A técnica já há muito gera discórdia entre especialistas, mas a publicação de um vídeo nas redes sociais trouxe o caso para a praça pública. A Câmara Municipal de Lisboa tem equipas que atraem pombos com milho e, quando estes estão a comer, um dos funcionários usa uma máquina que dispara uma rede, imobilizando os animais. Um desses momentos foi captado pela associação Animal Save & Care e mostra a apreensão das autoridades em que a captura — em plena luz do dia, no centro da cidade, na Praça das Flores — seja registado em vídeo por quem passa: “Não se pode fotografar, menina”.
Perante a insistência, porém, tanto um agente da Polícia Municipal como os técnicos tentam tranquilizar quem estava a filmar. “É tudo [os pombos] bem tratadinho”, assegura o polícia que estava no local, acrescentando que nenhum animal “sofre”: “Quem está a sofrer somos nós”.
As imagens, porém, contrastam com o que é dito, descreve a Animal Save & Care, que considera estas práticas “bárbaras”. Em comunicado, a associação denuncia que ser “possível ver o sofrimento, a aflição dos pombos e o stress que lhes causa”, bem como “as tentativas vãs de se soltarem”, observando-se a “indiferença dos trabalhadores e autoridades para com estes animais, que referem este procedimento como ‘tratamento de pragas‘”.
Questionada pelo Observador, a autarquia confirmou que são feitas estas capturas, recusando que se trate de um extermínio. Em vez disso, refere fonte oficial, o objetivo passa por avaliar e “testar o estado higiossanitário da espécie”, acautelando assim as “consequências para a saúde pública” e dando resposta às “graves situações de insalubridade e perigo para a saúde pública e ambiente urbano”. A autarquia frisou ainda ter um contrato com o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária “para proceder à análise das amostras enviadas”.
Mas esta técnica é questionável. Nuno Paixão, da provedoria de animais de Almada, duvida, no entanto, da sua eficácia. Ao Observador, o também médico veterinário afirma que o método de captura visto no vídeo é “muito antigo” — tem aproximadamente “15 a 20 anos”. E indica ainda que a rede, não produzindo “forçosamente” dor nos animais, eleva o “grau de stress e ansiedade nos animais”, o que é agravado pelo facto de se tratarem de pombos potencialmente doentes.
Além de todos esses argumentos, o veterinário não está sequer convencido de que este tipo de captura sirva apenas para identificar os pombos doentes, devolvendo os restantes à liberdade. “Nunca vi a CML preocupada em capturar pombos doentes ou coxos”, atira, acrescentando que já está “na altura” de o executivo camarário da capital deixar de “mandar areia para os olhos”. Já sobre a possibilidade, que não exclui, de a Câmara exterminar os animais, Nuno Paixão diz que “não é tolerável”, ainda que seja “opção mais fácil”. “Hoje em dia não há razão de ser e não se pode aceitar como método de controlo de animais”, afirma, explicando que na base desta prática está o facto de os pombos serem considerados “pragas” por vários municípios, tal como os ratos e as baratas, e isso servir de “justificação” para os abater.
Há pombos mortos por “envenenamento e por gaseamento”, denuncia associação
A associação que tornou público o vídeo revelou nos últimos dias ter também conhecimento de muitos pombos terem sido mortos “por envenenamento e por gaseamento”, após a captura, e que alguns pombos já “serviram” — ou ainda “servem” — como “alimento vivo” no Jardim Zoológico de Lisboa. “É inaceitável que a Câmara Municipal de Lisboa [CML] não só se negue a providenciar alimento e a acautelar o bem-estar dos pombos de cidade”, denuncia a Animal Save & Care.
Miguel Santos, deputado municipal do PAN em Lisboa, também manifesta desconfiança sobre o futuro dos pombos após a captura, uma prática que acusa de “totalmente aberrante”. “Como qualquer espécie, acreditamos que o aprisionamento não faz parte da natureza dos animais”, defende, afirmando que a CML trata os pombos como uma “praga”, como “coisas” que não são “dignas de tratamento”.
O partido já tinha chamado a atenção para o problema dos pombos em Lisboa, após ter denunciado que 7420 animais tinham desaparecido da cidade. Numa recomendação à Assembleia Municipal, votada em junho, PS, PSD e CDS-PP uniram-se para chumbar que os pombos não fossem mais designados pelo município como “praga”. Em sua substituição, o PAN propunha a designação de “pombos urbanos”. Os mesmos partidos votaram ainda contra o fim das capturas dos animais.
Pombos largados no Alentejo? É deitar “dinheiro fora”, garante veterinário
Maria do Céu Sampaio, presidente da Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais, descreveu ao Observador que o problema dos pombos em Lisboa é “muitíssimo complicado” e que a associação já “fez parte de uma liga de trabalho para tratar do assunto”, tendo conhecimento de que a CML captura pombos — mas apenas “os animais doentes”, porque os “não só contaminam os outros, como também sofrem. Os restantes seriam libertados”.
