A invasão da Rússia à Ucrânia começou há um mês, mas há guerras que duram há décadas. E vão continuar. Na Síria, cerca de 13 mil crianças morreram ou ficaram feridas nos últimos dez anos e no Iémen, onde os ataques duram desde o início do século, a ONU estima que o país atinja o maior número de pessoas com fome até ao final deste ano — 19 milhões de pessoas.
O Observador reuniu as informações mais recentes sobre os conflitos que resultaram em milhares de mortes, de deslocados e de refugiados: Síria, Iémen, Etiópia, Afeganistão, Nigéria, Sudão do Sul e República Centro-Africana.
Síria
De protestos pacíficos contra o regime de Bashar al-Assad para uma guerra civil. Desde 2011 que a Síria é palco de conflitos, com bombardeamentos e ataques diários. E, “à medida que a crise continua, a esperança desaparece”, escreveu o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
A guerra na Síria criou o maior fluxo de refugiados do século: existem mais de 6,6 milhões de refugiados sírios em todo o mundo e 5,6 milhões estão em países próximos da Síria, como Turquia, Iraque e Egito. Aliás, a Turquia é o país que tem mais refugiados sírios — são mais de 3,7 milhões. De acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, este conflito armado provocou, nos últimos 11 anos, meio milhão de mortes.
O conflito na Síria tem sido comparado à guerra na Ucrânia, que começou a 24 de fevereiro, por causa da “multiplicação dos crimes de guerra”. Esta terça-feira, a Amnistia Internacional referiu que “o que está a acontecer na Ucrânia é uma repetição daquilo que vimos na Síria”. A guerra na Ucrânia dura há mais de um mês e a guerra na Síria entrou este mês na segunda década.
As notícias mais recentes dão conta de uma lei promulgada por Bashar al-Assad que restringe a liberdade de expressão no país: seis meses de prisão para os cidadãos que usem palavras que afetam a imagem do governo. Também na semana passada, a ONU promoveu negociações em Genebra para discutir uma nova Constituição da Síria, com a presença dos representantes do governo de Damasco. Esta é a sétima reunião, sendo que as seis anteriores terminaram sem qualquer acordo.
Iémen
A maior crise humanitária de sempre pode ser resumida nos seguintes números: sete anos de conflito, quatro milhões de deslocados dentro do país, mais de 23 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária e 377 mil pessoas morreram.
O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados disse recentemente que não existem sinais de abrandamento deste conflito, que começou em 2015. E a decisão que os rebeldes Houthis tomaram esta semana vem confirmar exatamente a dificuldade que o Iémen terá em terminar com o conflito armado. O objetivo seria ter este ano um mês de Ramadão em paz, sem ataques, mas o cessar-fogo não vai acontecer.
Neste país, aquilo que começou com um protesto batizado de “Primavera Árabe”, para acabar com a corrupção no governo e alcançar estabilidade, acabou numa profunda crise. O grupo de rebeldes Houthis, da fação xiita, invadiu a capital do Iémen em 2014 e, a partir daí, os confrontos entre xiitas e sunitas tem resultado na destruição do país.
Etiópia
Poderá existir, neste momento, pelo menos um sinal de apaziguamento no conflito que dura há 17 meses na zona norte da Etiópia — que incluiu as regiões de Tigray, Afar e Amhara. Os rebeldes do Tigray deram, na semana passada, luz verde para um cessar-fogo, permitindo ao governo que fizesse chegar ajuda humanitária a esta região, marcada pela fome de milhares de pessoas. Milhares de pessoas morreram desde novembro de 2020 e 400 mil fugiram do país.
Este conflito começou há menos de dois anos, quando a Frente de Libertação do Povo do Tigray, um grupo rebelde, ocupou a região do Tigray para derrubar o governo. O primeiro-ministro Abiy Ahmed avançou então com uma intervenção militar contra os separatistas e os confrontos começaram — edifícios destruídos, mortes, feridos, fome, refugiados e miséria. Nesta “catástrofe humanitária”, como considerou a Amnistia Internacional, a ONU admitiu que foram cometidos “crimes contra a humanidade”. Um relatório publicado no início do mês de março pela Comissão Etíope dos Direitos Humanos indica que morreram, pelo menos, 750 pessoas — vítimas dos confrontos ou executadas –, entre julho e dezembro de 2021. Esta não é, no entanto, a primeira vez que a população da Etiópia vive um conflito, já que anteriormente se registaram confrontos com a Eritreia.
Agora, aguarda-se que seja levada ajuda humanitária para a região norte da Etiópia, onde não chega qualquer comboio humanitário desde 15 de dezembro do ano passado. Aqui, a situação humanitária é semelhante à da Ucrânia, uma vez que para abrir corredores humanitários é necessário que as duas partes respeitem o cessar-fogo.
Tal como acontece nos restantes países onde existem conflitos — incluindo a Ucrânia –, a maior parte das pessoas foge para os países vizinhos. No caso da Etiópia, tendo em conta que o conflito acontece no norte do país, verifica-se que a tendência é fugir, sobretudo, para o Sudão. A viagem de carro demora, pelo menos, seis horas, e todos os dias mais de três mil pessoas passam esta fronteira, segundo os dados da Agência da ONU para os refugiados.
