Quanto mais apelativo for um animal, maior o risco de ser capturado por predadores. Basta comparar os vistosos pavões, de penas longas e cores metálicas chamativas, com as discretas fêmeas de cor acastanhada. Neste caso, o risco compensa — ou assim esperam os animais — porque quanto mais apelativo for o macho para as fêmeas, maior a probabilidade de deixar descendência. Mas investir demasiado na reprodução pode pôr não só um indivíduo em risco, como toda a espécie. A conclusão é de Maria João Fernandes Martins, investigadora no Instituto Smithsonian, e da equipa com a qual trabalhou. Os resultados foram publicados na revista científica Nature esta quarta-feira.
Maria João Martins é bolseira de doutoramento do projeto e admite que o edital do concurso parecia ter sido feito à sua medida. Tinha feito o doutoramento com a reprodução de ostrácodes de água doce e tinha trabalhado com fósseis, como técnica no Instituto Dom Luiz, enquanto escrevia a tese. Mas tudo o que é bom acaba depressa e dentro de um mês também a bolsa chegará ao fim, obrigando a investigadora a deixar o instituto norte-americano. Até lá, ainda tem muito trabalho a fazer.
A base do trabalho de Maria João Martins era a reprodução sexuada (processo em que há a troca de gametas — células masculinas e femininas — para a geração de um ou mais indivíduos da mesma espécie) e o dimorfismo sexual — as diferenças físicas entre machos e fêmeas. Estas diferenças acontecem em vários animais e podem ir de variações subtis no tamanho até mudanças mais marcadas nas cores e padrões e no comportamento. Alguns machos querem tanto deixar descendência que sacrificam a vida por isso, como os louva-a-deus, que deixam que as fêmeas os comam enquanto as fecundam, ou um pequeno marsupial australiano que faz sexo até à morte — sim, o resultado invariavelmente é que, depois do período de cópula, o macho morre devido ao excesso de testosterona. Mas também existem machos que, na ânsia da cópula, matam as fêmeas, como algumas rãs macho que tentam a sorte com uma única fêmea, todos sobre ela dentro de água até a afogarem.
Os resultados agora apresentados reforçam que quanto maior o dimorfismo sexual e quanto maior o investimento feito pelo macho na reprodução, maior é o risco que a espécie corre de desaparecer. Pelo menos para o grupo dos ostrácodes — crustáceos microscópicos (em média com um milímetro), que se assemelham a um camarão encerrado dentro de uma concha bivalve.
John Swaddle, investigador no The College of William and Mary (nos Estados Unidos) e um dos autores do estudo, já trabalhava com o dimorfismo sexual, mas em aves. Neste grupo, as características distintivas (como coloração das penas ou comportamentos) não ficam, regra geral, preservadas nos fósseis. Portanto, a única forma de estudar o impacto do dimorfismo sexual na extinção é indireta, por aproximação, estudando espécies à beira da extinção ou que não se adaptaram a um ambiente novo, explica ao Observador Maria João Martins, primeira autora do artigo.
A paleobiologia, que estuda a vida no passado geológico da Terra, conseguiria à partida dar melhor resposta à pergunta se o investimento exagerado na reprodução sexuada podia levar à extinção das espécies. Gene Hunt, investigador no Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, tinha o recurso certo para isso: o grupo dos ostrácodes, do qual é curador no museu.
“[Os ostrácodes] têm um pénis enorme — na verdade dois — e essa estrutura ocupa muito espaço. Isso requer um grande investimento”, conta Maria João Martins, que trabalha diretamente com Gene Hunt. “[Mais,] os espermatozóides são extremamente longos, cerca de um terço do corpo. Imagine se o espermatozóide de um homem tivesse cerca de 50 centímetros.” E é este investimento energético nas estruturas reprodutivas que pode ter custos em termos de sobrevivência, porque os animais não estão a apostar nas características que lhes permitem adaptar-se às mudanças ambientais.
