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Arlindo Oliveira. "Não sei se os smartphones vão durar outros 10 anos"

O presidente do Instituto Superior Técnico lançou o livro "Mentes Digitais". Em entrevista ao Observador, diz que vai ser possível reproduzir um ser humano num computador. Consequência? A vida eterna.

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Neurónios substituídos por circuitos eletrónicos, reproduções integrais de seres humanos em computadores, homens que são deuses porque, em última instância, vivem para sempre. Ficção científica? Não, “a realidade muitas vezes ultrapassa a ficção”, explica Arlindo Oliveira, presidente do Instituto Superior Técnico (IST) e autor do livro Mentes Digitais: A Ciência Redefinindo a Humanidade, publicado pela IST Press. Só há uma coisa que Arlindo Oliveira não garante: se trocarmos o cérebro por um computador mantemos a alma? Num cenário mais próximo e realista, o presidente do IST explica que não sabe qual será o próximo passo da tecnologia, mas que é bem provável que os smartphones sejam substituídos por “outra coisa completamente diferente”.

Doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, Arlindo Oliveira foi presidente da Associação Portuguesa para a Inteligência Artificial, é membro da Academia da Engenharia e tem vários trabalhos publicados nas áreas da inteligência artificial, bioinformática, algoritmia e arquitetura de computadores. No seu livro, escreve sobre o que têm em comum os computadores com o cérebro humano, as células e como se definirá a relação entre as pessoas e as mentes digitais que, segundo Arlindo Oliveira, nos fará refletir sobre o futuro da inteligência.

“Os computadores ainda são muito burros”

O que são mentes digitais?
É a ideia de que podemos vir a ter mentes que resultam do funcionamento de sistemas digitais, ou seja, computadores. Que podemos vir a ter, num futuro mais ou menos próximo, sistemas que se comportam de maneira inteligente, que resultam do funcionamento de um programa de computador e que esse programa pode ser obtido de muitas maneiras: simulando o cérebro humano ou com inteligência artificial, a que se chega por outros métodos. É um bocadinho essa questão que se coloca e as consequências dessa possibilidade que se discute no livro.

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Ou seja, unindo o cérebro a sistemas de inteligência artificial.
Sim, unir ou complementar. Sabemos que o nosso cérebro gera uma mente, gera inteligência. Também desconfiamos que os animais têm algum tipo de inteligência ou de consciência. Ainda não associamos esse tipo de comportamento a sistemas nos computadores. Os computadores ainda são muito burros, mas à medida que se vão desenvolvendo é provável que se comportem de maneira inteligente.

Cenários como os que vimos na Web Summit — carros voadores, robôs a conversarem — não estão assim tão distantes, pois não?
Varia um bocadinho. Já há protótipos para os carros voadores… Há ali uns problemas de energia que não sei muito bem como se vão resolver, porque um carro voador que ande 10 metros é muito fácil de fazer, mas um que nos leve daqui ao Porto quase de certeza que não é. O que sinto é que estas tecnologias estão a ser desenvolvidas muito rapidamente. Todo este entusiasmo à volta da área faz com que haja um grande esforço que está a acelerar um bocadinho o seu desenvolvimento. Neste momento, há empresas muito interessantes e há muita indústria de investigação a fazer trabalho muito interessante, que é referido aqui e que estão a fazer uma aceleração significativa. Porque esta área já existe há muito tempo, já existe há 60 anos, só que era numa comunidade relativamente pequena e não tinha assim tanta atenção. Neste momento, há muitos recursos alocados nesta área, o que faz com que evolua mais depressa.

No seu livro, fala da geração que nasceu com o computador, mas já há uma geração que nasceu com os smartphones. E os nossos sistemas de ensino…
São muito tradicionais.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Como é que deveríamos estar a pensar as crianças nesta realidade?
Como deveríamos estar a pensar as crianças e as menos crianças, nas universidades. Acho que não estamos a trabalhar suficientemente bem, não estamos nem a usar as tecnologias nem a adaptar os nossos modelos de ensino devidamente aos jovens. Acho que há muitos jovens a serem pouco estimulados nas escolas, estamos a aproveitá-los pouco. E também não estamos a usar estas tecnologias no seu melhor, no seu potencial.

