“Acredito tanto nos planos da Rússia para controlar a Europa como acreditei nas armas de destruição massiva no Iraque”. A frase é de João Oliveira, o candidato comunista às eleições europeias, e espelha o que foi a discussão quente sobre o apoio militar à Ucrânia na fase final do debate que juntou, esta segunda-feira, os cabeças de lista da CDU, IL, Chega e PAN. Num confronto que aqueceu particularmente quando chegou a este último tópico, os comunistas viram-se acusados de manterem uma “amizade” com Vladimir Putin (“mentiras”, atirou João Oliveira), enquanto o Chega garantiu que não vai assumir posições pró-Rússia em Bruxelas  (ao contrário de partidos que integram a sua família europeia) e o PAN se definiu, neste tema, como o “adulto na sala”.

O debate agitou-se particularmente nesse tópico, com acusações duras disparadas sobretudo por João Cotrim Figueiredo contra os comunistas, mas não se ficou por aí: além do investimento em Defesa, os candidatos pronunciaram-se sobre o combate à desinformação — houve quem recusasse “ministérios” ou “secretarias de Estado” da verdade e o Chega chegou a defender que é a verdadeira vítima do “discurso de ódio”. A discussão tocou ainda os temas do crescimento europeu e das regras orçamentais da UE, comparadas por João Oliveira às do tempo da troika.

Ucrânia: “tiranetes”, amigos de Putin e a “carne para canhão”

Neste ponto, a discussão começou pela necessidade, ou não, de a UE investir em armas, mas rapidamente foi parar à Ucrânia. E foi aqui que a disputa entre liberais e comunistas se tornou particularmente evidente: se João Oliveira começou por argumentar que “o mundo já gasta dinheiro a mais em armas” e que deve haver o fim de uma corrida ao armamento que só serve para que haja cidadãos a “morrer em nome das guerras da NATO”, rapidamente Cotrim Figueiredo começou a interromper, perguntando ao candidato da CDU como se defenderia se fosse ucraniano.

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A partir daí, a discussão subiu de tom: Cotrim defendia que enquanto “houver Putin”, ou “tiranetes e sanguinários” com projetos imperialistas, alguém tem de “lhes fazer frente e estar armado” em defesa do mundo livre, acusando o PCP de ter uma visão “lírica e irresponsável” sobre o assunto; e João Oliveira respondeu defendendo que os ucranianos estão a ser usados como “carne para canhão”, recusando proximidades a Putin e disparando contra o liberal: “Não seja ofensivo nem mentiroso”. 

O candidato comunista acabaria mesmo por comparar a ideia de que a Rússia quer controlar a Europa com o pretexto da suposta existência das armas de destruição massiva que serviu para justificar a invasão do Iraque, sentenciando que este discurso sobre os planos de Putin não passa de “propaganda de guerra”.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Enquanto Tânger Corrêa se viu obrigado a distanciar-se de partidos pró-russos que fazem parte da família europeia do Chega (que disse só integrar porque quando entrou o Chega era um partido pequeno e precisava de ser acolhido por algum grupo), assegurando que nunca fará parte de iniciativas contra a Ucrânia, o candidato do PAN, Pedro Fidalgo Marques, acabou a autoproclamar-se o “adulto na sala” porque, mesmo sendo contra a “violência”, defende o apoio militar à Ucrânia (“o papel dos ecologistas é colocar flores nas armas, não é aumentar o armamento”, atiraria ainda João Oliveira).

Desinformação: IL e CDU contra restrições, Chega diz que minorias mandam

Neste ponto, IL e CDU encontraram uma concordância (parcial): se Cotrim Figueiredo se referiu às limitações dos discursos identificados como desinformação como uma forma de criar um “ministério da Verdade”, preferindo opções como um maior investimento nos fact checks e nas ferramentas de deteção de desinformação, João Oliveira também se posicionou contra a “censura”, mas considerou que até os fact checks funcionam como uma espécie de “secretaria de Estado da Verdade” — para a CDU, o ideal é que os cidadãos sejam formados para terem “capacidade crítica” e saberem avaliar o que leem e ouvem. Até porque, disse João Oliveira, as “forças reacionárias” estão sempre prontas a recorrer ao campo da desinformação, a “seara em que frutificam as ideias antidemocráticas”, entre pessoas “desinformadas, à mercê dos manipuladores da verdade”.

Mas foi Tânger Corrêa quem lançou ideias que fizeram até com que um dos oponentes (Cotrim) prometesse, ironicamente, ir para casa pensar nas suas teses. Nomeadamente porque, depois de defender que “a liberdade de expressão não pode ter limites”, queixou-se de que o Chega é alvo de discurso de ódio, uma vez que é “ostracizado por tudo o que diz”.

E prosseguiu, acusando as minorias de “tomarem conta do discurso político e da narrativa social” e dizendo não poder aceitar “as ideologias de género e os wokismos”, “elementos destruidores da sociedade”. “Respeitamos as minorias desde que sejam minorias. Agora estarem a impor tudo às maiorias, isso é que não”.

O candidato do PAN ironizou de imediato, sobre a posição que o Chega aceita da parte das minorias: “Desde que estejam quietas…”. E defendeu que “tem de haver uma linha vermelha no discurso do ódio, porque ele mata”, argumentando a favor do investimento em mecanismos que travem informações falsas, muitas vindas “da extema-direita e da Rússia”.

Regras da “troika” de volta e soluções para um crescimento insuficiente

Os quatro candidatos passaram alguns minutos a discutir estratégias para fomentar o crescimento da UE, assim como a analisar as regras orçamentais aplicadas por Bruxelas — um tópico em que a IL ficou mais isolada, com os outros partidos a criticarem essas regras e o comunista João Oliveira a compará-las às que foram aplicadas no tempo da troika.

Neste tópico, Tânger Corrêa disse ser “contra o reforço das normas orçamentais controladas pela Comissão Europeia”; João Oliveira falou de um pacto que, mais do que de Estabilidade, é “de austeridade” e “já pouco se distingue dos tempos da troika” no controlo das despesas ao nível nacional; e Fidalgo Marques defendeu investimentos maiores na transição climática.

O candidato do PAN acabaria por acusar o Chega de querer “pôr em causa o estilo de vida dos portugueses” e de se colocar numa família europeia que quer “destruir o projeto europeu”, sentenciando que sentados à mesa estavam sentados dois candidatos de partidos europeístas (o próprio PAN e a IL) e dois anti-europeístas (PCP e Chega).

Quanto ao crescimento que falta à UE, foram apresentados caminhos diferentes. Desde logo por Cotrim Figueiredo, que traçou um diagnóstico negro — “A Europa está a ficar para trás e as pessoas não têm noção da dimensão deste atraso”, sentenciou — e defendeu uma maior integração dentro do mercado único, com a Europa a voltar a “manter os olhos na bola” e nos objetivos do crescimento, da paz e da defesa das liberdades. “Esta facilidade de circular pessoas, ideias e capitais pode voltar a fazer a Europa crescer”, argumentou.

O argumento foi desmentido por Tânger Corrêa — “não é por haver uma maior integração europeia que a Europa vai ser mais competitiva”, assegurou o candidato do Chega. E, como seria de esperar, também João Oliveira defendeu uma ordem de prioridades diferente, com foco nos setores produtivos de cada país e um investimento, no caso português, dirigido à reindustrialização do país: “Só com uma aposta decisiva na indústria somos capazes de garantir uma economia capaz de enfrentar os desafios do futuro”. Mais uma vez, aqui não houve acordo.