. Tinha muitos problemas na escola por ser português. Aqui nas aldeias não é muito fácil. E por causa dessas chatices, várias delas devido ao futebol, sofri algum bullying. A política foi uma forma de poder evitar que isso continuasse, foi uma forma de poder melhorar a vida dos portugueses e da população da aldeia.
E conseguiu? Como é a juventude do SPD por aqui, em Schwalmtal?
Como em muitas aldeias em Portugal, os jovens saem daqui e vão para as cidades grandes. Colónia, Düsseldorf, até mais longe, como Munique. Por causa disso, a nossa juventude não está agora muito forte, mas um dia isso pode voltar e estou disponível para fazer o meu trabalho com eles. Agora estou focado em ser o vice-presidente do SPD do concelho.
E porquê o SPD? Porque não outro partido?
Fui para o SPD por ser europeísta. Só a Europa pode juntar as minhas raízes portuguesas com as alemãs. E para isso é preciso uma Europa forte, estável e com boas condições. Para ter uma Europa assim, é preciso visão. E para mim, não há partido nenhum no continente que seja tão europeísta como o SPD. O SPD é o único partido alemão que ajudou a criar um partido-irmão lá fora, quando o Willy Brandt ajudou o Mário Soares a fundar o PS em 1973. Isso foi logo uma prova da visão europeia. O Willy Brandt percebeu que para haver uma Europa forte, precisava de partidos que estivessem ao seu lado, a acompanhar essa luta pela justiça social.
Ainda assim, apesar dessa visão europeísta, o SPD teve o pior resultado de sempre numas eleições nacionais aqui na Alemanha, e logo numas Eleições Europeias, com 13,9%, em terceiro lugar. O que é que levou a este desastre?
O resultado fraco que tivemos está relacionado com o momento político aqui da Alemanha. Nós temos um Governo que em Portugal seria impossível. É uma coligação que junta os Verdes, que é o equivalente ao partido Livre; o FDP, que é o partido-irmão da Iniciativa Liberal; e o SPD, que é irmão do PS. Nunca na vida se faria esta coligação em Portugal. São três partidos tão diferentes, que gerou muitas dificuldades de governação na Alemanha. E depois de 16 anos de CDU, não estamos habituados a ter tanta discussão política. Perdemos as eleições por causa dos temas nacionais. Por outro lado, também perdemos pela má comunicação. A mensagem não chegou ao povo, não foi entendida. Agora é trabalhar para gerar novo entusiasmo pelo partido, até porque no próximo ano temos eleições legislativas.
Mas o que é que foi feito de tão mal pelo SPD no Governo para que tenha sido tão penalizado?
Acho que foi essencialmente a comunicação. Houve algumas leis que também foram feitas muito depressa e sem terem sido muito pensadas. Mas não é só aqui. Os partidos que estão no poder têm tido dificuldades. Basta olhar para toda a Europa: França, que até vai a eleições; Itália, que virou para a extrema-direita da sra. Meloni; até em Portugal o Governo foi abaixo e tinha maioria absoluta. É um tombo na Europa toda. Estamos num momento de muita incerteza e as crises também não ajudam. Tivemos de tomar decisões que nem sempre o povo percebe, que não são fáceis. É por isso que os partidos da extrema-direita estão a crescer, porque para eles parece sempre tudo fácil.
E Portugal podia aprender com o exemplo alemão e ter mais flexibilidade nas coligações para criar governos mais estáveis?
Acho que qualquer governo alemão pode ser um exemplo para Portugal. Até porque têm sido mais os governos minoritários do que as maiorias absolutas. E acho que em Portugal se tem esquecido que a política é diálogo. Política é compromisso. Antes das guerras de blocos, de esquerda e direita, os partidos deviam ver o que podem fazer em conjunto pelo país, e não andar em concorrência um contra o outro.
Mas isso é política…
Claro, claro que isso também é política. Há um governo e uma oposição. Mas primeiro que tudo está o país, depois os partidos. A democracia portuguesa pode aprender muito com a democracia alemã sobre como fazer coligações fortes. Porque o objetivo é que haja estabilidade. Para além de uma vez, nos anos 80m e de outra, em 2005, os Governos alemães chegaram sempre ao fim das legislaturas. Em Portugal, o que mais temos são Governos a cair dois, três anos depois. Há pouco diálogo. Por exemplo: quando vejo agora o Pedro Nuno Santos de um lado e o Luís Montenegro do outro, vejo pouca responsabilidade dos dois para dialogar um compromisso para a política portuguesa. Faço esse apelo aos partidos democráticos: entrem em diálogo, façam coligações para haver governos mais estáveis. Só assim é que as pessoas acreditam mais na democracia.
“O partido Chega teria sucesso aqui na Alemanha”
Nessa flexibilidade que defende para fazer coligações como na Alemanha, cabe também um acordo entre PSD e Chega?
Não, o Luís Montenegro fez bem em pôr esse limite. É a extrema-direita. No 25 de abril, o Chega andou com cravos pretos no Parlamento, não me esqueço dessa imagem. Só mostra que eles querem acabar com esta democracia. E os emigrantes, que sabem que são bem recebidos cá fora, só têm de abrir a boca e alertar os familiares portugueses para o que o Chega pode fazer em Portugal, pode ser muito grave.
