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Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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António Costa: "Foi com a ilusão das sondagens que perdemos a câmara de Lisboa"

Em entrevista na Rádio Observador, líder do PS não exclui vir a negociar orçamentos com o PSD. Avisa ainda eleitores do PS para se lembrarem que perderam Lisboa por acreditarem nas sondagens.

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No fim da primeira semana de campanha e a dois dias do voto antecipado, António Costa esteve no Sob Escuta especial Legislativas e admitiu que, na próxima legislatura, se não tiver maioria, está livre para negociar “iniciativas” (leia-se, orçamentos) com “partidos que não o PCP ou o BE” (leia-se, o PSD). Hábil, António Costa não diz diretamente que vai procurar acordos com o PSD se tiver um Governo minoritário, mas é isso que explica ao longo de três respostas da entrevista e fá-lo em negação: “Não posso dizer agora aos portugueses que vamos simplesmente continuar a geringonça”; “Não tenho confiança para dizer: não faremos outras soluções que não sejam com o BE e o PCP”.

Sem maioria absoluta — realidade que parece mais longe nas últimas sondagens — António Costa mantém a porta aberta para todos: para negociar com BE e PCP  (“eu derrubei os muros e não os vou erguer”, repete) e para negociar com PSD (“negociar com os diferentes partidos cada iniciativa”).

António Costa admitiu ainda pela primeira vez a hipótese de reprivatizar a TAP, pois já tinha revelado que queria vender 50% da companhia aérea, mas agora já diz: “Pode ser que consigamos alienar um pouco mais do que os 50% do capital da TAP”.

Ao contrário de Rio, Costa não desvaloriza as sondagens e adverte que foi com “ilusões” das sondagens que davam o PS em primeiro que “já se perdeu a câmara de Lisboa”. Diz ainda que há “propostas do PAN que são absolutamente inaceitáveis” e que conta mais consigo próprio do que com Marcelo para controlar uma eventual maioria do PS. Vai ainda ao passado para acusar Marques Mendes de ter sido o “ministro da propaganda” de Cavaco, que fazia “alinhamentos de telejornais” na “televisão única” (a RTP).

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[Veja aqui o essencial da entrevista a António Costa:]

“Com tranquilidade, asseguro que não vou para cargo europeu”

A maltesa Roberta Metsola foi esta semana eleita nova presidente do Parlamento Europeu. Como ela é do PPE, há a possibilidade de que o substituto de Charles Michel como presidente do Conselho Europeu, a partir de Maio de 2022, seja um socialista. Pode garantir-nos que não vai ocupar esse cargo?
Posso, com tranquilidade. Quando Charles Michel foi eleito há dois anos e meio, o acordo que foi feito para a sua reeleição dois anos e meio passados. Houve um acordo entre as diferentes forças políticas sobre a repartição dos cargos ao longo dos mandatos e aconteceu o que estava previsto no Parlamento Europeu, em que a presidência deixou de ser socialista e passou para o PPE, mas ficou acordada a estabilidade quer da Comissão quer do Conselho.

Não foi Weber que foi para esse lugar como estava previsto, mas a composição do Parlamento é a mesma…
Mas isso foi porque o próprio desistiu. O acordo que havia e foi cumprido é que esta segunda metade doi mandato caberia ao PPE, na altura previsa-se que fosse Weber mas ele próprio preferiu não ser, para ir ser candidato a presidente do PPE.

Já disse que, se não ficar em primeiro nas eleições, se demite. Não vai para um cargo europeu em nenhuma circunstância ou se já não for líder do PS tem essa disponibilidade?
O que estamos neste momento a discutir e já não é pouco é o que os portugueses pretendem no próximo dia 30 e aquilo que desejo é que correspondam à minha vontade de prosseguir o trabalho, de continuarmos a avançar enquanto primeiro-ministro e centrar esta fase da campanha no debate das propostas programáticas de uns e outros. É manifesto que todas as sondagens mostram que há um elevado número de indecisos, a única forma de as pessoas poderem decidir é terem de forma muito clara o que está em jogo. E as diferenças programáticas entre PS e PSD são hoje muito evidentes para o que interessa à classe média que é se vão ter ou não mais rendimentos.

Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“A semana de quatro horas não é uma questão central”

Vamos então a essas diferenças. No programa do PS propõe que se estude a aplicação da semana de quatro dias de trabalho a alguns sectores. Quais sectores?
Não é uma questão para amanhã. Há outras questões que estão colocadas já para amanhã,  que resultam do Orçamento do Estado, desde logo a redução dos impostos, o aumento das pensões e dos salários. Depois há questões de fundo que a pandemia tornou inadiáveis e o que está no programa é uma questão que deve ser discutida serenamente em concertação social que tem a ver com a organização do trabalho. Não o tempo do trabalho, mas a organização. No âmbito das negociações da conciliação da vida familiar com a profissional, essa questão da semana dos quatro dias pode ser relevante e que se coloque de uma forma diversa ao longo da vida. Pode acontecer que as famílias e as empresas possam acordar que, enquanto têm crianças pequenas, tenham menos dias de trabalho.

Mas admite a semana de quatro dias de trabalho nos hospitais? Nos tribunais?
Há várias formas de organização do trabalho, por exemplo a Câmara de Mafra há vários anos pratica a semana de quatro dias. Há muitos setores onde há trabalho por turnos onde isso acontece. Há muitos setores onde há trabalho por turnos onde isso acontece, mas não é uma proposta para amanhã, deve entrar na agenda dos parceiros e nesse âmbito serem tidas em consideração.

"A Câmara de Mafra há vários anos pratica a semana de quatro dias"

Mas há uma experiência que é a da Islândia que teve de contratar mais médicos e enfermeiros. Admite aumentar o número de funcionários públicos por causa desta experiência?
A medida não se destina exclusivamente à administração pública e a questão que tem de ser colocada no âmbito da concertação social e depende de sector para sector. Em situações onde há grande carência de recursos humanos dificilmente uma proposta desta não seria acompanhada por um aumento da carga horária. Isso provavelmente ninguém deseja. Outras, voluntariamente, poderão querer trabalhar menos dias e mais horas em cada dia de forma a terem uma vida mais organizada. Esta experiência da pandemia e destes dois anos terríveis, em que tivemos de reinventar novas formas de trabalho, obrigou a todos repensar muito a nossa vida e o tempo que dedicamos a cada uma das dimensões da nossa vida. As pessoas têm hoje uma noção muito diferente do tempo e também descobriram que há novas oportunidades para organizar o trabalho de forma diferente. Mas isso é muito diferente de setor para setor. Essa não é uma questão central, neste momento as questões centrais estão associadas ao Orçamento do Estado para 2022 e, desde logo, a garantia que não vamos ter de viver em doudécimos e andar com o país adiado.