A investigadora reforça a vantagem da utilização dos ostrácodes para responder à pergunta da equipa: utilizaram-se espécies marinhas, cujos fósseis são mais fáceis de estudar; neste caso, e em particular no período estudado — o Cretáceo — a quantidade de fósseis é grande o que permite boas análises estatísticas; a maior parte destas espécies estudadas reproduzia-se sexuadamente, logo há machos e, consequentemente, é possível comparar o investimento feito na reprodução; e os machos são suficientemente diferentes das fêmeas para permitir esta distinção — os machos têm corpos alongados para acomodarem os aparelhos reprodutores.
Os autores estudaram seis mil espécimes, distribuídos por 93 espécies de ostrácodes, recolhidos no leste do Mississipi. A escolha do período — o fim do Cretáceo (entre 66 a 84 milhões atrás) — foi muito prática, explica a investigadora. Markham Puckett, investigador na Universidade do Sul do Mississipi e um dos autor do artigo, trabalhava há décadas com este grupo e garantiu que havia material suficiente para passar três anos a investigar o assunto.
O que verificaram foi que algumas espécies apareciam regularmente nos vários estratos ao longo dos cerca de 20 milhões de anos estudados. Outras espécies, pelo contrário, mantinham-se apenas por algumas centenas de milhares de anos. Estas espécies que viviam menos tempo, segundo o registo fóssil, eram aquelas que tinham os machos maiores e mais alongados, logo aqueles que tinham pénis e aparelhos reprodutores maiores. As espécies com maior dimorfismo tinham um risco de extinção dez vezes maior do que as espécies menos dimórficas, concluíram os autores.
Todo o esforço que é colocado na reprodução, ainda que possa ter efeitos positivos a curto prazo, parece deixar as espécies mais suscetíveis a longo termo. Como os recursos que deveriam estar disponíveis para a sobrevivência individual são investidos na propagação dos genes, quando o ambiente muda os animais podem não ter capacidade para resistir ou adaptar-se a essas mudanças, concluem os autores.
Os investigadores também tentaram perceber se esta diferenciação nas estruturas reprodutoras poderia levar ao aparecimento de novas espécies (especiação). “Encontrámos alguma associação com a especiação, mas estatisticamente não é forte o suficiente”, afirma Maria João Martins. O que o modelo utilizado mostra é que além do dimorfismo sexual existem outros fatores a influenciar o aparecimento de novas espécies.
O que leva à especiação é um dos assuntos em aberto para futura investigação. Neste momento, o trabalho que Maria João Martins se encontra a fazer passa por perceber se este ritmo de extinção causado pelo dimorfismo sexual em períodos relativamente estáveis em termos ambientais — como o fim do Cretáceo — também se verificou quando aconteceram extinções em massa. A investigadora está assim concentrada no Paleoceno (entre 55 e 65 milhões de anos atrás), mais propriamente no momento em que caiu na Terra o asteróide que terá causado a extinção dos dinossauros.
Os resultados ainda são muito preliminares, alerta a investigadora, mas o que tem observado é que os machos com maiores pénis também pertenciam às espécies que se extinguiram mais há 65 milhões de anos. Se as espécies com grandes pénis voltaram a surgir depois disso não consegue dizer, mas era um trabalho que gostaria de fazer no futuro. Por agora, consegue apenas dizer que nos cinco milhões de anos que se seguiram à extinção (o período que está a estudar), ainda não havia recuperação das espécies com elevado dimorfismo. Mas o que é certo, é que entre as espécies modernas existem machos com grandes aparelhos reprodutores.
Maria João Martins só tem mais um mês de bolsa e ainda nenhuma perspetiva de emprego, nem nos Estados Unidos, nem em Portugal, nem na Europa. Garantido tem que terá ainda mais um ano de trabalho pela frente para acabar de identificar todos os fósseis de ostrácodes que recolheu do Paleoceno e para publicar um artigo científico com os resultados finais.
Enquanto não encontrar poiso fixo, sabe que a investigadora Maria Cristina Cabral, com quem já tinha trabalhado no Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa, lhe arranja um espaço e um microscópio para poder continuar o trabalho que agora está a desenvolver. Entretanto faz figas para conseguir um financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia que lhe permita criar o seu próprio grupo de investigação neste instituto.