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TIAGO COUTO/OBSERVADOR

TIAGO COUTO/OBSERVADOR

Alunos de 18. A receita que dá médias altas tem muitos ingredientes

Pais mais empenhados, concorrência entre os melhores, mentes brilhantes e uma pitada de notas inflacionadas. Há várias explicações para o aumento de médias elevadas.

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“Nunca dei mais de 18.” Quando Eduardo Marçal Grilo era professor do Instituto Superior Técnico, a mesma instituição em que se formou em Engenharia Mecânica, eram poucos os alunos que entravam com médias de 17 valores e uma nota de 14 dava direito a quadro de honra em qualquer escola do país. “Se calhar foi um erro e até havia alunos mais inteligentes do que o professor”, diz o antigo ministro da Educação, sobre as notas que deu entre 1973 e 76.

No ano passado, na mesma instituição de Lisboa, os 212 alunos que ficaram colocados nos cursos de Engenharia Aeroespacial e de Engenharia Física Tecnológica entraram todos com médias acima de 19 valores. O aluno que teve a nota mais baixa, e por isso, o último a ser colocado, entrou com 19,13. Aconteceu em ambos os cursos.

Em 2020 as médias de entrada subiram e isso era esperado. A pandemia de Covid-19 obrigou a muitas mudanças na educação e algumas afetaram diretamente as candidaturas ao ensino superior. Os exames nacionais tiveram blocos opcionais e se o aluno optasse por responder a todos contava apenas o que tivesse melhor classificação. Para além disso, o número de provas exigidas também diminuiu: só foi preciso fazer as que contavam como específicas para acesso ao ensino superior.

Os bons resultados do ano passado levam Fontaínhas Fernandes a questionar o sistema. “Julgo que é altura de analisarmos se os alunos devem fazer todos os exames que faziam ou apenas as cadeiras que são necessárias para entrar no curso.” A diminuição do número de provas feitas por aluno “deu-lhes mais tempo para se focarem”, o que o presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior considera positivo.

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Se o ano passado pode ser visto como exceção, a verdade é que as médias de entrada estão mais elevadas se compararmos a realidade de vários cursos entre 1997 e 2019, um espaço de 22 anos, para evitar olhar para os valores fora de padrão do ano em que a pandemia chegou a Portugal. Engenharia Aeroespacial, que tem sido nos últimos anos um agregador de bons alunos, é um desses exemplos: em 1997, o último colocado entrava com 15,5 valores. Em 2019, o salto é enorme e passa para 18,95. Nesse mesmo ano, a média de entrada de todos os colocados no curso era de 19,07, enquanto que se recuarmos 22 anos ficava nos 16,89 valores.

O que é que aconteceu neste período temporal que justifique uma subida de médias tão elevada? Pais mais empenhados, concorrência entre os melhores estudantes e entre as escolas, inflação de notas e mentes verdadeiramente brilhantes. Há várias explicações apontadas pelos professores ouvidos pelo Observador.

“Tenho muita dificuldade em falar da nota. Não consigo comparar uma prova de 2000 com uma de 2020 porque não conhecemos o seu grau de complexidade”, argumenta Marçal Grilo, dizendo que gostava que esta realidade mudasse. “Devia haver um esforço para tornar mais compreensível o tipo de avaliação que estamos a fazer”, defende o presidente do Conselho Geral da Universidade de Aveiro (em fim de mandato), o que também permitiria fazer comparações com os resultados obtidos pelos estudantes ao longo dos anos.

Sobre Engenharia Aeroespacial e os 120 alunos que entraram com média superior a 19 valores, Marçal Grilo não desvaloriza, mas também não tem como justificar. “A Engenharia Aeroespacial é a coqueluche”, diz. “São todos Einstein? Não sei. São, com certeza, todos muitos bons estudantes, porque uma média de 19 não é normal, seja o exame difícil ou fácil. Mas era preciso perceber como é que estes rapazes e raparigas se comportam no Técnico e na sua vida”, afirma o professor que gostava de ver feito um stress study, que acompanhasse esses alunos ao longo de vários anos.

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Um sistema a precisar de calibração

“Não lhes quero tirar mérito, mas se calhar a escala está desajustada. Não é possível ter tantos alunos de 19, não somos todos excelentes”, diz Ana Costa Freitas, reitora da Universidade de Évora. “Faz-me confusão, o sistema não estará bem calibrado.”