“Para aumentar salário mínimo não terei de ter acordo dos patrões”

Quando propõe no programa “retomar a regularidade das atualizações salariais anuais” na Função Pública refere-se aos habituais aumentos salariais anexados à inflação ou pretende fazer aumentos significativos na função pública, como aconteceu em 2009, por exemplo?
O objetivo é retomar a normalidade, porque esses aumento não têm sido habituais porque desde 2009 deixou de haver essa atualização. Voltámos a ter nesta legislatura, tivemos no ano passado uma inflação negativa, por isso fizemos um aumento em 2020, depois em 2021 não houve por causa da pandemia e neste ano houve um aumento que foi a média que é a inflação do ano anterior. E a partir de agora espero que tenhamos retomado essa normalidade. Mas a nossa posição com a Administração pública não foi fazer grandes ruturas mas devolver normalidade. Descongelámos carreiras, creio que nunca durante tantos anos o sistema de progressões funcionou como tem funcionado. Retomámos a prática da atualização salarial regular e acho que essa regra deve ser permanente. E se continuarmos com uma gestão das finanças públicas responsável como temos tido, vamos conseguir manter.

Ouça aqui a entrevista na íntegra.

“Não posso dizer que vou negociar só com PCP e BE”

Esse aumento de 2,9% como aconteceu em 2009 não está nos planos?
Creio que a inflação não está a evoluir nesse sentido. Felizmente Portugal tem tido uma taxa de inflação mais reduzida no quadro da União Europeia, muito fruto da política energética que temos tido ao longo dos anos, de termos uma menor incorporação de combustível fóssil, maior incorporação de renováveis e isso traduz numa menor tensão inflacionária. Outra coisa é a necessidade de, no quadro das carreiras gerais da administração pública termos de fazer uma valorização muito séria  da carreira e dos salários dos técnicos superiores. Temos verificado ao nível dos últimos anos uma desertificação ao nível dos técnicos superiores. O Estado tem de investir nesse setor e ser competitivo com o privado e isso induzirá uma melhoria significativa dos salários pagos aos recursos humanos mais qualificados no setor privado. Depois há as carreiras especiais que também temos de olhar, mas não podemos consumir todos os recursos com as carreiras especiais e ignorar as gerais.

Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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No seu programa tem também a proposta de aumento do salário mínimo e chegar a 2026 com o valor em 900 euros. Estes aumentos vão avançar independentemente do acordo dos patrões?
O salário mínimo não requer acordo, mas temos feito sempre diálogo com o conselho permanente da concertação social relativamente ao montante do salário mínimo. Tenho encontrado muitas empresas que até dizem que tem de se avançar até mais, esperemos que tenham condições para isso. O mínimo é o mínimo, portanto nada impede  que se avance mais.

É obrigatório para si ter o acordo dos patrões?
Não, nunca foi e não terá de ser. temos sempre fixado metas regulares. Cumprimos a da legislatura anterior, mesmo no ano passado tivemos um aumento menor do que os anteriores mas era especialmente crítico e neste ano já compensámos.

E a trajetória fica a que propôs no fim da negociação do Orçamento do Estado?
Sim, para o ano chegaremos aos 750 e depois teremos três aumentos de 50 euros para chegarmos aos 900.

“A nossa prioridade é descer o IRS, a do PSD é o IRC”

O PS promete dar incentivos fiscais para estimular aumentos dos salários — era dos salários médios que estava a falar.
Médios e sem ser médios.

Como é que isso funcionaria?
Há uma grande distinção nas propostas, entre nós e o PSD, em matéria de IRC. O que o PSD propõe é que o IRC baixe para todas as empresas, independentemente do que façam. Nós, o que dizemos é que vamos continuar a baixar o IRC das empresas — hoje pagam, na prática, menos três pontos percentuais do que pagavam há seis anos —, com deduções muito fortes. Primeiro, nas empresas que reinvistam os seus lucros na capitalização das empresas. Precisamos de ter empresas com capitais fortes, menos dependentes do endividamento da banca. Em segundo lugar, empresas que invistam na sua modernização. Nós temos, no Orçamento do Estado para 2022, de prosseguir o sistema de incentivo à retoma, onde podem deduzir à coleta 25% do que investiram até 5 milhões de euros. Nós temos reduções do IRC para quem crie postos de trabalho. Temos reduções do IRC para quem invista no interior. E vamos acrescentar reduções ao IRC para quem aumente significativamente os salários.

Então, de facto, admite que existe um IRC demasiado elevado sobre as empresas?
O sonho de qualquer Estado é poder fazer cada vez mais e melhor solicitando cada vez menos recursos aos cidadãos. Isso seria a governação ideal. Infelizmente, o mundo não vive de varinhas mágicas onde seja possível isso acontecer. Nós temos de ter um equilíbrio entre aquilo que são os investimentos que são necessários e os recursos que vamos recolhendo aos cidadãos. Conforme a economia tem crescido, nós temos podido desagravar, quer o IRS, quer o IRC. É fundamental, neste momento, acelerar a redução em sede de IRS, porque, ao contrário do que pensa o PSD, acreditamos que, tal como provámos desde 2016, a melhoria do rendimento das famílias é um fortíssimo contributo para o crescimento da economia. E não é só com base no crescimento da economia e com base na procura interna, porque o nosso grande crescimento da economia, aquilo que foi a chave para termos conseguido virar 15 anos de estagnação da economia portuguesa, foi precisamente o crescimento do investimento privado — confiança das empresas — e o aumento das exportações, ou seja, competitividade por parte das empresas.

Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Então, a questão de não baixar o IRC como o PSD propõe, por exemplo, é uma questão apenas de falta de recursos do Estado? Para si, é essa a questão?
É alocar devidamente os recursos do Estado. Com as deduções que nós temos, uma empresa pode ver mais reduzida a sua fatura de IRC do que com as propostas do PSD. Nós concentramos todos os incentivos em função de objetivos: maiores capitais próprios, investimento na modernização das empresas, criação de emprego, melhoria salarial, investimento no interior, apoio à transição energética. O PSD, ao fazer uma descida geral para todos, acaba por descer menos relativamente às empresas que fazem estes investimentos, ou que têm práticas ambientais adequadas. Portanto, é uma questão de alinhamento de políticas. As diferenças em matéria de IRS são mais gritantes e são mais evidentes para todos. O PSD, aquilo que diz, é que o IRS não é uma prioridade. Quando muito, em 2025 e 2026, se tudo correr bem, lá pensará na redução do IRS. Como sabem, o PS, já no Orçamento do Estado para 2022 tem uma redução já do IRS para toda a classe média, para agregados familiares que tenham até 80 mil euros de rendimento anual, redução do IRS para todas as famílias com filhos, redução do IRS para todos os jovens nos primeiros cinco anos de início de carreira. Portanto, há uma redução que não é para 2025 e 2026. É uma redução para já, para 2022.

Há uma proposta do PS que diz que as pessoas que têm um aumento salarial não devem ver isso refletido a nível do IRS. Como é que isto funcionaria? Por exemplo, uma pessoa que passe a ganhar mil euros vai pagar menos IRS do que uma pessoa que já ganha mil euros?
Não. A questão era, aliás, uma norma que está na proposta de Orçamento do Estado para 2022, e que tem a ver com aquelas situações em que num aumento salarial a pessoa muda de escalão e, portanto, acaba por receber menos. Sabemos que, com os aumentos que houve das pensões este ano, temos algumas situações — não são muitas — onde as pessoas, pelo aumento salarial que tiveram, mudaram de escalão e acabaram, por via das tabelas de retenção, por receber em termos líquidos menos do que aquilo que teriam recebido se não tivessem mudado de escalão. Nós temos de ajustar as tabelas de retenção de forma a assegurar que todos os aumentos, seja das pensões, seja dos salários, têm um efeito líquido, e não têm esse efeito penalizador.

Mas como é que isso é feito? Já ouvimos falar em crédito fiscal. Como é que poderia funcionar essa medida?
Não tenho aqui a norma do Orçamento do Estado, mas se for ver a norma do OE para 2022 está lá escrita a norma e explicado como é que se faz esse ajustamento para evitar que essa retenção da fonte acabe por consumir — ainda que provisoriamente, porque as pessoas, no ano a seguir, sendo uma retenção na fonte, recuperam —, para não ter esse efeito líquido negativo de transição de escalão.

Essas medidas para fazer essas compensações, tanto do lado das pessoas que são aumentadas — de quem recebe o aumento e não o verá refletido no IRS — e da parte das empresas, com benefícios a nível do IRC, têm um prazo? Quanto tempo é que teríamos essas medidas em vigor?
Nós temos uma enorme vantagem nesta campanha eleitoral. É que nós temos, não só um programa, como viemos para esta campanha eleitoral com um Orçamento do Estado em concreto. Estas medidas de que eu estou a falar não são promessas eleitorais. São medidas que estavam e estão na proposta de Orçamento para 2022 que a Assembleia da República recusou. Portanto, não vale a pena virem dizer “ah, agora que estamos em eleições é que está a dizer que vai baixa o IRS”. Não. A proposta de Orçamento do Estado que os partidos rejeitaram na Assembleia da República tinha tudo isto. Tinha estas propostas todas. Se tivéssemos tido o Orçamento do Estado aprovado, não só os reformados até 1.097 euros de pensão já teriam recebido o seu aumento extraordinário, como esta redução de impostos já se teria verificado para a classe média, para as famílias com filhos, para todos os jovens no início de carreira. É por isso que nós criámos estes cinco anos de IRS Jovem, para também dar aqui um tempo às empresas, para as empresas se poderem reinventar e encontrarem novas formas. O que é que o IRS Jovem assegura? Assegura que, nos dois primeiros anos, 30% do seu rendimento é isento. No terceiro e no quarto anos, 20% do seu rendimento é isento. E no quinto ano, 10% do seu rendimento é isento.

Disse-o no congresso do PS, disse-o no debate do Orçamento do Estado, já ouvimos essa proposta do IRS Jovem. Sei que lhe chumbaram o Orçamento…
Não, não, mas atenção: no Congresso do PS, que foi em setembro, eu anunciei que iríamos incluir esta medida no Orçamento do Estado. E incluímos no Orçamento do Estado. Só não está em vigor porque o Orçamento do Estado não foi aprovado. Por isso é que, quando dizemos que é necessário uma maioria estável, é uma maioria que permita aprovar estas medidas.

Já lá vamos a essas questões das maiorias que pode ter, mas queria fechar a questão do programa.
Essa é mesmo a parte mais importante. As maiorias são meramente instrumentais para o que se quer fazer.

Promessa falhada. “Não posso obrigar os médicos a seguir uma especialidade”

Promete que 80% dos portugueses vão estar cobertos pela rede de unidades de saúde familiar. Não conseguiu cumprir a promessa de todos os portugueses terem um médico de família. Qual a garantia que os eleitores têm de que esta vai ser cumprida?
Já expliquei que, efetivamente, não conseguimos ainda atingir essa meta de todos os portugueses terem médico de família. Não conseguimos por duas razões. Em primeiro lugar, porque o número de utentes do Serviço Nacional de Saúde aumentou significativamente. E aumentou por duas vias. Aumentou porque muitas pessoas que não estavam inscritas no SNS se inscreveram, umas nacionais, outras residentes em Portugal. Em segundo lugar, e esse foi um efeito muito curioso, muitos dos nossos compatriotas que vivem no estrangeiro, nesta fase da Covid, quiseram retomar a sua relação com o SNS, porque se sentiram em Portugal mais protegidos do que se sentiam nos países onde vivem.

