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Poster de voto em Jeremy Corbyn em Islington North
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Poster de voto em Jeremy Corbyn em Islington North

Poster de voto em Jeremy Corbyn em Islington North

A guerra em Gaza e o antissemitismo: os assuntos que o Labour gere com pinças e que podem levar à perda de votos

Eleitores muçulmanos estão desiludidos com posicionamento dos trabalhistas e o agora independente Corbyn é uma pedra no caminho. Ao Observador, o ex-líder do Labour diz: "Temos de terminar o conflito"

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As ruas estão movimentadas em East London, mais concretamente em Tower Hamlets. É sexta-feira, dia sagrado para os muçulmanos, e em frente à mesquita daquela localidade há um mercado de rua em que se vende fruta, roupa e perfumes. Em algumas bancas e nas varandas dos edifícios em volta veem-se várias bandeiras palestinianas. Nos postes de eletricidade ou de trânsito estão colados autocolantes sobre o assunto. “Um voto no Labour é um voto no genocídio em Gaza”, lê-se. Noutro, vê-se uma fotografia de Keir Starmer, o candidato a primeiro-ministro pelos trabalhistas, com um apelo: “Vamos tirar o Labour de Tower Hamlets.” 

A região de Tower Hamlets é a que, em todo o Reino Unido, tem a percentagem mais elevada de muçulmanos, a maioria oriunda do Bangladesh e do Paquistão. Compõem cerca de 38% da população da localidade, sendo o islamismo a religião mais praticada. A guerra em Gaza é, por isso, um tema sensível e que suscita reações fortes, particularmente os eleitores muçulmanos londrinos, que tipicamente votam à esquerda. Mas muitos não estão satisfeitos com Keir Starmer, que tem gerido com pinças o assunto.

É uma posição diferente da do seu antecessor. Assumidamente mais à esquerda, Jeremy Corbyn defende a independência imediata do Estado Palestiniano e é bastante mais vocal nas críticas à gestão do atual governo conservador. Aliás, o antigo líder trabalhista foi suspenso do Labour, em 2020, por comentários antissemitas, e foi mais tarde reintegrado do partido, ainda que não lhe fosse permitido concorrer às eleições de 4 de julho. Apesar disso, o candidato decidiu romper com a liderança de Keir Starmer e concorrer como independente no círculo eleitoral de Islington North, que representa desde 1983. A consequência? A expulsão de Jeremy Corbyn do Labour. 

Jeremy Corbyn

Jeremy Corbyn numa ação de campanha este sábado

Observador

Em declarações públicas, Jeremy Corbyn chegou a designar o Hamas e o grupo libanês Hezbollah — inimigos confessos de Israel — como “amigos”, algo de que se veio arrepender mais tarde. Além disso, em 2018, uma investigação do Times revelou que, em grupos de apoio no Facebook ao antigo líder dos trabalhistas, nos quais estavam presentes membros do seu núcleo duro, circulavam mensagens antissemitas e publicações de negação do Holocausto.

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À margem de uma ação de campanha precisamente no círculo eleitoral em que compete este sábado, Jeremy Corbyn conversou com o Observador sobre a guerra em Gaza e sobre a campanha que está a fazer. Defendendo um “cessar-fogo imediato” e a “retirada de tropas israelitas em Gaza e da Cisjordânia”, o antigo líder do Partido Trabalhista disse que ainda está à espera que Keir Starmer faça uma “declaração clara” de que o Reino Unido “não fornecerá mais armas a Israel”. “Não temos essa garantia.”

A menos de uma semana das eleições, tudo parece encaminhar-se para uma vitória confortável do Partido Trabalhista, após 14 anos de liderança dos conservadores. O objetivo é obter uma maioria absoluta na Câmara dos Comuns, ainda que não esteja garantida. Neste contexto, nem tudo é fácil no caminho de Keir Starmer, que apostou em conquistar o eleitorado mais ao centro, para chegar a Downing Street. A gestão da guerra em Gaza pode tornar-se uma pedra no caminho do trabalhista, principalmente nas regiões com maioria de eleitores muçulmanos.

O trunfo Sadiq Khan em Londres

Entre os trabalhistas, a guerra em Gaza é um tópico que cria alguma divisão. Os setores mais à esquerda olham com desconfiança para a forma como Keir Starmer não se tem demarcado do governo de Rishi Sunak. “Não vou votar neles. Costumava votar Labour, mas não o vou fazer por não concordar com a gestão da guerra em Gaza”, admite ao Observador Ushna Marri, de origem paquistanesa, que vive em East London. “Ainda não sei em quem vou votar, mas vou procurar alguém que defenda totalmente o fim do que se passa em Gaza. Nunca deveria acontecer no século XXI.” 

