Água engarrafada ou da torneira: Qual destas bebe mais? Regra geral, a grande maioria das pessoas tem por hábito girar uma torneira, encher um copo e deitar abaixo uma dose de H2O. Um comportamento tão natural como este tornou-se, em grande parte do mundo, quase tão espontâneo como o próprio respirar e isso talvez tenha feito com que não questionássemos coisas tão simples como: “De onde vem esta água?”, “Que propriedades é que ela tem?”, “Devo bebê-la como acompanhamento de todos os pratos?”
O francês Alexis Durand é seguramente mais esclarecido e consciente em relação a estas perguntas e seus significados. Depois de solidificar a sua formação como escanção de vinho (sommelier, no francês original), a pessoa que num restaurante nos aconselha o néctar mais indicado para cada prato que queiramos provar, decidiu explorar aquilo que compõe grande parte do nosso corpo — a água. Especializou-se em sommelier de águas, colaborou com várias lojas deste tipo de bebidas e agora foi o homem escolhido pela Lev, marca de nutrição portuguesa que acaba de sofrer um rebranding, para desenvolver o bar de águas que já encontra em cada uma das mais de 25 lojas que Cyril Decoret abriu em todo o país e no estrangeiro. Nestes novos espaços vai poder provar e comprar (os preços vão de 1,75€ aos 12€) mais de 50 marcas de todo o mundo (de Taiwan à Gronelândia) que o vão poder ajudar a sentir-se melhor e a saborear a comida de forma mais completa.
A água com gás faz-nos mesmo sentir melhor? Vamos passar a ter “cartas de águas” nos restaurantes? Que impacto pode ter um copo de água no apreciar de um vinho tinto? — Estas e outras respostas estão aqui em baixo, prontas a serem bebidas até à última gota.
O que é que o Alexis faz ao certo?
Antes de tudo sou um sommelier de vinhos, essa é a base da minha formação e cheguei a trabalhar em restaurantes. Há uns anos fui parar a uma loja de águas — mantenho-me a trabalhar com várias há dois anos — e a dada altura descobri que havia uma especialização enquanto sommelier de águas, na Alemanha (perto de Munique). Achei que podia ser muito interessante principalmente porque ao trabalhar com lojas especializadas percebi que havia um mundo muito complicado por trás — talvez não tanto como o do vinho mas, mesmo assim… Nós somos feitos de água, temos de a beber se quisermos sobreviver e ser saudáveis, por isso fez tudo muito sentido. Acabei por fazer o curso todo e adorei; fiquei a perceber tudo e mais alguma coisa sobre o assunto — de onde vem a água, o que é que a compõe, quais os seus minerais e, o mais importante, o que é que ela te dá e porque te faz bem.
A água é algo que temos como dado adquirido: basta abrir uma torneira e ela lá está. Acha que não lhe damos a devida importância? Sente que é parte do seu trabalho explicar aos seus clientes que ela é importante?
Sem dúvida. Mais de 70% do teu corpo é constituído por água, por isso é claro que se não beberes a de boa qualidade, vais sentir-te mal, não serás saudável. Dá para comparar a comida e a água, por exemplo: Se tu não comes a mesma coisa todos os dias, porque haverias de beber sempre a mesma água? Cada tipo fornece-te uma mineralização específica, complementa carências causadas pelo teu dia-a-dia. Muitas vezes podes ter de ir a uma farmácia porque estás com falta de cálcio ou magnésio: tudo isso pode ser corrigido (ou prevenido) pelo teu consumo de água. Se beberes as corretas não vais precisar de tomar suplementos ou comprimidos, por exemplo.
E a água da torneira?
Há um problema com a água da torneira. Não digo que não a deves beber de todo, mas talvez devas alternar o seu consumo: uma semana podes bebê-la, noutra devias consumir antes uma água mineral engarrafada — ela dar-te-á minerais que fazem falta. Isto é muito importante. Lá está, como a comida: não comes a mesma coisa todos os dias porque diferentes alimentos dão-te nutrientes distintos.
Pelo que diz, depreende-se que existe uma “água má”. Que água é essa?