Mas isso foi significativo?
Muito significativo. Não lhe quero estar a mentir, mas é um número muito próximo de um milhão de pessoas que aumentámos de utentes. Não lhe sei dizer se são 870 mil, 930 mil, mas muito próximo de um milhão, o número de utentes que aumentou no SNS. Essa foi uma das variáveis. Outra variável é que nós temos tido em algumas regiões do país — por exemplo, aqui em Lisboa, muito em particular — de fixar médicos na especialidade de Medicina Geral e Familiar. Por isso, nós temos duas propostas no nosso programa de Governo. Uma é criar incentivos para as zonas mais carenciadas. Tipicamente em Lisboa e Algarve, e tem a ver com um fator, que é o custo da habitação. Segundo lugar, generalizar o modelo das unidades de saúde familiar. E porquê o modelo de unidades de saúde familiar? Porque, por fora, parecem iguais aos centros de saúde, mas verdadeiramente têm um sistema de gestão completamente distinto dos centros de saúde. A gestão nas unidades de saúde familiar tem maior autonomia, o sistema remuneratório é contratualizado em função da produção — a produção é uma forma excessivamente tecnocrática para referir à atividade de saúde —, portanto, dos cuidados de saúde prestados por cada um dos profissionais. Portanto, é francamente mais atrativo do que o sistema tradicional dos centros de saúde. Ora, estas unidades de saúde familiar começaram como um projeto piloto, têm vindo a ser alargadas. Durante algum tempo, o Ministério das Finanças teve dúvidas sobre a eficiência destas novas unidades. Foi feito um estudo que demonstrou, indiscutivelmente, a eficiência destas unidades. Portanto, vamos avançar. E o objetivo que temos é chegar até ao final da legislatura com 80% da população coberta por estas unidades de saúde familiar. Estes dois mecanismos, entre os incentivos e a generalização das unidades de saúde familiar, criam condições mais atrativas para os médicos poderem escolher a carreira de Medicina Geral e Familiar. Porque há uma coisa que nós não podemos é obrigar um médico, se quer ser ortopedista, se quer cirurgião ou se quer seguir a carreira de Medicina Geral e Familiar. É uma opção, tem a ver com o gosto, tem a ver com os projetos que podem desenvolver e também tem a ver, obviamente, com as condições remuneratórias que são oferecidas.

Para isso já não se pode comprometer com uma data.
Não. Temos uma data. Até ao final da legislatura, termos 80%.

Médicos de família é que não, era a isso que me referia.
Eu não posso obrigar… Ou nós tínhamos sistemas como já tivemos no passado, porque já houve alturas em que era obrigatório, para prosseguir para a fase da especialidade, fazer X anos obrigatórios no serviço de apoio à periferia. Foi um regime que aconteceu logo a seguir ao 25 de Abril. Hoje em dia, temos mecanismos diferentes. Temos de ter um mecanismo em que contemos com a decisão voluntária dos médicos e não com a obrigatoriedade. Estou a falar dos médicos, ou dos enfermeiros ou de qualquer outro profissional — o voluntariado da adesão.

Está a ver, havia coisas no PREC [que utilizou como argumento contra o PCP em campanha] que davam jeito.
Não sei bem. É porque não viveu o PREC. Eu vivi. É uma experiência única e enriquecedora, mas posso-lhe garantir que quem viveu uma revolução a última coisa que deseja é viver uma segunda.

Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“Pode ser que consigamos alienar um pouco mais do que os 50% do capital da TAP”

Já que falamos em PREC, o que remete logo para nacionalizações, queria falar da TAP. Num dos debates disse que, em 2020, as empresas do senhor Neeleman foram caindo em todo o mundo. Que empresas de David Neeleman é que caíram em 2020?
A Aigle Azur, por exemplo, em França, que foi extinta pelo tribunal e foi procedida à sua liquidação. Agora, relativamente à TAP, o que é muito importante termos em conta é o seguinte: nós nunca nacionalizámos, nem em 2015, nem agora. Comprámos. E não fomos os únicos. O que aconteceu em 2020 é que todas as grandes companhias europeias, a generalidade delas, tiveram forte investimento por parte dos Estados, depois do colapso da aviação civil com o Covid. Foi assim com a Lufthansa, foi assim com a KLM-Air France. O que, relativamente à TAP, nós desta vez podemos ter como certeza é que o plano de reestruturação foi profundamente escrutinado pela União Europeia, e só foi possível viabilizar esta operação porque a União Europeia disse duas coisas: primeiro, que a TAP era necessária; segundo, que aquele plano de reestruturação era viável e a companhia era viável. Em terceiro lugar, nós não tencionamos que o Estado permaneça com a dimensão do capital que tem. Que, aliás, só tem porque os privados não quiseram ou não tiveram condições para acorrer ao reforço de capital de que a companhia necessitou. Portanto, logo que seja possível nós iremos alienar, seguramente, 50% do capital da TAP — ou até pode ser que consigamos alienar um pouco mais do que os 50% do capital da TAP. A única coisa que é necessária é o Estado manter uma posição estratégica, que impeça que a TAP seja arrastada pela vicissitude que atinja qualquer tipo dos seus acionistas. Há, felizmente, companhias que já manifestaram interesse em vir a adquirir as participações do Estado na TAP. Algumas delas, europeias, que foram objeto de ajudas de Estado também, estão ainda neste momento impedidas de proceder a novas aquisições. As informações que tenho é que, brevemente, algumas delas, ou pelo menos uma delas, deixará de estar sujeita a essa restrição.

Portanto, não vai privatizar, vai vender. Não nacionalizou, comprou. Não vai privatizar, vai vender?
Pode parecer uma formalidade, mas não é.

É que apontou a Catarina Martins o facto de ela querer desprivatizar em vez de nacionalizar.
Mas é uma formalidade, que não é. A nacionalização é um ato de autoridade imposto por lei, a compra é um acordo que nós fazemos. Uma coisa é eu expropriar-lhe a sua casa por um ato administrativo, outra coisa é negociarmos entre os dois e eu comprar-lhe a sua casa. Ou chegamos a acordo ou não chegamos a acordo. Aí, não nacionalizei a sua casa, comprei-lhe a casa.

A questão semântica era só porque apontou a Catarina Martins ela referir desprivatizar em vez de nacionalizar.
Esse é que é um truque semântico. A diferença entre nacionalizar e comprar, não é uma questão semântica, é uma questão de ser por acordo de vontades ou de imposição por uma das partes.