Esta geração já nasceu com os smartphones e a próxima vai nascer com o quê? Não sabemos. Daqui até ao fim, vai ser smartphones sempre? Acho que não. Daqui a 30 anos podemos ter outra coisa completamente diferente, mas a próxima geração, daqui a 10, 15 ou 20 anos ,vai com certeza nascer com outra coisa, talvez com um amigo que anda sempre com ele, com quem fala. Talvez, mas acho que o smartphone tem 10 anos e não sei se vai durar outros 10, que é um conceito diferente.

A verdade é que já não conseguimos imaginar o que é viver sem um smartphone.
Tem de ser substituído por uma coisa mais interessante ainda e que é difícil perceber o que é.

Para onde aponta?
Não sei… Tenho acreditado sempre que a realidade virtual é uma componente muito forte, mas tem-me sempre desiludido um bocadinho, tem-se sempre atrasado. Acho que mais tarde ou mais cedo a tecnologia vai evoluir em termos de interação com a Internet e estou convencido que daqui a alguns anos vai desempenhar um papel muito importante. Temos uns óculos e estamos no mundo, estamos numa ilha nas Maldivas. Não estou a dizer que vai substituir os smartphones, mas acho que vai substituir uma parte grande da nossa interação com a Internet. A realidade virtual e a realidade aumentada.

"Este entusiasmo com a tecnologia também depende muito da nossa capacidade de vir a influenciar a economia futura, porque se tivermos jovens que estão familiarizados com as tecnologias vão, com certeza, criar novos produtos, novos serviços, novos conteúdos"

“A possibilidade de uma criança ficar completamente dependente de um computador é real”

Voltando ao sistema de ensino, estamos a falar o suficiente destas coisas nas escolas?
Não, acima de tudo não estamos a fazer o esforço para formar devidamente os nossos educadores, que é uma coisa cara. Temos de ter bons professores para termos bons alunos. Os nossos professores muitas vezes são bons, mas podem não ter os recursos, não têm o apoio, não têm as condições para se atualizarem devidamente. Em termos de novas tecnologias, as nossas escolas primárias não estão suficientemente atualizadas, não estamos a dar suficientes oportunidades de formação para os professores poderem transmitir estes conhecimentos. Este entusiasmo com a tecnologia também depende muito da nossa capacidade de vir a influenciar a economia futura, porque se tivermos jovens que estão familiarizados com as tecnologias vão, com certeza, criar novos produtos, novos serviços, novos conteúdos. E se não forem, vamos estar mais atrás e o mundo é cada vez mais digital.

Existem algumas correntes antitecnologia. Vale a pena a lutar muito contra o que está a acontecer?
Acho que é uma luta perdida. É importante que se tente dosear essa componente com componentes que não envolvam tecnologia, que haja interação direta com as pessoas, espaços onde não há telemóveis nem que seja às refeições ou à noite ou o que for. Acho isso importante, mas acho que não é razoável pensar que um sistema pode funcionar onde um aluno durante a escola não usa o telemóvel ou não usa computador. Acho que isso não vai funcionar, acho que isso faz com que o país perca competitividade. E as pessoas ficariam em desvantagem perante outros nas oportunidades que teriam ao longo da vida.

Importante é não deixarmos que este tipo de interação tão limitada com o telemóvel se torne na única forma de interação. E que as pessoas deixem de falar, de se juntar para jantar, de ir passear no campo ou na praia, por causa do telemóvel. Mas já não sou novo, pode ser que as pessoas daqui a 30 anos achem que isto que estou a dizer é um disparate e que as pessoas possam andar o tempo todo com uns óculos a conviver em realidade virtual sem nunca encontrarem ninguém.

