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Mahsa Amini protest in Istanbul
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Mahsa Amini foi detida pela "polícia da moralidade" na rua. Teria um pouco de cabelo à mostra. Polícia nega agressões e afirma que rapariga curda morreu de causas naturais

dia images via Getty Images

Mahsa Amini foi detida pela "polícia da moralidade" na rua. Teria um pouco de cabelo à mostra. Polícia nega agressões e afirma que rapariga curda morreu de causas naturais

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A morte de Mahsa Amini gerou uma onda de protestos pelos direitos das mulheres. "Pode ser o prenúncio de uma nova era no Irão"

Jovem de 22 anos foi detida por alegadamente usar de forma incorreta o hijab. Terá sido agredida pela polícia e morreu no hospital. Família acusa autoridades de encobrirem o caso e pede investigação.

Pelo menos 36 mortos e centenas de feridos, mulheres a cortarem o cabelo na rua e a queimarem véus islâmicos, manifestantes a atearem fogo a esquadras de polícia e autoridades a bloquearem o acesso à internet. É o resultado de uma semana de protestos em várias cidades do Irão, na sequência da morte de Mahsa Amini. Ao Observador, a Comissão Europeia classifica este caso de “absolutamente inaceitável”, pede “punição” para os responsáveis pela morte de Mahsa e admite “mais medidas” contra o regime de Teerão. As Nações Unidas defendem o direito de os iranianos se manifestarem “em paz”.

A rapariga curda, de 22 anos, foi detida na semana passada por alegadamente usar de “forma incorreta” o hijab, véu islâmico que cobre o cabelo das mulheres. Acabou por morrer pouco depois sob custódia policial. A família de Mahsa Amini e grupos de ativistas afirmam que a rapariga morreu vítima de agressões e tortura por parte da polícia, mas as autoridades recusam: garantem que a morte ocorreu na sequência de causas naturais. Pode este caso ser um ponto de viragem na história do Irão e nos direitos das mulheres? 

Tudo começou no dia 13 de setembro. A “polícia da moralidade” ou “polícia de costumes”, uma unidade especial que controla o rigoroso código de vestuário feminino, deteve Mahsa Amini numa estação de comboios em Teerão por alegadamente ter algum cabelo visível por baixo do véu islâmico, violando assim as normas do vestuário. Entrou em coma pouco depois de ter sido levada para um centro de detenção e morreu três mais tarde, a 16 de setembro, no hospital. Nas redes sociais, começaram a circular imagens da jovem internada.

Demonstration in Tehran

A morte de Mahsa Amini, de 22 anos, deu origem a uma onda de protestos

Anadolu Agency via Getty Images

De acordo com relatos de testemunhas no local, citados por órgãos de comunicação social iranianos e agências internacionais, Mahsa Amini terá sido agredida na cabeça com um bastão e atirada contra um carro. As autoridades iranianas afirmam que estão a investigar.

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A versão de que Mahsa Amini foi agredida e que morreu na sequência dos maus-tratos é negada pela polícia, que afirma que a rapariga curda de 22 anos sofreu um ataque cardíaco. Contudo, em declarações à BBC, o pai da jovem, Amjad Amini, acusa as autoridades de “mentirem” e de “encobrirem” o caso.

Amjad Amini garante que a filha não sofria de problemas de saúde e afirma que não o deixaram ver o corpo no hospital nem consultar o relatório da autópsia. O homem adianta que o filho de 17 anos, irmão de Mahsa Amini, estava presente no momento da detenção.

Algumas testemunhas disseram ao meu filho que ela foi agredida na carrinha da polícia e na esquadra. Ele implorou para que não a levassem, mas também foi agredido. Rasgaram-lhe as roupas. Pedi à polícia para que me mostrassem as imagens das body-cams, mas disseram-me que as câmaras estavam sem bateria”, relata Amjad Amini à BBC.

Os protestos começaram logo após a morte, à porta do hospital em Teerão onde a rapariga morreu. E depressa se alastraram a todo o Irão.

Pelo menos 36 mortos em protestos. Manifestantes gritam “morte ao ditador”, polícia responde com gás lacrimogéneo

O número de vítimas mortais na sequência dos protestos tem subido diariamente. Esta sexta-feira, grupos de ativistas citados por órgãos internacionais como o jornal britânico The Guardian dão conta de pelo menos 36 mortos — incluindo membros das forças de segurança.

Há ainda registo de centenas de feridos e detenções, na sequência dos protestos que têm decorrido ao longo de toda a semana em dezenas de cidades no Irão, incluindo a capital, Teerão.

"Apelamos às autoridades iranianas para que conduzam uma investigação imediata, independente, imparcial e eficaz à morte de Mahsa Amini, assim como às alegações de tortura e maus tratos. A família da jovem deve ter acesso à justiça e à verdade"
Porta-voz do alto comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas ao Observador

Agências internacionais relatam que a polícia tem usado a força, balas de borracha e gás lacrimogéneo para impedir os protestos. Os manifestantes respondem ao incendiarem carros da polícia e esquadras. As autoridades limitaram também o acesso à internet e às redes sociais em certas partes do Irão, para repreender os protestos.