O que foi mesmo nacionalizado em 2020 temporariamente foi a Efacec, que estava “à beira da insolvência”. A reprivatização devia ter acontecido até ao fim de 2021, mas falharam essas negociações. O Estado vai ficar com esta empresa até quando?
Acho que é uma empresa muito importante para o futuro do país, as situações conjunturais que a têm afetado têm todas as condições para serem ultrapassadas e é uma questão de tempo poder-se encontrar um interessado que ofereça as condições que sejam aceitáveis para o Estado para se poder fazer a alienação. Nem sempre estes processos relativamente a empresas que têm elevado potencial, mas que estão numa situação conjunturalmente crítica se resolvem com facilidade. Ontem, por exemplo, tivemos uma boa notícia, que uma empresa muito importante na área da confeção, como a Dielmar, que estava em riscos de desaparecer teve finalmente um comprador e vai poder relançar-se. Creio que a Efacec seguramente terá o mesmo destino. Não é só por ser otimista, é por ser uma questão de racionalidade.

Não tem data?
Não tenho data porque houve vários interessados, mas uns foram desistindo, outros foram-se mantendo. A proposta do último interessado não era aceitável da parte do Estado. Enfim, o tempo vai continuando a correr e, portanto, vamos continuar a fazer as negociações. Obviamente neste fase de incerteza política também não é a melhor fase para o Estado negociar porque obviamente os privados compreendem que quem está do outro lado da mesa não está na melhor posição negocial. Portanto, quando terminarmos esta crise política, seguramente o Estado recuperará maior poder negocial do que aquele que tem nesta situação. E acho que não devemos desbaratar as boas condições negociais para resolver um problema, quando ele pode ser resolvido daqui a um mês.

"Portanto, logo que seja possível nós iremos alienar, seguramente, 50% do capital da TAP — ou até pode ser que consigamos alienar um pouco mais do que os 50% do capital da TAP. A única coisa que é necessária é o Estado manter uma posição estratégica"

“Não posso dizer que vamos simplesmente continuar a geringonça”

Entrando aqui na questão da governabilidade: procura a maioria absoluta, mas também já disse que se isso não acontecer pode governar naquele modelo clássico de António Guterres. Os Orçamentos de António Guterres foram aprovados à direita, com o PSD, com o CDS, com um deputado do CDS. Admite fazer isso para se manter do poder?
Acho que temos ocupado excesso de tempo da campanha eleitoral com uma discussão que verdadeiramente não depende da discussão entre os partidos, depende única e exclusivamente da vontade dos portugueses. E eu acho que os portugueses já têm toda a informação dos diferentes partidos políticos para, no próximo dia 30, poderem votar em consciência e decidirem. O ter maioria ou não ter maioria não é uma proposta política, é o resultado da soma aritmética dos votos. Estamos aqui quatro pessoas neste estúdio, nenhum de nós, com a exceção de mim próprio, porque presumo que saibam onde vou votar, ninguém sabe como é que os outros vão votar. E, portanto, não podemos combinar entre nós se o partido A vai ter maioria ou se o partido B vai ter minoria.

Mas a sua posição é diferente, porque é o candidato.
Depois os nossos quatro votos contados, sabemos que pelo menos o PS tem um voto. E depois logo veremos se tem mais votos ou se os outros partidos têm mais votos. Portanto, as maiorias são um resultado da decisão dos portugueses e não a expressão da vontade dos portugueses porque, se fosse assim, estávamos todos empatados. Não acredito que haja um único líder partidário que não tenha por objetivo ter o melhor resultado possível e ter a maioria, portanto não tenho uma ideia original.

É uma certeza que ninguém tem. Em 2015 também não a tinha e agiu em conformidade com essa incerteza. Agora pergunto-lhe: perante esta incerteza colocou em cima da mesa, de facto, essa alternativa. Essa alternativa já foi praticada, já aconteceu em Portugal, esteve nessas negociações, sabe que os orçamentos foram aprovados à direita, é isso que vai acontecer?
Em 2015 deu-se um passo muito importante que foi termos derrubado muros. E eu, que derrubei esses muros, não os vou reerguer. E, portanto, não vou dizer que nunca mais falo com os partidos à esquerda. Tenho mesmo muita pena que os partidos à esquerda, este ano, em vez de terem querido viabilizar pelo menos na generalidade o Orçamento e prosseguir as negociações, tenham decidido somar os seus votos aos votos da direita e chumbar o Orçamento.

Apesar de já ter dito também que é imperdoável isso.
Eu recordo o seguinte: na atual legislatura, o PS sozinho tinha mais votos que toda a direita junta. PSD, IL e Chega tinham menos deputados do que o PS. Bastava o Bloco de Esquerda não terem somado os seus votos aos votos da direita para que o Orçamento tivesse sido viabilizado. Bastava terem-se abstido. Podiam ter simplesmente dito: olhe, este não é o Orçamento que nós queremos, vamos abster-nos na especialidade, vamos negociar na especialidade e reservamos para um voto para a votação final global. Não quiseram fazer isso, quiseram mesmo derrubar o Governo. Pronto, e agora está devolvida a palavra aos portugueses e os portugueses agora decidirão como é vamos viver a seguir. É claro para todos e é o que eu sinto da parte das pessoas é que as pessoas querem uma solução estável. Ninguém quer andar de crise política em crise política, com governos provisórios de dois anos. E percebem que as escolhas que têm pela frente são muito claras.

"Não tenho confiança para dizer aos portugueses: não faremos outras soluções que não sejam com o BE e o PCP"

Para ficar absolutamente claro, porque faz parte do seu histórico: pode dizer que vai privilegiar a esquerda desta vez se não tiver a maioria absoluta?
Toda a gente me conhece e, aliás, disse-o e reafirmei-o no debate de encerramento do Orçamento: eu nasci à esquerda, a esquerda é a minha família. Agora, isto dito: eu não estou hoje em condições de dizer aos portugueses o mesmo que disse há dois anos. Há dois anos disse aos portugueses o seguinte: a geringonça provou bem aquilo que eu quero e o que proponho é a continuação da geringonça por mais quatro anos. E não traí a minha palavra porque ao longo destes anos, por mais do que uma vez, podíamos ter tido a tentação de — perante as dificuldades de haver entendimento com o BE, que já em 2020 resolveu romper connosco ou das dificuldades da negociação do Orçamento deste ano, podíamos ter dito: vamos esquecer o Bloco de Esquerda e o PCP e vamos dar o dito por não dito e vamos negociar o Orçamento com o PSD. Não o fiz. Se o tivesse feito, quem sabe se não teríamos poupado esta crise.