A água da torneira, em algumas cidades grandes, pode não ser boa. Se estiveres nos Alpes e fores à torneira servir-te provavelmente não estarás nada mal — aquilo que ela deita seguramente vem de fonte saudável. Normalmente, em cidades grandes como Paris, onde moro, a água da torneira é potável, podes beber, mas deves evitá-la por causa dos químicos que usam para tratar, pela concentração de calcário… O que acontece é que se a beberes, o teu corpo vai querer livrar-se dela rapidamente e não absorves nada de bom — isso é um problema. Isto não acontece com água mineral de origem natural. No reverso da medalha também encontramos aquilo que se tem feito muito nos EUA, por exemplo, que é a água que foi submetida a um processo chamado osmose inversa, um processo de alta filtração que lhe retira tudo e mais alguma coisa até ficar só o H20. Ela é potável mas como não tem mais nada, não te faz bem, nem sequer te dará hidratação. A Coca-Cola está a fazer isto com a sua água, a Smart Water, por exemplo.
Sente que este serviço de sommelier de águas tem vindo a ganhar mais destaque nos últimos tempos?
Na verdade isto já existe há séculos — afinal a água já cá estava mesmo antes de nós chegarmos [risos]. Creio que começou a ganhar maior impacto há coisa de 10 anos e um dos seus protagonistas mais famosos é alemão e vive em Los Angeles, o Martin Riese. Ele é super famoso e está a fazer muita coisa para promover não só esta arte como todas as mais valias que lhe são associadas. Independentemente de tudo, o mais importante é mostrar o mundo da água às pessoas. Até mesmo no universo dos restaurantes não nos estamos a preocupar com a água. Fazemos pairing com vinhos e pouco mais, não percebendo que a água que combinamos com determinado vinho pode prejudicar a nossa perceção do mesmo. preciso fazer o pairing da água com o vinho e, só depois, com a comida , apesar de também ser mais que normal associar a a água diretamente aos pratos.
Esse acasalamento de água com comida é algo que acontece com frequência?
Sim, lá fora é bastante comum. Tem havido uma maior consciencialização, muito associada também ao “melhoramento” do serviço de cafés e chás. Os chefs começam a perceber, por exemplo, que a água fervida que usam pode alterar o sabor e a constituição nutricional desses preparados.
O Alexis está a colaborar com os bares de água da Lev, mas já trabalhou com restaurantes, também?
Sim. Já trabalhei com chefs e outros sommeliers. O exemplo do café em restaurantes de fine dining é muito interessante: a água que usam para o fazer, se for de qualidade, dará origem a um produto final muito mais saboroso e completo. A consciencialização vai começando aos poucos e já há casos de quem use água mineral no próprio processo de cozinhar. Por enquanto ainda é uma abordagem que está a crescer lentamente mas acho que vai crescer mais. Se formos ver bem, no processo de fazer cerveja ou uísque, a água utilizada é importantíssima. Tem de ser a melhor! Se não for, nunca vais ter o melhor produto final.
Os bares de água já existem em outras partes do mundo mas em Portugal são ainda algo muito recente. Consegue explicar como é que eles funcionam?
A ideia base é democratizar a água, mostrar que existem muitas e que, quase sempre, são super diferentes. Incentivar as pessoas a provar. Contudo, a saúde é algo muito importante, este fenómeno está muito direcionado para aí e é precisamente por isso que a Lev decidiu apostar neste serviço. Cada água que poderás provar aqui dará qualquer coisa diferente ao teu corpo, e não falamos só de sabor (que também podes escolher) mas sim de propriedades minerais e nutricionais. As pessoas devem escolher as águas mediante aquilo que elas lhes podem dar.
Mas é importante perceber que a água não é um remédio. Quanto muito um suplemento, não?
Sem dúvida, tens toda a razão. Não posso dizer que é um remédio, apesar de achar que é. Se bebermos água “boa” desde bebés e até ao fim, seremos mais saudáveis, de certeza. Há uma série de eventuais problemas de saúde que eles vão evitar logo de início, tenho 100% de certeza disso. O teu corpo percebe água natural e mineral porque, lá está, é quase só composto por ela.
Então e que condições físicas podem ser melhoradas com o consumo de água?
Muitas águas têm uma boa dose de magnésio ou sódio, que faz muito bem ao sangue. Podemos até dizer que o silício faz muito bem às células do cérebro e da pele, por exemplo.