O povo iraniano desceu às ruas para lutar pelos direitos fundamentais e a dignidade humana e o governo respondeu a estas manifestações pacíficas com balas”, declarou, em comunicado, Mahmood Amiry Moghaddam, diretor da Iran Human Rights, uma organização não-governamental.

Imagens nas redes sociais mostram ainda mulheres a cortarem o cabelo e a pegarem fogo ao véu islâmico, em forma de protesto. Gritam ainda “morte ao ditador”, numa referência ao regime. As imagens estão a correr o mundo.

O uso do hijab em público tornou-se obrigatório para todas as mulheres iranianas acima dos 9 anos depois da Revolução Islâmica de 1979.

Comunidade internacional condena caso e pede investigação

O caso está a merecer forte condenação da comunidade internacional e de vários líderes mundiais. As Nações Unidas reagiram imediatamente, pedindo uma investigação à morte de Mahsa Amini.

Em declarações ao Observador, o porta-voz do alto comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas. Jeremy Laurence, defende que o caso deve ser investigado até às ultimas consequências: “Apelamos às autoridades iranianas para que conduzam uma investigação imediata, independente, imparcial e eficaz à morte de Mahsa Amini, assim como às alegações de tortura e maus tratos. A família da jovem deve ter acesso à justiça e à verdade”.

O responsável afirma que Irão “tem o dever” de levar a cabo esta investigação, ao abrigo das leis internacionais.

O mesmo defende o porta-voz para as Relações Externas da Comissão Europeia. Ao Observador, Peter Stano é claro: “É um assunto que estamos a seguir com preocupação. O que aconteceu a Mahsa Amini é absolutamente inaceitável e os responsáveis por esta morte devem ser punidos”.

Os dois responsáveis sublinham que os direitos de raparigas e mulheres têm de ser respeitados — não só no Irão, como em todo o mundo — e criticam o uso de força da polícia sobre os manifestantes, durante os protestos nas ruas.

O porta-voz do alto comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas afirma que “os iranianos têm o direito a manifestar-se e devem poder fazê-lo em paz”. “Condenamos qualquer uso de força desnecessário ou inadequado contra os manifestantes”, acrescenta Jeremy Laurence.

Também Peter Stano, porta-voz das Relações Exteriores da Comissão Europeia, defende “o respeito por protestos pacíficos”. E adianta que Bruxelas pode tomar mais medidas face a este caso.

Toda a comunidade mundial está atenta. E, se for preciso outro tipo de resposta ou mais medidas, os Estados-membros vão discutir essa possibilidade e tomar a decisão necessária”, sublinha Peter Stano ao Observador.

Já a Amnistia Internacional denuncia uma “repressão brutal” e “o uso ilegal de tiros com esferas de aço, gás lacrimogéneo, canhões de água e bastões para dispersar os manifestantes”.

A morte da rapariga curda deu também a uma onda de apoio nas redes sociais aos direitos das mulheres, a que se juntaram personalidades como a artista iraniana Shirin Neshat ou a modelo palestino-americana Bella Hadid.

O presidente norte-americano também já reagiu à morte de Mahsa Amini. Em declarações na Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, Joe Biden afirma que os Estados Unidos estão solidários com as “corajosas mulheres do Irão”.

epa10196910 President Seyyed Ebrahim Raisi of Iran delivers his address during the 77th General Debate inside the General Assembly Hall at United Nations Headquarters in New York, New York, USA, 21 September 2022.  EPA/JASON SZENES

O presidente do Irão garante que está a investigar "o incidente" de "forma determinada"

JASON SZENES/EPA

O presidente do Irão também reagiu no âmbito da Assembleia Geral da ONU, numa intervenção na quarta-feira. Ebrahim Raisi nunca chegou a mencionar o nome de Mahsa Amini ou os protestos, mas criticou aquilo que descreve como “duplo padrão do Ocidente em relação aos direitos das mulheres”. Já na quinta-feira, o líder iraniano abordou diretamente o caso, defendendo uma investigação.

Presidente do Irão acusa Ocidente de “duplos padrões” relativamente a direitos

Contactei a família dela (Mahsa Amini) na primeira oportunidade que tive e garanti-lhes que vamos continuar a investigar de forma determina o incidente. A nossa maior preocupação é salvaguardar os direitos de todos os cidadãos”, afirmou Ebrahim Raisi numa conferência de imprensa à margem da Assembleia Geral da ONU, citado pelo The Guardian.

“Protestos podem ser o prenúncio de uma nova era no Irão”, diz especialista

Para a especialista em assuntos do Médio Oriente, Maria João Tomás, os protestos que duraram a semana toda não se devem só à morte de Mahsa Amini: para a especialista, representam a vontade do povo iraniano de mudança de regime.