"Devemos preocupar-nos que a educação das crianças não seja monolítica e centrada unicamente neste tipo de aparelhos e devemos incentivar o contacto pessoal, que é importante. Temos de evitar comportamentos que se desviem muito da normalidade. O que quer dizer normalidade? Que os miúdos se tornem solitários ou incapazes socialmente"

Concorda com a teoria de que nunca estivemos tão ligados mas tão sozinhos?
Sim, acho que temos de combater isso um bocadinho, especialmente com as crianças, que são mais influenciáveis e que têm comportamentos mais moldados para isso. Quer dizer… A possibilidade de uma criança ficar completamente dependente de um telemóvel ou de um computador é real. Isso deve ser combatido. Também devo dizer que imagine que temos uma tecnologia de realidade virtual onde um miúdo põe uns óculos e está ali a brincar num jardim com os outros miúdos ao mesmo tempo, a páginas tantas a diferença já não é assim tão grande. Mas enquanto a tecnologia não for assim, se calhar devemos preocupar-nos que a educação das crianças não seja monolítica e centrada unicamente neste tipo de aparelhos e devemos incentivar o contacto pessoal, que é importante. Temos de evitar comportamentos que se desviem muito da normalidade. O que quer dizer normalidade? Que os miúdos se tornem solitários ou incapazes socialmente.

Se estivermos a viver a “tempestade digital” que aparece no livro, estamos devidamente precavidos?
Isso é aquela ideia de “estamos a dar aos nossos jovens as competências certas?” Acho que estamos um bocadinho atrasados, mas até estamos a fazer alguns esforços. Neste momento, até há um projeto que acho muito interessante, que é o Incode, liderado pelo Governo, que tem como objetivo melhorarmos as competências digitais em Portugal, no geral. Um dos eixos é justamente a formação dos nossos jovens, outro eixo é a investigação, tem mais um conjunto de eixos interessante. Acho que estão a ser tomadas algumas medidas para tentar garantir que a nossa população, os nossos jovens e estudantes estejam a ter as competências necessárias para se protegerem dessa tempestade. Porque essa tempestade existe todos os dias, com novas tecnologias, novas apps, novas aplicações.

“Esta tecnologia em última análise permite-nos reproduzir um ser humano num computador”

O que é que no decorrer do seu trabalho o impressionou mais ou que pode vir a ser mais polémico?
O que me impressionou mais é a ideia de que um dia poderemos simular completamente o cérebro de uma pessoa real. E se fizermos a simulação de um cérebro de uma pessoa real num computador é como se essa pessoa vivesse no computador. Claro que também tem de ver e tal, de ter câmaras, mas isso é um problema técnico. E esta ideia é muito estranha: nós pensamos e existimos porque o nosso cérebro funciona. Mas imagine que eu pegava no seu cérebro e trocava um neurónio que estava a funcionar mal por um neurónio eletrónico ( porque os neurónios são coisas eletrónicas) e com certeza vai dizer que tem muitos milhares de milhões de neurónios, portanto não é um neurónio que faz a diferença, é como se fosse uma prótese. A Ana continua a ser a Ana. Mas a seguir troco outro neurónio e outro neurónio e mais dez. Imagine que vou trocando e no fim troquei os neurónios todos.

"A coisa conceptualmente mais desafiante, mais complexa e mais difícil de aceitar é esta ideia que a tecnologia, em última análise, pode transformar-nos em deuses, ideia que não é bem minha ou, pelo menos, não fui o primeiro a escrevê-la"

Nesse cenário, estaria aqui com o meu corpo, mas todo o meu cérebro seria eletrónico.
É um computador. Mas não deixava de ser a Ana, especialmente se eu trocar um neurónio de cada vez, não vai ser um neurónio que faz a diferença. Esta ideia de que cada neurónio, por si, poder ser substituído… Não é quando substitui o último neurónio que a Ana deixa de ser a Ana. Este argumento é o argumento de que o cérebro é um computador e que a vantagem desses neurónios eletrónicos é a de que, quando se avariarem, eles substituem-se, ao contrário de um neurónio normal, que é uma chatice. Esta tecnologia em última análise permite-nos, se quisermos, reproduzir um ser humano num computador. E isso leva a uma série de consequências, entre as quais a vida eterna.

Então, toda a questão da vida eterna ganha um novo…
Ganha um novo alento. Note que a tecnologia biológica também pode melhorar um bocadinho isto, mas nunca será eterna. Podemos viver 500 ou 1.000 anos mas, a páginas tantas, há coisas que deixam de funcionar, em particular as células, mas ninguém se aborrece muito com a prótese de um rim ou mesmo com um coração artificial, não é uma coisa que meta muita confusão. Um cérebro artificial mete um bocadinho mais de confusão, mas mesmo o cérebro pode ser artificial nesta visão. Ou talvez só uma parte do cérebro. Por isso, respondendo à sua pergunta: a coisa conceptualmente mais desafiante, mais complexa e mais difícil de aceitar é esta ideia que a tecnologia, em última análise, pode transformar-nos em deuses, ideia que não é bem minha ou, pelo menos, não fui o primeiro a escrevê-la.