Mas agora pode fazer, é isso?
Não posso dizer agora aos portugueses que vamos simplesmente continuar a geringonça porque o Bloco de Esquerda e o PCP romperam com a geringonça. Somaram os seus votos.

Mas já disse mais do que isso: disse que é imperdoável o que fizeram e que não tem confiança no PCP. A minha questão é: já estão excluídos?
Já disse que não vou reerguer muros que derrubem em 2015. Agora não posso dizer que tenha confiança para dizer: não faremos outras soluções que não sejam com o BE e o PCP. Portanto, como temos como hipóteses: uma, o PS tem maioria e aí continuemos a dialogar com todos, gerando consenso, sabendo ouvir, sabendo dialogar; segundo lugar, o PS não tem maioria, aí terá de negociar com os diferentes partidos cada iniciativa na Assembleia da República. Dir-me-á: é melhor? Não, eu acho que é pior. Levamos mais tempo, é mais difícil e mais demorado. Mas difícil, difícil foi mesmo enfrentar a pandemia.

E pode resultar numa governação do PS mais à direita?
O PS não poderá governar mais à direita porque não é um partido de direita. O que acontecerá, seguramente, é que o PS, negociando com quem quer que seja, não está disponível para ceder a tudo só para se manter no poder. Porque se quiséssemos, se tivéssemos essa visão de que não ha limites, bom, tínhamos tido o PCP —  e em invés de ter tido só o maior aumento do salário mínimo nacional de sempre — teríamos tido, como o PCP pedia, o dobro e hoje tínhamos aqui um conjunto de empresas aflitas a saber como podiam pagar o salário mínimo nacional. Se nós quiséssemos chegar e manter o poder a qualquer preço, teríamos cedido ao BE numa proposta que punha em causa a sustentabilidade da segurança social, portanto, há uma coisa que os portugueses acham e acho que podem ter essa garantia: o PS estará sempre disponível para negociar com todos, para falar com todos, agora, obviamente, não está disposto para ceder a qualquer preço. Há uma coisa fundamental chamada interesse nacional e todos nós gostaríamos que o salário mínimo nacional pudesse subir mais do que 40 euros, chamo a atenção que este foi o maior aumento salarial de sempre. Nunca houve um aumento salarial tão grande como o deste ano. Agora, o que eu não posso e para responder ao aumento do Salário Mínimo, é pôr em causa a subsistência de empresas, sobretudo empresas que estão a sair de uma crise gravíssima.

“Há propostas do PAN que são absolutamente inaceitáveis”

Neste momento já tem uma coisa  por certo: Só o PAN se mostrou disponível para viabilizar o OE, a vantagem que tem se entrar em funções como primeiro-ministro. Se não tiver maioria absoluta no dia 30, o Orçamento, que até exibiu na televisão, vai para o lixo? 
Não, acho que esse OE, espero que não vá para o lixo e que seja finalmente aprovado. Não sei se até reparou ninguém apresentou uma crítica ao orçamento.

Chumbarem é mais do que uma crítica.
Mas chumbaram porquê? Chumbaram por temas que nada tem a ver com o orçamento. O PCP chumbou porque não tinha o aumento do salário mínimo nacional que desejava, ora o salário mínimo não é fixado no orçamento. É fixado num ato parte, já está fixado para este ano. Portanto, é um tema que não tem a ver com o orçamento. O BE das nove condições que colocou sete tinham a ver coma legislação laboral, que nada têm a ver com o orçamento. Uma tinha a ver com o estatuto do serviço nacional de saúde, que não tem nada a ver o orçamento. A única que tinha a ver com o OE nós aceitámos. Eles chumbaram o orçamento, sejamos claros, por uma opção política. Porque quiserem derrubar mesmo este governo.

Eles dizem o mesmo de si, que foi opção política sua…
Mas pode dizer-se o que se quiser, mas há uma prova dos factos. Há uma coisa que ninguém pode, ninguém percebe e ninguém acredita: é que o único partido que votou a favor do OE era o partido que não queria que o orçamento fosse aprovado e que queria uma crise política. Isso é uma história que não convenceu e que não convence ninguém. Toda a gente percebeu como é que esta crise política surgiu e como é que ela surgiu. Portanto, temos de garantir que ela não se repita. O que é que isto significa? Estamos disponíveis para falar com todos e com todos há pontos em que nunca estaremos de acordo. Dei exemplos do PCP, dei exemplos com BE. Ainda ontem no debate que tivemos nas outras rádios, onde o Observador não esteve, dei o exemplo, por exemplo, com o programa do Livre para nos absolutamente inaceitável, que é a disponibilidade de o Livre considerar o recurso à energia nuclear.

Isso do nuclear já foi do debate de ontem.
Com o PAN também há: há propostas do PAN que são absolutamente inaceitáveis. Vamos lá ver, as negociações com o PAN são conhecidas coisas que nós aceitámos, bom, depois há todas as outras que não aceitamos.

Tem de dizer isso a Manuel Alegre
O Manuel Alegre sabe.

No debate da rádio disse que houve negociações orçamentais com partidos e que nunca assumiu essas negociações, também disse que não ia revelá-las. Admite fazer negociações secretas com outros partidos para aprovar orçamentos?
Ouça, o que é isso de secretas? Todos os partidos, obviamente e na vida política, é absolutamente fundamental que haja margem de reserva relativamente aos assuntos que têm de ser tratados. Uns que são assuntos que exigem, são eles próprios assuntos assim classificados, outros que é necessário para que haja margem para entendimentos, para conversações, que não tenham que muitas vezes de o serem feito na praça pública, que tornam, em regra, mais difícil chegar a acordos.

Marcelo? “Primeiro, se tiver maioria absoluta, conto comigo próprio”

Tem dito que não é nenhum papão e que, mesmo que fosse, uma maioria do PS seria sempre fiscalizada pelo Presidente. Não é melhor essa fiscalização ser feita pelo Parlamento do que propriamente por um Presidente que está limitado na sua ação
Sempre que falo do Presidente, dizem que eu trago o Presidente para a campanha.