O Chega até ganhou o círculo eleitoral da Europa nas últimas legislativas…
Os emigrantes não estão completamente atentos à política portuguesa. Aqui, na Alemanha, o Chega não ganhou. Não percebo uma coisa: os emigrantes que votam Chega querem que Portugal feche fronteiras. Eles não estão a votar contra eles próprios? É mais um trabalho que os partidos democráticos têm de fazer, têm de mostrar aos emigrantes em quem é que eles estão a votar. É um grande erro.
Falando no Chega, por cá a Alemanha tem tido a AfD, também em claro crescimento. Portugal pode olhar para esse caso e aprender com a Alemanha sobre como deve lidar com o Chega?
Na Alemanha, a AfD está isolada. Não há coligações, ninguém fala com ela, ninguém a põe na vice-presidência do Parlamento, como foi em Portugal. Nisso, Portugal pode aprender também com a Alemanha. E depois é ouvir as pessoas. O país tem de ser menos central. Os políticos têm de sair mais de Lisboa e ouvir as pessoas. Nas aldeias, nas freguesias, onde há problemas. E não demorar 20 ou 30 anos a resolvê-los. Lá em Barcelos ainda estamos à espera de um novo hospital, porque o atual está mais perto do século XX do que do XXI. É um grande problema em Portugal, resolver problemas demora muito tempo.
E tendo em conta o crescimento da AfD: se o Chega viesse para a Alemanha, teria também bons resultados?
Tendo em conta que a AfD e o Chega são partidos muito semelhantes, acho que sim. Eles são parecidos na visão para a imigração e têm propostas que não são realistas. Acho que o partido Chega teria sucesso aqui na Alemanha.
Por falar em imigração: há um problema de imigração na Alemanha?
Não temos um problema de imigração. Temos um problema de integração. A imigração não é o problema. É a integração. E já começou na década de 60, quando foram assinados os acordos de Gastarbeiter.
Criavam já limitações?
Eram para pessoas como o meu avô, que vieram para cá com contratos de trabalhador convidado. Por acaso há uma curiosidade: o Gastarbeiter número “um milhão” foi português. Nesse tempo, o Governo alemão, da CDU, achou que estes trabalhadores convidados, imigrantes, voltariam para as suas terras depois. E por isso juntaram-nos em certos espaços. Os turcos ficavam juntos, os italianos ficavam juntos. Quando só falas a tua língua, a integração não funciona. Isso foi um grande erro que cometeram. As pessoas não regressaram, trouxeram família e as comunidades cresceram.
E Portugal pode aprender com a Alemanha na gestão da imigração?
Portugal pode aprender a não fazer como a Alemanha. Não deixar que cresçam sítios onde só vivem imigrantes. Os portugueses que vivem cá, por exemplo, estão espalhados e estão muito bem integrados. Com eles Portugal pode aprender. Quando vierem cá políticos portugueses, falem connosco. Vão aprender como é que nós fomos integrados, levam essas informações e façam diferente.
Costa? “Não há melhor pessoa para presidir ao Conselho Europeu”
António Costa vai ter uma nova vida agora na Europa, mas saiu de forma abrupta do Governo e do cargo de primeiro-ministro. Acha que fez bem em pedir a demissão e sair?
Costa não tinha outra opção que não sair. Mas acho que a justiça fez erros fundamentais na operação. Isso também se viu na Madeira, com a queda do Miguel Albuquerque. Acho que António Costa mostrou ser um político com honra, que tem orgulho no cargo que tem. E protegeu bem esse cargo, fez tudo certo. A forma como foi abaixo é que me deixa muitas questões. Até hoje, António Costa ainda não foi propriamente implicado na Operação Influencer. Não é suspeito, não é arguido. Mas alguns erros fundamentais no processo puseram Portugal muito em baixo.
E uma situação destas podia acontecer na Alemanha? Um primeiro-ministro cair por uma suspeita?
O Olaf Sholz teve problema com o caso Cum-Ex [que envolveu um escândalo com um banco de Hamburgo] e continuou como chanceler. E tal como o António Costa, não foi arguido. Agora, quando encontram tanto dinheiro no escritório do chefe de gabinete, até na Alemanha um governante se tinha de demitir.
Ainda assim, António Costa ainda tem futuro político e é o novo presidente do Conselho Europeu.
Conheci o António Costa aqui, em novembro do ano passado, nas cerimónias dos 50 anos da fundação do PS na Alemanha. Nunca vi um político português tão aberto ao diálogo e ao compromisso como ele. Não há nenhum político português tão apto para liderar o Conselho Europeu. Ele é bem visto na Europa, cá na Alemanha também. E é bem-visto pelos conservadores e social-democratas.
Os alemães têm boa opinião de António Costa?
Em termos políticos, Portugal fica tapado por Espanha. Mas quando ouço alemães falar dele, normalmente há um sinal positivo. Ele sabe comunicar as decisões. Na pandemia, o Governo português foi muito elogiado pelos alemães. Costa fez sempre uma comunicação aberta e transparente, tanto para fora, como para dentro. Acho que Costa faz política para os portugueses, mas como é europeísta também faz para a Europa. Por isso é que digo que não há melhor pessoa para presidir ao Conselho Europeu.
Por último: se pudesse deixar um conselho aos políticos portugueses, qual deixaria?
Que entrem em diálogo. Com o povo, com as pessoas. Com os emigrantes, com os que lá estão. Falem com as pessoas.