E isto também tem impacto em coisas como o pensamento abstrato, criatividade, sensações de bem-estar?
Isto é uma coisa conceptual, porque tecnologicamente é impossível acontecer agora. Mas se eu trocasse neurónio a neurónio o seu cérebro, claro que depois os neurónios tinham também de sentir as hormonas e as emoções, mas isso é uma questão técnica.

"Se trocar os seus neurónios todos não sei se fica com alma ou sem alma, mas há aquela teoria muito interessante, que é a de que o gene da alma está no cromossoma dois"

Mas possível?
É possível. Até é uma coisa que já sabemos fazer, não sabemos é fazer nesta escala. Tudo isso — as emoções, a criatividade –, tudo isso em última análise é possível. Só há uma coisa à qual não sei responder, porque ninguém sabe.

Qual é?
A alma. Se trocar os seus neurónios todos não sei se fica com alma ou sem alma, mas há aquela teoria muito interessante, que é a de que o gene da alma está no cromossoma dois. Sabe porquê? Porque os nossos primos mais próximos, os chimpanzés, têm 24 cromossomas e os antecessores comuns também, mas houve dois cromossomas que se juntaram para darem o cromossoma dois. Portanto, o nosso cromossoma dois (nós só temos 23) resulta da junção de dois cromossomas dos nossos antepassados e como eles não tinham alma — os chimpanzés não têm alma e nós temos — tentaram o cromossoma dois, neste sítio onde os cromossomas se juntaram.

Esta visão mecanicista do comportamento do cérebro é muito difícil de conciliar com a visão religiosa, com a questão da alma. Uma vez um colega seu disse-me que a palavra Deus não existia no índice e continua a não existir.

E é um campo que fica em aberto…
Esse fica em aberto, para outras pessoas tratarem.

Portanto, emoções, criatividade, etc, não lhe parece difícil?
Acho que tudo isso não só é programável em sistemas de inteligência artificial como acho que qualquer sistema que emulasse um cérebro ou que tentasse obter os comportamentos humanos também vai ter essas mesmas coisas. Neste momento, já há sistemas de criatividade de artistas computacionais que fazem coisas muito interessantes.

E também existe a inteligência emocional artificial.
Sim e isso é uma área que vai evoluir muito rapidamente. Porque detetar as emoções… Imagine que é um call center, onde em vez de falar ao telefone, fala num ecrã e aparece um Avatar, identificar as suas emoções é uma coisa fundamental.

Há pessoas que já procuram sistemas como a Siri e a Alexa para desabafarem, como se fossem psicólogas.
É verdade e elas respondem bem. Portanto…

"Teoricamente, devia ser possível pôr um computador a simular um cérebro humano ou um cérebro humano a simular um computador, dentro dos limites e das capacidades, das velocidades, de um ponto de vista matemático formal. Eu defendo aí e é uma questão polémica, não é trivial, que estas máquinas são computacionalmente equivalentes"

“A realidade muitas vezes ultrapassa a ficção”

Estive a ler sobre o seu percurso. Como é que junta a computação às neurociências?
Isto são tudo computadores, são é computadores um bocadinho diferentes. Os computadores trabalham com circuitos elétricos. O cérebro também é um circuito elétrico essencialmente, mas funciona com princípios muito diferentes. Os computadores trabalham com transistor, que ligam e desligam e fazem passar correntes, enquanto o cérebro funciona com pequeníssimas correntes elétricas, que passam nos neurónios, nas paredes das células, mas não são assim tão diferentes. A diferença é que nós sabemos bem como funciona um computador, como se executa um programa, mas não sabemos como funciona o cérebro. Temos uma ideia, sabemos como funciona cada neurónio, mas não sabemos como estão interligados, como geram pensamento e, seguramente, não sabemos como um cérebro gera consciência e as capacidades que os humanos têm.

