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A investigação não está terminada, mas a GNR insiste que Nuno Santos poderia mesmo não estar a trabalhar no momento em que o carro em que seguia Eduardo Cabrita — ministro que tutela aquela força policial — o atingiu mortalmente, a 18 de junho, ao quilómetro 77,6 da A6, no sentido Elvas-Lisboa. Uma das teses que os militares não têm largado é a de que o trabalhador saiu da berma direita, onde estava com os restantes colegas a fazer limpezas, atravessou a estrada e saltou para dentro do separador central não para desempenhar as suas funções, mas para fazer necessidades. Seria colhido quando estava a regressar à berma.
A suposta negligência do trabalhador foi avançada pelo Ministério da Administração Interna logo após o acidente e antes de qualquer investigação ao caso. Em comunicado, o gabinete de Eduardo Cabrita apressou-se a dizer horas após o acidente que não tinha havido qualquer despiste e que o trabalhador é que teria atravessado a estrada para um local onde não havia trabalhos: “O trabalhador atravessou a faixa de rodagem, próxima do separador central, apesar de os trabalhos de limpeza em curso estarem a decorrer na berma da autoestrada.”
E parece ser esta a tese que a GNR quer comprovar com os vestígios que recolheu e tem estado a analisar e que hoje o Observador revela — ainda que os testemunhos dos colegas que estavam na A6 apontem para um comportamento sempre muito responsável por parte de Nuno Santos. Logo em junho um dos colegas que estavam fora da carrinha explicava que, apesar de não saber o motivo que levou Nuno a ir ao outro lado da estrada, punha “as mãos no fogo” em como não houve descuidos. No total, estavam três funcionários a limpar a berma, incluindo a vítima, e um a conduzir a carrinha — este último terá sido o único a ver o acidente, mas entrou em choque e não consegue falar das circunstâncias da morte do colega.
Os dois colegas que acompanhavam a vítima na berma não deram por ele se desviar, dado o barulho das máquinas e por estarem de costas, e nem sequer terão ouvido o aproximar do carro de Eduardo Cabrita ou qualquer barulho de travagem. Também a família explicou ao Observador na altura — antes de os colegas terem sido ouvidos ou a própria viúva — que a GNR já acreditaria que Nuno Santos estaria naquele instante de regresso ao local onde os colegas estavam. Para perceber qual a sua posição na via e para onde caminhava terá sido analisada a roupa da vítima — daqui terá resultado que o embate se terá dado quando estava de costas para os carros que seguiam em direção a Lisboa, tendo sido atingido do seu lado direito.
Logo a seguir ao acidente, no local, que tem visibilidade, também não havia marcas de travagem, desconhecendo-se ainda — e isso o MAI não clarificou no seu comunicado de junho — qual a velocidade a que seguia o BMW, sendo que ainda hoje, quatro meses depois, permanece em segredo o resultado da peritagem da marca alemã à centralina do carro. E este é um detalhe fundamental para se apurar a responsabilidade pelo atropelamento. Isto, apesar de os governantes em determinadas situações poderem ultrapassar os limites de velocidade estabelecidos.
O papel higiénico e os fragmentos encontrados que a GNR liga à vítima
Para provar que, quando foi colhido pelo carro em que seguia o ministro, Nuno Santos não estaria a trabalhar, apurou o Observador junto de fontes ligadas à investigação da GNR, o Núcleo de Investigação Criminal de Acidentes de Viação recolheu e tem estado a analisar durante todos estes meses não só as roupas que a vítima tinha vestidas como, também, papel higiénico e fragmentos biológicos que alegadamente estariam num local próximo daquele onde acreditam que Nuno Santos terá ido antes de ser atingido.
Mas mesmo que, por hipótese, se vier a comprovar alguma ligação entre estes elementos encontrados pela GNR e o trabalhador, o Observador desconhece como vai a investigação afastar a possibilidade de, no momento em que foi colhido, o trabalhador não estar a trabalhar, dado que o embate aconteceu quando já estava no lado de fora do separador central e não no seu interior — onde a GNR acredita que terá estado a fazer algo que não as suas funções.