O Irão neste momento é uma panela de pressão. O Ayatollah (líder religioso) está bastante velho e não se sabe quem vai ser o sucessor. Temos várias oposições no Irão: há quem queira o retorno da monarquia e quem queira um regime laico. Isto poderá ser o prenúncio de uma nova era no Irão. Qualquer coisa pode despoletar situações destas (protestos), que se podem tornar cada vez mais frequentes. Há motivos políticos por trás destas manifestações. É natural que se gere revolta num regime tão severo face à forma como as mulheres se vestem”, explica Maria João Tomás ao Observador.

A investigadora lembra que situações semelhantes ocorreram noutros países do Médio Oriente, como na Arábia Saudita: “Antigamente, as mulheres não podiam conduzir. E, após situações de contestações, já podem. O regime está a abrir-se. E na Arábia Saudita até já há discotecas. No Irão, o ideal seria uma abertura de regime com a sucessão do Ayatollah”, defende.

"Há motivos políticos por trás destas manifestações. É natural que se gere revolta num regime tão severo face à forma como as mulheres se vestem"
Maria João Tomás, especialista em assuntos do Médio Oriente

Ao Observador, Maria João Tomás adianta que os protestos vão continuar nos próximos dias, devido à revolta social: “É inqualificável terem morto uma jovem rapariga só por ter um pouco de cabelo mais à mostra”. E quanto à responsabilização? “Não vai dar em nada, como é óbvio. Ninguém será responsabilizado por nada. O que se passa no Irão, no Irão fica”, responde prontamente, em forma de lamento.

Para a especialista em assuntos do Médio Oriente, o facto de Masha Amini ser originária do Curdistão (noroeste do país) foi uma “agravante”, no âmbito da detenção. “Os curdos são uma etnia minoritária que não é bem vista pelo regime. Têm intenções independentistas e podem ser vistos como uma ameaça”, explica.

Ouça aqui as declarações de Maria João Tomás ao Observador:

Presidente do Irão quer que morte de Mahsa Amini seja investigada

O testemunho de uma iraniana em Portugal: “Estou a acompanhar o caso com grande angústia e preocupação”

Sépideh Radfar nasceu no Irão, mas vive em Portugal há mais de 20 anos. É professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ao Observador, não esconde “a angústia” que sente ao receber do país de origem as notícias sobre a morte de Mahsa Amini. “Estou a acompanhar constantemente”, adianta. Os alunos a quem dá aulas também já lhe fizeram perguntas sobre o caso.

Sépideh Radfar lembra que este tipo de protestos no Irão não são novidade.

Os protestos estão a ser levados a cabo por jovens, na casa dos 20 anos, estudantes. Todos nasceram depois da revolução iraniana e qualquer acontecimento violento provoca uma revolta nas ruas e nos meios académicos”, relata a professora.

Também o porta-voz do alto comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Jeremy Laurence, lembra que este tipo de protestos acontecem de forma regular. “As mulheres iranianas protestam de forma pacífica contra o hijab há quatro décadas, quer seja na rua ou, mais recentemente, nas redes sociais”.

Sépideh Radfar acrescenta a importância da união entre mulheres e homens na “exigência de mudança”, nesta matéria. “A geração jovem exige a mudança desta lei, que obriga ao uso do véu islâmico. Hoje em dia, não aceitamos maus tratos contra animais e, por isso, é muito mais grave quando acontece contra jovens, principalmente contra meninas, só pela questão do uso ou não do lenço ou pela forma como se maquilham. É inadmissível. É um crime”, afirma.

A professora também defende uma investigação “independente” ao caso e sugere, depois, uma revisão da lei, “para dar alguma liberdade aos jovens”. Quanto à “polícia da moralidade” ou “de costumes”, fala em “falta de preparação” e uso de força “gravíssimo”.

Mahsa Amini protest in Tehran

Manifestantes têm pegado fogo a carros da polícia e esquadras. Gritam "morte ao ditador"

Anadolu Agency via Getty Images

Esta unidade especial tem o poder de parar as mulheres na rua e avaliar se têm demasiado cabelo à mostra, se a roupa é demasiado curta ou justa ou se têm demasiada maquilhagem. A punição de quem violar as regras pode passar por multas, pena de prisão ou agressões com uma espécie de chicote.

Nas últimas horas, o presidente do Irão cancelou uma entrevista com uma jornalista da CNN, quando esta se recusou a usar o véu islâmico. Ebrahim Raisi ia dar a  primeira entrevista em solo americano, mas à hora marcada mandou o assessor avisar que só seria entrevistado se Christiane Amanpour usasse o véu. A jornalista britânica de origem iraniana recusou. A entrevista acabou por não acontecer.

Presidente do Irão cancela entrevista com jornalista da CNN por não usar véu

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