Mas — e isso é um bocadinho o argumento central do livro — ambos são computadores e, de alguma maneira, equivalentes. Teoricamente, devia ser possível pôr um computador a simular um cérebro humano ou um cérebro humano a simular um computador, dentro dos limites e das capacidades, das velocidades, de um ponto de vista matemático formal. Eu defendo aí, e é uma questão polémica, não é trivial, que estas máquinas são computacionalmente equivalentes. Se o estudo das neurociências fosse bem sucedido permitir-nos-ia, em princípio, reproduzir parte ou a totalidade dos comportamentos do cérebro no computador através de uma simulação, de uma emulação parcial.

São duas coisas equivalentes, mas não fazem a mesma coisa porque não correm os mesmos programas nem todos os computadores são iguais, mas é um bocadinho esse paralelo que é feito. Ver estas coisas como modelos de computação que na sua essência são equivalentes, mas que ainda vemos como muito diferentes porque não conhecemos bem o cérebro e conhecemos bem os computadores.

"O mundo mudou muito em 100 anos e provavelmente vai mudar ainda mais nos próximos 100. Portanto, onde é que isto nos leva no fim? Não sei... Realmente acho que ninguém sabe, mas é um bocadinho essa discussão que o livro faz"

Isto, ao limite, leva a sociedade onde?
Não sabemos, mas esse é um dos argumentos base do livro. É muito difícil prever o que faz uma civilização tecnológica durante milhares de anos. Temos uma civilização tecnológica basicamente há cerca de duzentos anos. E estas tecnologias mais recentes têm 50 anos. Acho muito difícil sabermos como vai ser a sociedade daqui a 10 mil anos… Serão pessoas como nós, mas que vivem 500 anos? Só por si já era uma alteração significativa, não é? Serão cyborgs, mistos de pessoas com uma ligação à Internet com chip, estímulo direto do cérebro à Internet? Parece-me muito provável. Pelo menos já há pessoas que andam a testar isso.

Se pensarmos no futuro… Serão sistemas, pessoas que de alguma maneira vivem em mundos simulados, em realidades virtuais, completamente virtuais como partes do cérebro ou um cérebro inteiro simulado no computador? Não sei, levanto essa possibilidade. São tecnologias que não temos agora, que podemos nunca vir a ter, mas 5 mil anos é tanto tempo. Duzentos anos é tanto tempo que é difícil para mim extrapolar. Onde é que isto nos leva? Em última análise, pode levar-nos a uma coisa que é completamente diferente do que temos agora. Mas, se pensar bem, o que temos agora também já é completamente diferente do que tínhamos há 100 anos. O mundo mudou muito em 100 anos e provavelmente vai mudar ainda mais nos próximos 100. Portanto, onde é que isto nos leva no fim? Não sei… Realmente acho que ninguém sabe, mas é um bocadinho essa discussão que o livro faz.

Sente que as pessoas têm noção de todas estas coisas? Que a inteligência artificial está assim tão avançada e que é possível ter estas mentes digitais?
Note que não digo que a inteligência artificial está assim tão avançada. Não, acho que não e também acho que os seres humanos e os portugueses em particular não são particularmente bons a fazer esta extrapolações a longo prazo. Nós tendemos a viver no dia a dia. Quando nos chega uma nova tecnologia, um telemóvel ou um carro sem condutor, adaptamo-nos e tal, mas a maior parte das pessoas não pensa muito sobre isso. Por isso, acho que não, muitas pessoas não pensam nisto e outras pessoas nem sequer consideram isto na sua vida diária.

Há coisas que se vê muito nos filmes de ficção cientifica e algumas delas ocorrem rapidamente. Quase tudo o que está no “2001: Odisseia no Espaço” — que foi um filme que na altura era pura ficção científica — já existe, menos a nave que vai daqui a Jupiter. Há muitas coisas que já existem e que não estavam no “2001: Odisseia do Espaço” e que não foram previstas pelos seus autores. A realidade acaba por apanhar a ficção e muitas vezes ultrapassa a ficção, o que é curioso.