Mas desde muito cedo que os investigadores vão dando sinais de que afastam a tese de que Nuno Dias estava a trabalhar quando o carro do ministro o atingiu. Aliás, quando a viúva foi ouvida, dois meses depois do acidente, percebeu que o objetivo foi obter informações sobre a personalidade e comportamentos do marido. Tendo em conta as perguntas, e tal como o Observador noticiou logo em agosto, a sensação com que ficou foi a de que os militares pretendiam perceber se era ou não expectável algum descuido da parte de Nuno Santos que pudesse ter provocado o acidente.
A viúva, porém, terá deixado claro que não acreditava em qualquer tese de negligência, descrevendo-o mesmo como um homem muito cuidadoso consigo e com os colegas que com ele trabalhavam.
GNR mantém silêncio e diz que investigação está a ser feita como as outras
Por esses dias, à entrada do Congresso do PS, em Portimão, Cabrita reagia à forte cobertura mediática do caso, atirando: “Ao contrário de outros, eu nunca pressionei uma investigação judicial.”
O Observador pediu esclarecimentos esta sexta-feira à GNR que, oficialmente, se limitou a invocar o segredo de justiça e a dizer que o que está a ser feito é uma investigação igual a qualquer outra que tenha estas características.
“Em virtude de a investigação do acidente se encontrar em curso e em segredo de justiça, não será possível prestar esclarecimentos adicionais, sublinhando-se, contudo, que a Guarda Nacional Republicana desenvolveu e encontra-se a desenvolver, nos termos da lei, todas as diligências inerentes a um processo de investigação de um acidente de viação com vítimas mortais”, afirmou fonte oficial.
Versão de Eduardo Cabrita foi desmentida por fonte da Brisa
No comunicado de junho, o MAI dava ainda conta de que “não havia qualquer sinalização que alertasse os condutores para a existência de trabalhos de limpeza em curso”.
No entanto, uma fonte da Brisa disse dias mais tarde à SIC, informação confirmada na altura pelo Observador, que este dado não corresponderia à verdade, dado que o local estava devidamente sinalizado.
Confrontado logo no final de junho com a divergência de versões, o Ministério da Administração Interna respondeu que, “estando a decorrer um inquérito pelo Ministério Público, […] não tem nada a acrescentar aos esclarecimentos públicos já prestados”. Contrariamente ao que havia feito quando anunciou a suposta negligência do trabalhador, horas após o acidente, neste esclarecimento do final de junho, o gabinete de Eduardo Cabrita clarificou que não estava disponível para falar sobre nada: “Isto vale para a velocidade [do carro] e para a questão da Brisa.”
Quando o acidente aconteceu, Eduardo Cabrita regressava do Centro de Formação de Portalegre da GNR, onde tinha estado presente para presidir ao Juramento de Bandeira dos formandos do 43.º Curso de Formação de Guardas. O BMW utilizado pelo ministro — um carro apreendido pela Justiça — circulava na A6 em direção a Lisboa. O facto de não haver câmaras da Brisa que captassem o quilómetro 77,6 da A6, onde aconteceu o embate, será uma das dificuldades para que se possa chegar ao que realmente aconteceu.
Após as primeiras notícias, foram abertos dois inquéritos. Um por parte do Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora, no âmbito do qual se insere a investigação da GNR. E outro do INEM sobre a alegada demora do socorro. Ao fim de mais de quatro meses, nem um nem outro tiveram qualquer conclusão.
Recorde-se que a Brisa era responsável pela manutenção da estrada, tendo subcontratado a empresa Arquijardim, para a qual trabalhava Nuno Santos, de 43 anos.
Numa recente entrevista à SIC, a mulher de Nuno Santos sublinhou aquilo que considera serem as responsabilidades do ministro em tudo o que aconteceu e lembrou como o Ministério da Administração Interna, que tutela a GNR, se apressou a indicar uma conclusão para esta investigação: “O senhor ministro disse logo que foi o Nuno. Falei com os colegas e vi as roupas dele. Foi apanhado pelas costas. Não atravessaria a estrada assim”. “Isto é muito revoltante”, rematou ainda.