A linha é para manter. Luís Montenegro vai apresentar esta quarta-feira o seu Programa de Governo, mas, segundo as garantias que vão sendo dadas a partir de São Bento, não haverá grande espaço para cedências em relação àquilo que foi o programa com que a Aliança Democrática foi a votos nas eleições legislativas. Por outras palavras: apesar de estar a tentar forçar Pedro Nuno Santos a viabilizar quer o Programa de Governo, quer o Orçamento do Estado para 2025, Montenegro não estará disposto a abrir mão dos principais compromissos que assumiu antes e durante a campanha eleitoral.
À cabeça, a grande prioridade do Programa de Governo de Montenegro será a redução de impostos, “uma medida de política económica e justiça social” para contrariar aquilo que é um “bloqueio à economia, à produtividade e ao sentimento de justiça”, como sublinhou o novo primeiro-ministro no seu discurso de tomada de posse. E aqui mantêm-se quatro pilares essenciais: reduzir o IRS, em especial da classe média e dos jovens; isentar de contribuições os prémios de produtividade até ao limite de um salário; isentar de pagamento de IMT e de Imposto do Selo na compra de casa os jovens até aos 35 anos; e, claro, reduzir o IRC de 21% para 15% em três anos.
De recordar que Montenegro tem na discussão do Programa de Governo o seu primeiro grande teste no Parlamento. Atendendo às garantias dadas pelo PS e à nega do Chega em votar ao lado da moção de rejeição do PCP, o documento apresentado e discutido entre quinta e sexta-feira não será reprovado. Ainda assim, na tomada de posse como primeiro-ministro, Montenegro tentou condicionar Pedro Nuno Santos dizendo que, quem permite a viabilização do Programa de Governo, está obrigado a dar luz verde ao Orçamento do Estado. Sabendo disto, Montenegro poderia dar um primeiro sinal de alguma elasticidade neste Programa de Governo — mas tal não deverá acontecer.
Ora, um dos argumentos mais utilizados por Pedro Nuno Santos para recusar qualquer entendimento com Luís Montenegro é a visão que a Aliança Democrática tem sobre a redução de impostos, nas prioridades e no grau. “Não estejam à espera de ter o apoio do PS perante o anúncio da AD de que não há capacidade de dar respostas a algumas reivindicações, mas há para reduzir impostos às empresas”, disse há dias Pedro Nuno Santos. Apesar das garantias do socialista, e mesmo sabendo que depende da abstenção (ou do voto a favor do Chega) para sobreviver na votação do Orçamento do Estado, Montenegro não estará disposto a dar grandes sinais de cedência neste primeiro momento.
Mas essa não é a única linha vermelha para o PS — e não será seguramente a única linha vermelha que Luís Montenegro estará disposto a cruzar quando apresentar o Programa de Governo, esta quarta-feira. Mais uma vez, o social-democrata já disse ao que vinha na sua tomada de posse: “Na área da saúde, o Governo não deixará de implementar uma reforma estrutural que fortaleça e preserve o SNS como a base do sistema, mas que aproveite a capacidade instalada nos setores social e privado, sem complexos ideológicos inúteis e com uma única preocupação — o cidadão”, afirmou Montenegro, antes de repetir uma garantia: “Tal como prometemos, elaboraremos um programa de emergência que será apresentado até ao dia 2 de junho”.
Ora, na segunda-feira, em entrevista à CNN, Pedro Nuno Santos prometeu opor-se empenhadamente à visão que Luís Montenegro tem para a Saúde. Mas, nem mesmo perante o aviso repetido dos socialistas, há sinais de que o Programa de Governo da Aliança Democrática venha a conhecer alguma matização face ao que foi apresentado no programa eleitoral. Propostas como a emissão de ‘vouchers’ para o privado quando é ultrapassado o tempo máximo de resposta garantido para consultas de especialidade ou cirurgia constarão, seguramente, do documento do Governo.
Depois, existe uma questão de tempo e de modo no que diz respeito ao aumento de rendimentos que os dois partidos defendem. O Programa de Governo deve manter a promessa eleitoral da Aliança Democrática de aumentar o salário mínimo para 1.000 euros até ao final da legislatura, sem que o ritmo seja intensificado — pelo menos, é essa a garantia que se vai dando a partir do Governo.
Ao mesmo tempo, Montenegro vai manter uma proposta que causou alguma controvérsia durante a campanha eleitoral e que motivou uma troca de acusações entre os dois maiores partidos: o novo primeiro-ministro vai escrever na pedra a necessidade de aumentar o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 820 euros em 2028, prometendo equipará-lo ao valor do salário mínimo nacional na legislatura seguinte — Pedro Nuno Santos chamou-lhe um logro durante a corrida às urnas.
Também na Habitação, é difícil antecipar que Montenegro mude o que quer que seja para procurar um caminho de entendimento com o PS, uma vez que, nesta área, grande parte do programa eleitoral (pelo menos num primeiro momento) assenta na ideia de que é preciso revogar as “medidas erradas do programa Mais Habitação, incluindo o arrendamento forçado, congelamentos de rendas e as medidas penalizadoras do alojamento local”.
Existirão balizas no sentido de valorizar as carreiras da Administração Pública (professores, profissionais de saúde, forças de segurança), mas, à exceção da questão dos professores (recuperar integralmente o tempo de carreira que esteve congelado de forma faseada nos próximos cinco anos, à razão de 20% ao ano), todas as outras questões serão matéria de negociação com os representantes dos setores profissionais.
O mesmo vale para a Justiça: apesar de ter medidas concretas no programa eleitoral — regulamentação do lobbying, monitorização da pegada legislativa, reforço dos recursos humanos e materiais no combate à corrupção, combater os megaprocessos e redução dos expedientes legais para atrasar os processos —, Montenegro assumiu o compromisso de negociar com todos os partidos um plano de combate à corrupção.
Previsivelmente, até atendendo às declarações públicas que foi fazendo durante campanha eleitoral e pelo que disse na tomada de posse como primeiro-ministro, Montenegro vai inscrever no seu Programa de Governo medidas para regular a imigração, o que será “materializado em objetivos quantitativos, ponderando a dimensão da segurança, priorizando em termos de qualificações e evitando a exploração por redes ilegais e criminosas” — algo que dificilmente terá o apoio do PS.
Existe, por fim, um tema que vai merecer a oposição frontal de Pedro Nuno Santos: a privatização da TAP. Recorde-se que o socialista é a favor da manutenção da maioria de capital da companhia aérea na esfera do Estado e que Montenegro já assumiu que a TAP é para vender. Quanto ao novo aeroporto, o único compromisso que deve existir é “decidir rapidamente”, se possível em consenso com o PS e em linha com o relatório da Comissão Técnica Independente — que sugeriu como melhores opções Alcochete ou Vendas Novas.