Afeganistão
Há 21 anos, George W. Bush iniciou aquilo a que os Estados Unidos chamaram de “Operação Liberdade Duradoura”. Em outubro de 2001, depois do ataque terrorista às torres gémeas, começou a guerra no Afeganistão. Passaram pelo território afegão militares de 51 países da NATO e os 20 anos de missão especial da NATO terminaram no ano passado, quando a Administração Biden ordenou a retirada das tropas norte-americanas.
Os talibã voltaram ao poder, a população continua a precisar de ajuda humanitária e as mulheres têm agora de lutar para recuperar direitos que já tinham garantido antes da guerra.
Importa agora olhar para o cenário que se vive hoje no Afeganistão, um país destruído por décadas de guerra, que se traduzem em fome, insegurança, mortes e numa crise humanitária em matéria de direitos humanos. Este mês, o governo talibã proibiu as mulheres de irem à escola depois do sexto ano. As leis discriminatórias continuam e, mais recentemente, as mulheres foram proibidas de viajar sem a companhia de um homem. E nos parques públicos existem regras que implicam, mais uma vez, a segregação de género: as mulheres podem ir três dias por semana e os homens vão nos restantes quatro dias.
Os alertas das Nações Unidas têm sido vários e, no final do ano passado, estimava-se que 22,8 milhões de pessoas estariam em situação de fome extrema a partir de novembro, sendo esta uma das maiores crises alimentares do mundo. Aliás, 70% das famílias afegãs pede dinheiro para poder comer.
Dos quase 39 milhões de pessoas que vivem no Afeganistão, 24 milhões precisam de ajuda humanitária urgente. E contam-se 2,6 milhões de refugiados — a maioria, cerca de 2,2 milhões, está em países próximos, como o Irão, Paquistão e Tajiquistão.
Nigéria
Este é um dos 10 países mais afetados pelo terrorismo. Está em sexto na lista do Índice Global do Terrorismo, divulgado no início de março pelo Instituto de Economia e Paz. Esta segunda-feira, morreram pelo menos sete pessoas na sequência de um ataque terrorista que bombardeou um comboio que fazia a ligação Abuja e Kaduna. Viajavam 950 pessoas nas carruagens. O comboio parou devido a uma ameaça de bomba e foi cercado por homens armados, que começaram a disparar sobre os passageiros. Já na semana passada, 50 pessoas morreram pelo mesmo motivo no noroeste da Nigéria.
O grupo terrorista Boko Haram, responsável pelos ataques que têm acontecido neste país nos últimos anos, já sequestrou mulheres e crianças e associou-se ao Estado Islâmico há seis anos. Aliás o grupo inicial do Boko Haram acabou por dar origem a dois novos grupos, em 2016 — uma fação histórica e ligada às raízes do grupo e outra fação chamada Estado Islâmico na África Ocidental (Iswap).
O que acontece agora na Nigéria é que os dois grupos extremistas fazem sucessivos ataques com o objetivo de derrubar o governo, mas combatem também entre si, por uma questão de domínio territorial. Ainda assim, de acordo com o Índice Global do Terrorismo, estes grupos diminuíram a sua atividade no último ano, o que resultou numa diminuição em cerca de 72% no número de mortes. Em 2020 morreram 629 pessoas e no ano passado morreram 178.
Sudão do Sul
É no Sudão do Sul que está a maior crise de refugiados do continente africano. Ao mesmo tempo, esta é também uma das crises humanitárias que recolhe menos apoios por parte da comunidade internacional. Existem, neste momento, 2,3 milhões de refugiados — um dos resultados de quase 10 anos de conflito.
“A situação de segurança no Sudão do Sul tem-se vindo a deteriorar nos últimos meses”, escreveu esta semana o vice-presidente do país, Riek Mashar. De facto, o país vive um cessar-fogo desde 2018, ano em que assinou um acordo para colocar fim à guerra civil. No entanto, as guerrilhas entre grupos armados têm sido cada vez mais frequentes. Este mês, um ataque a um comboio matou três funcionários da ONU.
Na capital, cidade de Juba, tem sido reforçado o dispositivo militar, num claro sinal de tensão e insegurança.
República Centro-Africana
Além de ser um dos países mais pobres do mundo, os conflitos entre os grupos armados da República Centro-Africana são um dos 10 menos noticiados nos últimos cinco anos, segundo o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Mais de 632 mil pessoas foram obrigadas a fugir do país, tornando-se refugiadas, e mais de 630 mil deslocaram-se internamente.
O golpe de Estado em 2013 conduziu o país a uma guerra civil e, neste momento, várias partes do território da República Centro-Africana estão fora do controlo do Governo.
As Nações Unidas mantêm aqui a sua missão Minusca e, de acordo com o relatório da organização publicado no ano passado, entre julho de 2020 e julho de 2021, morreram 1200 pessoas. Além disso, registaram-se 526 casos de abusos e de violações.