No entanto, a responsável afirma que isso nem sempre aconteceu e que, muitas vezes, pombos saudáveis também foram levados nas redes, acabando por ser libertados noutros locais.
Mas estas não são as únicas práticas da autarquia a serem questionada. No início deste ano foram noticiadas pela revista Sábado denúncias de alegadas largadas de pombos (provenientes de Lisboa) no Alentejo. Sobre esse cenário, Nuno Paixão é perentório: se tal acontecer está a “deitar-se dinheiro fora”. E as razões são fáceis de entender: “Os pombos têm tendência a manter-se nos mesmos locais”, refere, sinalizando que os animais possuem “uma grande capacidade de orientação, capaz de os levar ao sítio de onde foram retirados”.
Só em 2021, segundo dados fornecidos pelo município, foram já recebidas 442 queixas relativas a problemas com pombos na capital — nos 12 meses de 2020 o número havia sido 538. Para dar resposta às queixas dos munícipes e como forma de “manter o equilíbrio ecológico da população de pombos na cidade de Lisboa”, o executivo camarário — que apela a que não se alimente estes animais — decidiu apostar nos pombais contracetivos, um “método ético, limpo e sustentável” e que é capaz de controlar a natalidade da espécie.
Câmara aposta em pombais contracetivos, mas pode não ser suficiente
Neste momento, estão instalados seis pombais nas freguesias da Ajuda, Alcântara, Arroios e Olivais, Areeiro, Penha de França e Benfica e será ainda instalado um pombal no Lumiar. O município assegura que nestes espaços, sob a gestão das referidas juntas de freguesias, a alimentação e os ovos de substituição são fornecidos semanalmente.
Um procedimento que é recomendado pela presidente da Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais. A substituição de “ovos do pombal” por “artificiais” faz com que haja uma “diminuição dos pombos”, que passam a ser criados em “espaços em matas, jardins, criando-se um espaço grande onde é mais fácil fazer o controlo” — e assim não incomodar os cidadãos.
Por sua vez, Nuno Paixão considera que os pombais contracetivos são “uma boa prática e eficaz”, mas duvida que em Lisboa sejam “suficientes”. Prova disso é a existência do vídeo partilhado, que mostra a existência de capturas, que não se verificariam, segundo o veterinário, caso os pombais dessem conta do problema.
O provedor de animais de Almada afirma ainda que o número de pombos em Lisboa é explicado pela falta “de equilíbrio” do ecossistema, que “invadiu o mato e parte rural”. “Naturalmente, as grandes cidades vão ter de absorver certos animais que tradicionalmente habitam em ambiente rural”, esclarece, lembrando que muitas espécies perderam os “predadores”. No caso dos pombos (e também dos ratos), verifica-se que certas aves de rapina, como os gaviões e as corujas-das-torres, deixaram de estar na cidade.
As doenças e os monumentos: os problemas que os pombos causam nas cidades
No primeiro esclarecimento enviado ao Observador sobre o caso, sem confirmar o uso das redes para capturar pombos, a câmara de Lisboa frisou que os pombos transmitem “muitas espécies de bactérias, vírus e protozoários potencialmente patogénicos para o homem”, alertando que estes animais estão em “contacto estreito em particular para a faixa da população mais vulnerável: crianças, idosos e imunodeprimidos”.
Autarquia alerta para doenças associadas aos pombos
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- No âmbito da patologia respiratória refira-se a ornitose, cujo agente etiológico é a chlamidia pitacci é eliminada por via intestinal e pode ser transmitida ao Homem por inalação de poeiras resultantes da dispersão de excrementos secos contaminados. A alveolite alérgica é uma afetação pulmonar associada geralmente associada aos criadores e tratadores de pombos, podendo também atingir os cidadãos particularmente expostos.
- Distúrbios intestinais pela ocorrência de salmonelose não devem ser menosprezados. O agente salmonela veiculado através dos excrementos pode contagiar o homem, quer por ingestão de alimentos contaminados, quer através do vetor mosca. Atendendo a este mecanismo de transmissão deve ser dada especial atenção em bancas e locais de venda de alimentos;
- A plumagem dos pombos pode albergar numerosos parasitas, como o Argas Reflexus vetor potencial da Borrelia bugdorferi , patógenica e presumível responsável da Doença de Lyne (sintomatologia constituída por lesões cutâneas, articulares e nervosas, acompanhada por distúrbios de motilidade e encefalite)
Câmara Municipal de Lisboa
Como resultado de um análise recente feita na sequência de uma captura de pombos, a autarquia revela que foi detetada uma grande infeção do oocistos de Eimeria labbeana (que causa problema intestinais aos pombos) e uma média infeção de Brachylaemus commutatus.
Maria do Céu Sampaio salienta também outro problema que o excesso de pombos tem provocado na capital: a danificação do património devido aos “dejetos dos pombos nos monumentos”.