Agora fomos nós.
Ficou registado que a pergunta foi sua. Em primeiro lugar, a Assembleia existe e continuará sempre a fiscalizar o governo. Não deixa de haver Assembleia da República por haver maioria absoluta. A maioria absoluta não é os 230 deputados serem do PS. Há, obviamente, uma fiscalização que é feita pela Assembleia da República. Há uma fiscalização que é feita pela opinião pública. Há uma fiscalização que é feita pela imprensa livre — só o deputado Cotrim de Figueiredo é que acha que a imprensa livre não é uma forma eficaz de controlar o poder, e sabemos que é. E depois, obviamente, o Presidente da República tem um estatuto e uma competência constitucional própria. E nós temos a vantagem, neste caso concreto, de ter uma situação em que ninguém tem incerteza sobre quem será o Presidente da República durante a próxima legislatura.

Foi reeleito há um ano e tem um mandato pela frente.
Toda a próxima legislatura vai decorrer sob a Presidência do professor Marcelo Rebelo de Sousa.

Está sempre a dar o mau exemplo, nas suas palavras, dos governos de Cavaco Silva como exemplos de más maiorias absolutas. Se o Presidente Mário Soares não conseguiu controlar esse Governo, porque é que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vai conseguir controlar o seu numa eventual maioria?
Porque as circunstâncias políticas hoje são completamente diferentes. Não se esqueça que nesse tempo do cavaquismo nós tínhamos uma televisão única, onde os alinhamentos dos telejornais, muitas vezes, eram feitos pelo dr.Marques Mendes, que era então o ministro da Propaganda, e assim nós vivíamos durante muito tempo. Só na segunda maioria absoluta é que se deu a liberalização da televisão e começou a haver uma visão mais crítica sobre o país. E a verdade é que bastou que isso acontecesse para que essa maioria absoluta desaparecesse, se esfumasse rapidamente, e o professor Cavaco em 1995 tivesse decidido que não ia continuar a ser candidato a primeiro-ministro — porque, obviamente, percebeu que o estilo de governação que tinha era dificilmente compatível com essa nova condição. Como também verificámos como, no segundo mandato, Mário Soares, através das presidências abertas, foi bastante mais ativo em revelar qual era o verdadeiro estado do país, que não era aquele país do sucesso que era apresentado pelo cavaquismo. Depois havia o outro país escondido. Não sei se todos se recordam, mas, por exemplo, na presidência aberta que Mário Soares fez na Área Metropolitana de Lisboa revelou como é que se vivia efetivamente nestas condições. E isso obrigou o Governo a mudar. Quando foi lançado o programa de erradicação das barracas, foi mesmo uma resposta que o Governo foi forçado a dar depois de se ver a situação miserável que existia. Quando ali em Loures se vê a ligação entre a Expo e a A1 através da variante à Estrada Nacional 10, foi depois daquela cena — que, aliás, é sempre repetida na televisão — do engarrafamento gigantesco que se vivia na N10. Mário Soares até teve aquela cena de discussão com a GNR que queria desembaraçar o trânsito, quando ele precisamente queria evidenciar qual era o dia-a-dia do trânsito nessa realidade. Essa ideia de que os Presidentes da República não têm uma função… Têm uma função e ela deve ser respeitada.

"No tempo do cavaquismo nós tínhamos uma televisão única, onde os alinhamentos dos telejornais, muitas vezes, eram feitos pelo doutor Marques Mendes, que era então o ministro da Propaganda, e assim nós vivíamos durante muito tempo"

Portanto, conta com isso para controlar a sua maioria absoluta se a conseguir ter.
Para já, conto comigo próprio. Mas tenho, apesar de tudo, a modéstia de não me querer comparar com a personalidade de outros primeiros-ministros que viveram em maioria absoluta.

“Não deixo as chaves do Rato no porteiro”

Se não ganhar as eleições no dia 30, já disse que sai nessa noite da liderança do Partido Socialista. No entanto, o Bloco de Esquerda já disse que levará o programa do Governo, seja ele qual for, a votos. Há um Orçamento do Estado para avaliar. Não é uma deserção, de alguma forma?
Não, eu nunca desertei do país. Não me faltaram situações difíceis ao longo destes seis anos, que provavelmente teriam levado muitos a deitar a toalha ao chão. Eu nunca deitei a toalha ao chão e enfrentei sempre…

Mas há tempo para o PS se reorganizar e responder a esse momento?
…muitos acharam que era por otimismo. Eu sempre achei, e acho, que é pela convicção que tenho de poder ser útil ao meu país. Agora, acho que temos de fazer sempre as leituras daquilo que são os resultados eleitorais. Se uma pessoa é primeiro-ministro durante seis anos e se ao fim de seis anos os portugueses não lhe dão a vitória eleitoral — não estou a dizer a maioria —, o que é que isso significa? Um voto de desconfiança ao primeiro-ministro. É os portugueses a dizer: “Olha, muito obrigado, mas não te queremos mais como primeiro-ministro.”

Portanto, sai no dia seguinte. Mas o PS terá tempo para se reorganizar e responder a esse momento de crise?
Claro que sim. Quando eu disse que me demito nessa noite, não deixo as chaves do Rato no porteiro. O PS terá de se organizar e promoverá imediatamente um congresso extraordinário e eleições diretas para a escolha de uma nova liderança.

Mas já não participará nas reuniões posteriores às eleições com o Presidente da República, por exemplo?
Claro que terei de manter as minhas funções. Não desapareço. Sou uma pessoa responsável.

Podia deixar isso para o presidente do PS.
Assim como na função de primeiro-ministro não há vacatura. Até haver um novo primeiro-ministro nomeado, lá me manterei nas funções, limitadas nos poderes de gestão. Agora, eu creio que esse não é um cenário que esteja colocado. Só o disse, com franqueza, porque gosto de deixar as coisas todas com transparência e não haver dúvidas. Que fique claro que não vou ficar agarrado ao lugar. Sei que o Dr. Rui Rio tem outro entendimento e já explicou que, mesmo depois de uma segunda derrota nas eleições legislativas, quer continuar a manter-se em funções. É uma opção que faz. A opção que eu faço não é essa. Acho que se os portugueses tiverem um voto de desconfiança em mim, tenho de retirar daí as devidas ilações. Aquilo por que me vou bater nos próximos dez dias — estamos ainda a nove dias das eleições — é para termos uma vitória sólida que assegure estabilidade ao país e permita, sobretudo, realizar o programa que existe.