Nem todos pensam assim. Saddam Rahman é um dos vendedores do mercado de rua perto da mesquita de East London. Na sua banca, para venda, há couves, feijão verde, melancia e outros legumes. Ao Observador, admite discordar com algumas posições dos trabalhistas relativamente ao conflito em Gaza, mas este tópico não é o que interessa mais. “A vida está mais cara. As pessoas compram cada vez menos. A inflação está muito alta. Espero que Sunak perca, não tem feito nada de bom para a economia.” 

Saddam Rahman, a mesquita de East London e o cartaz contra o Labour pelo que se passa em Gaza

Saddam Rahman continua a “gostar do Labour” e diz esperar que as eleições alterem o estado da economia. “Não concordo totalmente com a gestão da guerra em Gaza, mas o Partido Trabalhista continua a ser a melhor opção para derrotar os tories”, sublinha. Questionado pelo Observador, realça ainda que gosta bastante do mayor de Londres, Sadiq Khan, que também é trabalhista e que até chegou a distribuir folhetos seus durante a sua campanha. “Dava um excelente primeiro-ministro”, chegou a comentar o vendedor, acrescentando: “Ele é muçulmano”.

A cerca de oito quilómetros de East London reuniram-se alguns apoiantes do Labour numa ação de campanha de Rachel Blake, candidata trabalhista pelo círculo eleitoral de Cities of London e Westminster. Em frente à estátua de Sherlock Holmes, na Baker Street, dezenas de pessoas juntavam-se ao início da tarde desta sexta-feira para distribuírem folhetos por uma das zonas mais turísticas da capital britânica, muito perto do museu Madame Tussauds.

“A atmosfera é boa. Deveremos vencer”, dizia ao Observador Michael Clarke, membro dos trabalhistas. Questionado sobre se a guerra em Gaza teria algum impacto na vitória do partido a que se juntou há mais de 25 anos, considera que não. “Keir Starmer tem tido uma abordagem equilibrada e sensata. O importante é que o Estado Palestiniano seja reconhecido pelo Reino Unido e tenho a confiança de que Keir Starmer o fará. Não acho que seja uma questão assim tão importante.”

"O Keir Starmer tem tido uma abordagem equilibrada e sensata. O importante é que o Estado Palestiniano seja reconhecido pelo Reino Unido e tenho a confiança de que Keir Starmer o fará. Não acho que seja uma questão assim tão importante"
Michael Clarke, membro dos trabalhistas

Entretanto, nessa ação de campanha, apareceu Sadiq Khan. Num discurso de alguns minutos, o autarca londrino, que foi reeleito em maio na sequência de eleições locais, começou por elogiar longamente a candidata Rachel Blake, que, se vencer em Cities of London e Westminster, faz história e torna-se a primeira candidata do Partido Trabalhista a vencer aquela localidade, controlada pelos conservadores desde a criação do círculo eleitoral em 1950.

Depois, Sadiq Khan deixou um alerta aos seus correligionários perto da estátua de Sherlock Holmes, onde vários turistas acabaram por assistir ao discurso: as eleições ainda não estão ganhas, apesar da atmosfera positiva que se vive. “Os conservadores sabem ganhar eleições, são um partido eficaz”, alertou o autarca, acrescentando: “As sondagens dizem que vamos ganhar com 20, 25 pontos de distância face aos tories. Mas isso pode criar a impressão de que vamos ganhar de qualquer modo.”

O responsável político enfatizou, neste sentido, que a “corrida será renhida”. “Ninguém pode ficar em casa no dia 4 de julho”, apelou Sadiq Khan, antevendo que, em caso de vitória, Keir Starmer será um “excelente primeiro-ministro”. Será, acredita Khan, a pessoa ideal para tirar o NHS (serviço nacional de saúde) da situação “miserável” em que se encontra e também será aquele que vai incentivar “políticas de habitação mais justas” para os londrinos.

Sadiq Khan, autarca de Londres, e Rachel Blake, candidata trabalhista pelo círculo eleitoral de Cities of London e Westminster

A questão de Gaza não foi abordada no pequeno discurso de Sadiq Khan, que sofreu algumas críticas durante a campanha por ter sido um dos primeiros rostos do Labour a pedir um cessar-fogo, cerca de três semanas depois do 7 de outubro. Numa entrevista ao órgão de comunicação britânico e muçulmano Middle East Eye, o autarca londrino, contudo, explicou que estas eleições a 4 de julho não representam uma “escolha entre Keir Starmer ou alguém com uma política perfeita na Palestina”. “É uma escolha é entre Keir Starmer como primeiro-ministro ou Rishi Sunak. Esta é escolha.”