Quais são os países que há mais tempo (e melhor) desenvolvem este tipo de serviços?
Diria a Alemanha, a Áustria e todo o norte da Europa. Na Áustria, por exemplo, existe uma categoria especial para algumas águas que são classificadas como “águas medicinais”, vêm numas garrafas de vidro verde para serem diferenciadas pelo consumidor. Elas são mesmo vistas como remédio, nesses sítios. Em França é proibido dizer que uma água é remédio, mas em países como este e a Alemanha já não.
E são só as águas sem gás que têm estas competências ou as gasosas também?
Ambas funcionam da mesma forma. Tu tens águas que são naturalmente gaseificadas, que vêm da terra já assim e quanto mais gás tiverem, mais minerais contêm.
Também existe quase que um pseudo-mito de que a água com gás ajuda quando nos sentimos mais mal dispostos ou doentes. Isto é verdade?
Sem dúvida que sim. Água com gás ajuda a livrares-te de uma série de coisas que possam estar a perturbar o teu corpo e, quando estás de ressaca, por exemplo, pode ser essencial! Se a beberes no dia seguinte, logo de manhã, ela vai ajudar a oxigenar o teu cérebro e atenuar as dores de cabeça, por exemplo. E claro, ajuda-te a re-hidratares — o álcool seca-te muito.
Em alguns restaurantes perguntam-nos sempre se queremos água lisa ou com gás a acompanhar uma refeição. A escolha de uma ou outra opção pode influenciar a forma como saboreamos ou é apenas uma questão de gosto?
Afeta a forma como saboreamos a comida e o vinho. É mais fácil fazer um pairing de vinho com água lisa do que com gás. Água gaseificada com vinho tinto, por exemplo, deixa-te um sabor a ferro intenso, na boca. Ela deve ser comida nos últimos pratos de um menu de degustação, ajuda-te a digerir tudo muito melhor. Aliás, nós devemos beber água gaseificada depois de todas as refeições, ela facilita muito a digestão.
Falou há pouco das águas nos EUA. Houve por lá uma grande polémica por causa da “Raw Water”, água que era apanhada na natureza sem qualquer tipo de filtração — e muitas vezes retirada de sítios perigosos e/ou contaminados. O que acha disto?
A água deve ser sempre pura e a poluição pode ser um grande problema, dependendo de onde a vais buscar. Se uma nascente for protegida, podes tirar-lhe a água que quiseres, sem medos. Se houver algum tipo de contaminação à volta, derivado de explorações agro-pecuários ou de fábricas, isso pode ser muito perigoso e tens de ter cuidado.
Já teve oportunidade de provar águas portuguesas?
Já, sim! Mas antes já bebia muita água portuguesa. Ainda ontem estive na Healsi, uma marca dos arredores de Lisboa. É ótima. A Pedras Salgadas também é muito boa, mas a Vidago é a minha favorita.
O aquecimento global é um dos temas mais urgentes da atualidade, especialmente na forma como ele influencia a quantidade de água potável à disposição de todos nós. Sente, como sommelier de águas, alguma responsabilidade no que diz respeito a preservação e proteção das reservas de água potável?
Olhemos para esta água [aproxima-se de uma prateleira e pega numa garrafa], a Inland Ice, que vem da Gronelândia, país que é um dos maiores produtores de água pura do mundo. As temperaturas continuam a subir e isso está a fazer com que os glaciares derretam, e com que os níveis médios do mar aumentem — o que irá, inevitavelmente, fazer com que algumas ilhas acabem por desaparecer. Esta empresa está a fazer algo muito interessante: Estão a aproveitar a água que vai derretendo engarrafando-a e comercializando-a. É engraçado pensar que quantas mais garrafas desta marca bebermos mais estaremos a ajudar a que o nível de água não aumente demasiado [risos]. É interessante pensar que esta água em específico é das mais antigas do mundo, manteve-se congelada por mais de cinco mil anos, segundo as datações de carbono que lhe foram feitas. Isto também pode ser interessante porque ela pode resolver muitos problemas em determinados sítios de África, onde o acesso a água potável é reduzido — o único problema é fazer com que ela chegue lá. Seja como for, nós nunca podemos não pensar na terra e na sua preservação.