Em 1997, em oito cursos superiores todos os alunos entraram com mais de 18 valores, mas a variedade era pouca — cinco eram de Medicina e os demais de Medicina Veterinária. Andando para a frente no calendário, o cenário altera-se. Em 2019, havia 10 cursos em que todos entraram com média acima de 18, mas só 3 são de formação de médicos. Os restantes são de Engenharia (5) e dois são de Matemática.

“Julgo que é altura de analisarmos se os alunos devem fazer todos os exames que faziam ou apenas as cadeiras que são necessárias para entrar no curso.” 
Fontaínhas Fernandes, presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior

Ao longo dos anos, os cursos de Medicina são os que sofreram menos oscilação nas notas, assim como os de Arquitetura, outro curso que nos anos 1990 concentrava alguns dos alunos com notas mais altas do país.

A grande mudança é nas engenharias, que não só passaram a ser cursos mais procurados, como passaram a receber estudantes com notas mais altas. Noutros dois cursos ministrados no Técnico, e que têm recebido alguns dos alunos com médias mais elevadas, verifica-se isso mesmo. Em Engenharia Informática e de Computadores e em Engenharia Física Tecnológica, em 22 anos, as médias do último classificado dispararam. No primeiro curso subiu de 15,25 para 18,88 valores. No segundo, partiu do mesmo valor (15,25) e chegou aos 18,65.

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Em 2020, em ambos os cursos, o último aluno a entrar tinha uma média de 19,13.

Como é que se explica? A reitora de Évora diz que, de forma consciente, não consegue responder à pergunta. Arrisca que talvez haja alguma inflação de notas, mas prefere antes apontar para as diferenças evidentes entre as gerações de alunos separadas por mais de 20 anos. “Há quem diga que chegam mais mal preparados. Penso que vêm preparados de forma diferente. Têm um manancial de informação que nós não tínhamos, acesso a muita coisa, e temos, por vezes, dificuldade em perceber, de facto, em que ponto estão”, argumenta Ana Costa Freitas.

É nos bancos do secundário que começa a competição

Para o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, a principal explicação é a concorrência entre alunos. “O stress competitivo começa cada vez mais cedo, logo no secundário”, diz Carlos Robalo Cordeiro, considerando que a competitividade entre alunos leva os jovens a concentrarem-se na obtenção de bons resultados, mais agora do que no passado. E embora não descarte que possa existir alguma inflação de notas, lembra que entre as escolas — que querem apresentar bons resultados aos pais — a competitividade também é grande.

A inflação de notas — mesmo havendo auditorias que mostram que o problema existe — não é, para Mariana Gaio Alves, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), a explicação da mudança. “Penso que tem a ver com a pressão da procura. Quanto mais alunos procuram um curso, mais as notas vão subindo.”

Em 1997, em Engenharia Aeroespacial havia 35 vagas para 185 candidatos. Em 2019, 92 lugares para 539 alunos interessados.

“O que não é expectável é que estes alunos tenham médias altíssimas e não possam escolher o curso que querem. Que país é este, onde um aluno tem 19 valores e não consegue entrar no curso que pretende?”
Maria José Fernandes, presidente do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA)

Por outro lado, Mariana Gaio Alves diz que há tendências visíveis: “Os estudantes com melhores notas têm muitos apoios fora da escola, explicações, cursos de várias naturezas… Estamos a falar de estudantes em que as famílias fazem um grande investimento para que possam ingressar no ensino superior.” O problema, aponta a presidente do SNESup, é que nem todas as famílias o podem fazer e isso gera diferença de oportunidades, cabendo ao Estado ter políticas públicas que garantam a igualdade de acesso ao ensino superior.

É também do papel da família que fala a presidente do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), que não considera correto apontar a inflação de notas. Quando terminou o secundário, entrou com média de 13 valores em Gestão, um curso onde o ano passado todos os alunos entraram com nota superior a 18. Nessa altura, os encarregados de educação eram muito diferentes dos atuais. “Quando estudei, há 30 anos, os meus pais não me acompanhavam como eu acompanho a minha filha. Hoje, nós acautelamos muito o sucesso dos nossos filhos”, defende Maria José Fernandes, argumentando que o nosso modelo cultural mudou.

“O que não é expectável é que estes alunos tenham médias altíssimas e não possam escolher o curso que querem. Que país é este, onde um aluno tem 19 valores e não consegue entrar no curso que pretende?”, critica a professora.