Na mesma entrevista, sugeriu o que significaria se os conservadores vencessem estas eleições: “Seria catastrófico para Gaza e para o Reino Unido”. “Só há dois partidos que podem vencer as eleições. Respeito as opiniões das pessoas, mas quando as pessoas procuram o candidato perfeito, isso pode significar uma vitória dos conservadores.”

“Quero que os conservadores percam” ou “independentes devem ter mais peso?” As opiniões dividem-se entre o eleitorado muçulmano

O vendedor de rua Saddam Rahman concorda com esta visão de voto útil do autarca londrino. A estudante universitária de 19 anos Mary Khattak partilha ao Observador, em East London, a mesma ideia. “Não quero votar nos conservadores e espero que eles percam. Não trazem nada de bom à sociedade. Por isso, faz sentido que votar no Labour. Não são perfeitos, mas ao menos não deixaram a economia em ruínas.” Questionada sobre a guerra na Faixa de Gaza, a jovem admite que é um assunto “importante” para definir o seu sentido de voto, mas acha que os temas da habitação e da gestão do serviço nacional de saúde são ainda mais pertinentes.

"Não quero votar nos conservadores e espero que eles percam. Não trazem nada de bom à sociedade. Por isso, faz sentido que votar no Labour. Não são perfeitos, mas ao menos não deixaram a economia em ruínas"
Mary Khattak, jovem estudante de 19 anos

À saída da mesquita de East London, Golam Rahman, de origem paquistanesa, diz ao Observador, por sua vez, que os independentes devem ter mais força. “Julgo que as pessoas devem votar noutro partido que não os conservadores ou no Labour. As pessoas pensam que só têm duas opções e eu sou contra isso. Acho que os independentes devem ter mais peso”, destaca, ainda que se mostre desiludido com o sistema político. “Não tenciono votar. Não acredito neste sistema. E estou bastante triste com a gestão da guerra em Gaza.”

Por sua vez, Aariz (que preferiu não revelar o apelido ao Observador) assinala que nunca votaria nem em Rishi Sunak, nem em Keir Starmer. “São a mesma face da mesma moeda”, atira o jovem de 25 anos, que tem uma pulseira com a bandeira palestiniana no pulso, elaborando: “Rishi Sunak é péssimo, mas Keir Starmer não é muito melhor. Os dois não compreendem os muçulmanos. Querem os dois agradar a Israel e ficam sem fazer nada perante a tragédia em Gaza. Não compreendo.” Questionado sobre iria votar no dia 4 de julho, Aariz disse que votaria provavelmente num candidato independente.

Aariz e Golam não são os únicos que consideram que apoiar um candidato independente — aliás, pode tornar-se uma tendência entre os eleitores muçulmanos. Um estudo realizado pela consultora Savanta, publicado em meados de junho, mostra que 86% dos inquiridos que destacam a guerra de Gaza como um dos tópicos mais importantes nestas eleições ponderariam apoiar um candidato independente claramente pró-palestiniano.

O mercado de rua em East London

O independente Jeremy Corbyn em Islington North

É com o estatuto de independente que Jeremy Corbyn conta ser eleito para o Parlamento britânico no dia 4 de julho. Ao Observador, o ex-líder dos trabalhistas defendeu que a tragédia na Faixa de Gaza não pode prosseguir, alertando para a tragédia humanitária: “Temos de salvar vidas. Milhares já foram perdidas. Infraestruturas, casas, estradas, hospitais, edifícios públicos estão destruídos. Temos de terminar o conflito e acabar com as mortes.”

“Serei uma voz pela paz se for eleito“, asssume Jeremy Corbyn, criticando duramente o atual governo pela gestão do conflito, lembrando as “decisões do Tribunal Penal Internacional” em emitir mandados de captura em nome do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e do ministro da Defesa, Yoav Gallant. Se Keir Starmer vencer, o antigo líder dos trabalhistas espera por mudanças, mas não “sabe bem” o que o eventual novo primeiro-ministro poderá fazer.