Tem dito que quer um Governo mais curto. Está a dar razão à oposição quando diz que o Governo atual é muito longo e pouco eficiente?
Os Governos têm de ser ajustados àquilo que são as realidades dos tempos e aos desafios que existem. O que nós tínhamos para fazer nesta fase da legislatura exigia este Governo. Para a legislatura seguinte, podemos e devemos ter um Governo mais curto, que eu tenho designado como uma task-force para a recuperação do país, focado na execução daquilo que são as oportunidades de desenvolvimento que nós temos, asseguradas pelo PRR, pelos fundos do PT2030, pela execução do programa do Governo. É nisso que estaremos colocados.

Ontem saíram duas sondagens que dão o PSD cada vez mais próximo do PS — e até mesmo um empate técnico numa delas, embora tenha sempre uma ligeira vantagem. Isto não torna, por um lado, despropositados os pedidos de maioria absoluta? E está nervoso com isto?
Não, estou muito sereno e muito tranquilo com aquilo que será a avaliação dos portugueses. Os portugueses podem avaliar o que nós fizemos ao longo destes seis anos, como virámos a página da austeridade, como virámos a página da estagnação, como enfrentámos a pandemia e aquilo que nos propomos fazer. Essa é a questão mais importante. Esta discussão sobre a governabilidade tem encoberto aquilo que são as opções fundamentais. E quais são as opções fundamentais? Queremos reduzir imediatamente o IRS e começar, desde já, a melhorar o rendimento das famílias? Ou remetemos isso para a incerteza de 2025 e 2026? Queremos fazer em vez da redução do IRS, uma redução imediata para todas as empresas, independentemente do que façam? Ou reduzir o IRC para empresas que investem na sua modernização, que reforçam os seus capitais próprios, que investem no interior, que aumentam os salários dos seus trabalhadores? Estas são as opções. Uma apresentada pelo PS, outra pelo PSD. Queremos continuar a aumentar o salário mínimo e todos os outros salários? Ou nem sequer queremos aumentar o salário mínimo, quanto menos os outros salários? Estas são as diferenças entre o PS e o PSD. E duas muito importantes que foram agora destapadas durante estes debates. É que o PSD quer rever o princípio de o SNS ser tendencialmente gratuito, o que significa passar a ser tendencialmente pago pela classe média, e quer mudar o nosso sistema de Segurança Social, para um sistema que designa misto, mas que verdadeiramente significa colocar parte da poupança e das contribuições dos portugueses no jogo do mercado, correndo os riscos de tudo se perder, como milhões de americanos perderam na crise de 2008 as suas poupanças.

Campanhas para as eleições legislativas de 2022: Entrevista a António Costa, secretário-geral do Partido Socialista, à Rádio Observador. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de janeiro de 2022. Lisboa, 21 de janeiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ficam evidentes as diferenças que marca para o PSD. Reparei que sobre as sondagens não quis falar, vamos avançar. Se calhar foi propositado, não sei se estes dados das sondagens afetam ou não a estratégia que tem para a campanha.
Não. As sondagens hão-de refletir, seguramente, aquilo que são as opiniões dos portugueses hoje. Aquilo que é fundamental é a opinião dos portugueses no dia 30 de janeiro. Como eu tenho dito, é fundamental que aqueles que querem a vitória do PS não se deixem iludir pelo facto de as sondagens darem sempre a vitória do PS. Umas vezes mais próximo da maioria, outras vezes menos próximo da maioria, mas sempre a dar a vitória do PS. Foi com ilusões deste tipo que já se perdeu a Câmara Municipal de Lisboa. Portanto, essa vacina é uma vacina que deve estar presente no espírito de todos. Quem quer a vitória do PS só tem mesmo uma coisa: ou já no dia 23, se se inscreveu para o voto antecipado, ou no dia 30 se não se inscreveu para o voto antecipado, votar mesmo no PS para garantir o voto no PS. Depois, se tem maioria ou não tem maioria, isso resulta da soma dos votos. Logo se verá.

Melhores ministros? “Mário Centeno e Francisca Van Dunem”

Qual foi o melhor primeiro-ministro da nossa democracia?
Foi seguramente Mário Soares.

E o pior?
Cavaco Silva.

Qual é a pessoa que mais ouve quando tem de tomar uma decisão política difícil?
A minha consciência.

Em que partido votaria se o PS não existisse?
Isso é uma hipótese académica que ficou resolvida ainda antes de eu ter direito a voto, logo em 1973, quando foi fundado o PS.

Dê-nos o nome de um político de outro partido que gostava de ter num dos seus governos.
Não sei. Do ponto de vista da estima pessoal, da consideração técnica, da avaliação, há tantos. Na vida política, tenho feito poucos inimigos e tenho feito bastantes amigos. Uma coisa é ter diferenças políticas, outra coisa é ter admiração pessoal pelas pessoas.

Rui Rio vice-primeiro-ministro?
Se está a querer a chegar a formas de coligação…

Bloco central já sei que não.
Porque acho que é mau para a democracia. Aí está um ponto de convergência entre mim e o Dr. Rui Rio. Ele não quer, eu não quero. É mesmo aquele casamento impossível.

Qual foi o melhor ministro deste Governo?
Tenho tido excelentes ministros. Nas Finanças, seguramente Mário Centeno. Na Justiça, Francisca Van Dunem.

João Leão não superou Mário Centeno?
Não teve tempo para ser posto à prova como foi Mário Centeno. Nem tempo nem as circunstâncias. Porque as circunstâncias com que Mário Centeno iniciou as suas funções eram muitíssimo mais exigentes, muitíssimo mais difíceis do que aquelas que João Leão tem enfrentado, e tem dado continuidade com grande sucesso. Creio que, aliás, quando saírem os números do que são os resultados orçamentais de 2021, acho que todos verificarão que o Ronaldo das Finanças tem um bom sucessor.

Qual foi o seu maior fracasso político?
É sempre difícil, mas quando me retirar da vida política poderei fazer esse balanço. Para já, é seguramente precário e extemporâneo. Mas agradeço o seu otimismo de que não voltarei a fazer mais nenhuma asneira. Apesar do meu otimismo, sou prudente e, portanto, sei que quem governo procura fazer o seu melhor, mas muitas vezes o melhor não sai bem.

[Veja aqui a entrevista a António Costa na íntegra:]

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