Nota mínima para entrar e muito treino para os exames

Há uma multiplicidade de fatores que explicam a subida de médias, na opinião de Pedro Dominguinhos, presidente do Instituto Politécnico de Setúbal. Para começar, uma alteração legal, que vigora desde 2005, quando Mariano Gago era ministro do Ensino Superior. “Quando passou a haver a nota mínima de acesso, isso obrigou os candidatos a fazer um esforço adicional para ter os mínimos olímpicos”, diz o professor que é também presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP).

Antes das mudanças impostas no primeiro Governo de José Sócrates, era possível entrar no ensino superior com média negativa, algo que sucedia todos os anos. No curso de Física, por exemplo, da Faculdade de Ciências do Porto, o último colocado entrou com 7,9 valores em 1997. Em 2019, a nota era de 17,63.

A medida foi contestada na altura, já que se considerava que iria excluir o aluno médio, levantando o problema de elitismo nas faculdades e politécnicos. “O único conselho que posso dar aos estudantes é que estudem para obter essa qualificação mínima, porque nós precisamos de pessoas qualificadas para entrarem no ensino superior”, dizia, em 2005, Mariano Gago.

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Nesse ano, havia quase 39 mil (38.976) candidatos para mais de 46 mil vagas (46.399) e diplomavam-se 68.073 portugueses. Em 2020, a base foi alargada: 62.561 alunos tentavam agarrar uma das 56.121 vagas disponíveis na 1.ª fase do concurso de acesso. No final do ano, eram entregues 85.799 diplomas. E, no último trimestre de 2020, a taxa de escolaridade do ensino superior entre jovens dos 30 aos 34 anos chegou aos 43%, ultrapassando, pela primeira vez, a meta da Estratégia Europa 2020: chegar, no mínimo, aos 40%.

“No Técnico, dei aulas a esses alunos de Engenharia Aeroespacial. Não me venham falar em inflação de notas, eles são jovens extraordinários, são brilhantes, o melhor que existe. Portugal nunca teve tanto talento.”
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico

Para além da nota mínima, Pedro Dominguinhos apoia a ideia do diretor da Faculdade de Medicina de Coimbra e aponta também a maior concorrência que existe entre escolas e alunos, muito maior do que no passado. “Os alunos estão mais direcionados e há uma grande focagem nos exames. A preparação é muito afincada e há aqueles que ainda complementam os estudos com explicações.” Sublinha ainda mais dois fatores: a valorização social do ensino superior, muito maior do que nos anos 1990, e o aumento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, que leva os alunos a prepararem-se mais cedo.

Alunos são diamantes que só é preciso lapidar

Quem trabalhou de perto com os alunos que conseguem médias excecionais, não hesita em usar esse mesmo adjetivo para descrevê-los: “No Técnico, dei aulas a esses alunos de Engenharia Aeroespacial. Não me venham falar em inflação de notas, eles são jovens extraordinários, são brilhantes, o melhor que existe. Portugal nunca teve tanto talento”, defende Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

Para além da qualidade dos alunos, o professor aponta ainda como fator determinante a formação das famílias e a qualidade do ensino para a subida das notas médias com que estes jovens chegam às faculdades.

“Temos tendência para ficar desconfortáveis quando vemos muito bons resultados. Uma das explicações é que o ensino secundário está a melhorar, funciona muito melhor do que há 40 anos”, frisa Rogério Colaço, recordando que da sua turma do 12.º ano apenas quatro alunos seguiram para a faculdade. “Hoje, em qualquer turma da província ou da cidade é mais provável haver quatro alunos que não entram na faculdade do que o contrário.”

O papel dos encarregados de educação é igualmente fundamental, na opinião do professor, e os estudos científicos sustentam-na, já que mostram que a escolaridade das mães é o principal determinante do sucesso académico dos filhos. A radiografia do país, quando se aponta à escolaridade das mulheres, mostra bem a diferença. Em 1997, havia 27.304 mulheres licenciadas. Passados 22 anos, o número cresce para 48.660. Comparando os dados dos Censos, em 1991, 14,1% das portuguesas eram analfabetas. Em 2011, o valor desce para 6,8%.

“Há medida que a formação das famílias melhora isso reflete-se em casa, nos filhos. A proporção de pais com estudos superiores é muito maior do que há 20 ou 30 anos, quando muitos alunos tinham pais analfabetos”, argumenta Rogério Colaço. Sobre os seus alunos, não tem grandes dúvidas: “Estes 1.700 alunos são diamantes que entram no Técnico, e a nós cabe-nos lapidar esses diamantes, com muito cuidado, para ficarem melhores e mais bonitos.”

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