Neste momento, as sondagens indicam que o nome escolhido pelos trabalhistas em Islington North, Praful Nargund, obterá cerca de 43% dos votos e deverá ser eleito para Parlamento, ao contrário de Jeremy Corbyn, que se fica pelos 29% das intenções de voto. No evento deste sábado com cerca de 80 apoiantes, Nadia Jama, ativista que também abandonou o Partido Trabalhista e apoiante do ex-líder, vincou num discurso: “O voto no Jeremy não será desperdiçado. É uma corrida entre dois: entre o novo candidato do Labour e Jeremy. Mas ainda temos um problema: muitos eleitores não sabem que o Jeremy abandonou o Labour e ainda votam no partido.”

Ação de campanha de Jeremy Corbyn

A corrida entre Praful Nargund, um jovem empreendedor que a ser eleito se estreia no Parlamento, e Jeremy Corbyn poderá ganhar contornos fratricidas em Islington North. Esta sexta-feira, 72 membros trabalhistas daquela localidade no norte de Londres anunciaram numa carta aberta que vão juntar-se à campanha do antigo líder do Partido Trabalhista, recordando que “Jeremy Corbyn decidou a sua vida” a servir as pessoas do círculo eleitoral.

Como Starmer quis “arrancar o antissetimismo pela raiz”

Nas ruas de Islington North veem-se vários cartazes a apoiar a Palestina e de apoio à candidatura de Jeremy Corbyn. Por exemplo, alguns deles têm uma melancia (símbolo da causa palestiniana), dizendo que o voto no candidato independente representará o “voto do cessar-fogo”. “Vote Jeremy Corbyn e não no Labour”, lê-se ainda.

Jeremy Corbyn demitiu-se da liderança do Partido Trabalhista em 2019, após o mau resultado nas últimas eleições gerais britânicas. Foi, aliás, o pior resultado dos trabalhistas desde 1935 e perderam vários bastiões importantes para os conservadores, liderados na altura por Boris Johnson. Foi substituído por Keir Starmer, um político mais moderado e que prometia abrir uma nova era política.

No bairro de Corbyn, o Labour joga em casa. Mas o país não é todo igual a Islington

Mesmo antes de se demitir, já existam rumores de práticas antissemitas durante o mandato de Jeremy Corbyn à frente do Partido Trabalhista.  Essas acusações ganharam solidez com um relatório publicado em outubro de 2020 pela Comissão pela Igualdade e Direitos Humanos, um organismo público, que denunciava que Jeremy Corbyn era responsável por promover e por não fazer nada para evitar o antissemitismo no Labour. Keir Starmer acabou por suspender a filiação do partido ao seu antecessor.

Desde que assumiu o cargo, Keir Starmer deixou claro que não ia “tolerar” qualquer prática antissemita dentro dos trabalhistas. “Nem vou tolerar o argumento que negue ou minimize o antissemitismo no Partido Trabalhista na base de que é exagerado ou que é fictício”, disse. Jeremy Corbyn acabou depois por reentregar o partido; ainda que fosse sempre uma voz incómoda para o novo líder do Labour, o assunto acabou por perder gás, ainda para mais tendo em conta o contexto político e as sucessivas crises nos conservadores ao longo dos últimos anos.

No entanto, com o aproximar das eleições em 2024, o regresso de Corbyn à política ativa estava no horizonte. Em março de 2023, numa reunião da Comissão Nacional Executiva dos trabalhistas, ficou decidido que o antigo líder não podia concorrer no próximo ato eleitoral. “Uma desgraça”, reagiu Jeremy Corbyn, que foi sempre apontando que, na base destas decisões, estava uma vendetta pessoal por parte do novo líder do Labour.

"Nem vou tolerar o argumento que negue ou minimize o antissemitismo no Partido Trabalhista na base de que é exagerado ou que é fictício"
Keir Starmer, atual líder do Partido Trabalhista

O início da guerra na Faixa de Gaza — e as consequentes manifestações contra Israel no Reino Unido — voltaram a dar destaque ao tópico do antissemitismo no país. Contrariamente a Jeremy Corbyn, o novo líder trabalhista colocou-se incondicionalmente ao lado de Telavive. “O Hamas foi o responsável no que aconteceu a 7 de outubro. O Hamas não faz nada pelos palestinianos”, denunciou numa entrevista o líder do Labour, recordando que nos últimos anos fez tudo para “mudar radicalmente” as posições antissemitas no Labour. “Quis arrancar o antissemitismo pela raiz”, afirmou.

Para Jeremy Corbyn, houve “intenções políticas” por trás do seu afastamento. “Vou fazer política por outros meios”, frisou, acrescentando que vai continuar a “defender o serviço nacional de saúde, a habitação e a independência da Palestina e o fim do conflito”. “Independentemente de quem seja o novo primeiro-ministro”, garante.

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