E como é que estas mentes digitais se vão comportar?
Depende um bocadinho daquilo em que se tornarem. Se forem uns agentes que temos no telemóvel, que nos ajudam a organizar a vida, se calhar são uma espécie de secretárias. Se forem um sistema que ajuda os carros, fala com os passageiros e ajuda a entretê-los é um condutor. Depende das aplicações. Se for um sistema que faz artigos de jornal comporta-se como um jornalista e pode fazer entrevistas: faz umas perguntas, fica com as respostas e elabora um artigo. Mas em muitos casos podemos imputar-lhes algum tipo de sapiência, de consciência… Não é irrazoável pensar num sistema que lê um livro, faz um conjunto de perguntas por email, a pessoa responde e ele elabora um artigo com base naquilo. É uma coisa que não só está ao alcance da tecnologia atual como até já é feita em alguns domínios.

"É provável que os sistemas de inteligência artificial venham a ter alguma espécie de consciência, alguns valores morais. É um bocadinho difícil porque não sabemos muito bem de onde estas coisas vêm: a consciência, o medo de morrer. Um robô, em princípio, não tem medo de morrer"

É um bocadinho assustador. Parece que estas mentes vão fazer tudo aquilo que fazemos.
É, mas depende um bocadinho do tempo. Com certeza que isto não vai acontecer daqui a um ano ou dois. Daqui a dez, se calhar, já vão fazer algumas coisas que agora são feitas por humanos, como a condução dos carros, mas há outras coisas também, como a análise de diplomas ou aconselhamento legal. Daqui a 50 anos, acho que é muito difícil de perceber porque acontece muita coisa em 50 anos. É um bocadinho assustador? Sim. É desconhecido o mundo que nos levaria a isto e também temos medo de ser substituídos.

Não me importava de ser substituído se pudesse ficar em casa a fazer o que me apetecesse, pudesse ir para a praia, desde que me pagassem um ordenado na mesma. O emprego não é uma coisa que me preocupa muito desde que me paguem ordenado. Note que as pessoas que trabalham nos campos tiveram as mesmas preocupações quando vieram as ceifeiras debulhadoras. Estas máquinas vieram substitui-los. As pessoas conseguiram sempre fazer outras coisas que são mais valiosas e não fazer as coisas chatas que as máquinas faziam. Pode ser que aconteça o mesmo. Não é garantido que seja a mesma situação, porque estas máquinas também são mais espertas.

Qual é a pior aplicação que estas máquinas podem ter?
Bom, acho que a pior é qualquer coisa que não esteja alinhada com os interesses da humanidade. Circulou um abaixo-assinado, que também assinei, contra as armas autónomas, que podem matar sem intervenção humana. Esta parece-me uma coisa relativamente preocupante — termos sistemas completamente autónomos que decidem quem é que matam, não matam, quando é que intervêm. Não só porque numa guerra seria de facto uma guerra muito desumana, que já é um bocadinho com os drones, mas porque podem ficar fora de controlo. Imagine que estas máquinas ficam na mão de um grupo terrorista… Era bom que esses sistemas nunca fossem desenvolvidos. Acho que este é um bocadinho o worst case scenario, excetuando aquele caso mais ou menos catastrófico de as máquinas tomarem conta disto tudo e darem conta dos humanos. Essa é uma questão com a qual as pessoas se preocupam, mas não me parece muito realista nos próximos tempos.

Um dos argumentos a favor é que o facto de estas mentes não terem emoções pode ser uma coisa positiva, porque não são afetados por sentimentos como a raiva. Mas disse há pouco que estas mentes podem ter consciência.
Isso é verdade, é. Mas não disse bem isso, disse que é uma possibilidade. Não sabemos o que é a consciência, não sabemos exatamente. Um cão pode ter consciência, não é? Gostamos de pensar que uma galinha não tem muita, mas pode ter um restinho. A consciência, muito provavelmente, não é uma coisa sim ou não, é uma coisa progressiva. É provável que os sistemas de inteligência artificial venham a ter alguma espécie de consciência, alguns valores morais. É um bocadinho difícil porque não sabemos muito bem de onde estas coisas vêm: a consciência, o medo de morrer. Um robô, em princípio, não tem medo de morrer… que a gente saiba.

Relativamente à sua pergunta, é de facto verdade que as máquinas não têm essas emoções. Não matam num momento de raiva, não causam um acidente porque vão distraídas, mas também há o reverso da medalha, porque a nossa condição humana também coloca muitas restrições nas coisas que fazemos e na forma como atuamos, que uma máquina pode não ter se não estiver devidamente programada.

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