A portuguesa Alpac Capital comprou 88% da Euronews. O foco não tem estado na aquisição em si, mas nas ligações de um dos sócios ao regime de Orbán na Hungria. Pedro Vargas David é filho de Mário David, antigo vice-presidente do PPE, ex-secretário de Estado (em 2004, no efémero Governo de Santana Lopes) e mais recentemente conselheiro principal no gabinete do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. As questões em torno da independência da Euronews têm-se multiplicado e o próprio Orbán já falou sobre o assunto. Mas que ligações tem afinal a sociedade portuguesa de capital de risco Alpac Capital?
A polémica em torno da aquisição e eventuais ligações ao regime de Orbán já levou o próprio primeiro-ministro a recusar, citado pelo Politico, qualquer interferência política na Euronews e, ironizando, acrescentou que o Fidesz não tem qualquer plano de “criar um império mundial”. Mas além da proximidade familiar entre o novo dono da Euronews e um dos homens próximos de Orbán, a Alpac Capital construiu também grande parte da fortuna na Hungria.
Pedro Vargas David divide a Alpac Capital com Luís Pedro Santos, filho do selecionador nacional Fernando Santos.
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▲ Sócios da Alpac: CEO Pedro Vargas David (à esquerda) e Luís Santos (à direita)
Continuando na Alpac Capital. Através da 4iG a Alpac Capital completou já em junho deste ano a aquisição indireta da empresa DigiTel. A Bartolomeu Investments detém uma participação de 5,25% na 4iG o que permite ao português Pedro Vargas David ser membro do conselho de administração da 4iG.
Lançado em 2017 o fundo luso-húngaro East West Venture Capital Fund, por exemplo, previa investir cerca de 20 milhões de euros em pequenas e médias empresas dos dois países que atuassem sobretudo na área das tecnologias de informação e na área do IT. Em Portugal o investimento esperado era de cerca de 60% do capital gerado pelo fundo, conforme deu conta o Jornal de Negócios à data. O Eximbank, o OTP Bank e a companhia petrolífera MOL estão entre os investidores identificados pelas autoridades húngaras. A Alpac Capital ficou responsável pelas tarefas de gestão do fundo.
Já em Portugal, a Alpac está ligada à Galp num dos maiores empreendimentos de energia solar do país. Inicialmente a Galp Energia tinha comprado apenas 50% dos projetos da Alpac em Ourique, mas mais tarde concretizou mesmo a aquisição dos restantes 50% comprando a totalidade do capital da International Solar Development Company (ISDC). Em julho deste ano era Pedro Vargas David que confirmava ao Expresso que a sua participada Alpac Luzon tinha vendido à Galp os restantes 50% que detinha na ISDC.
Com o negócio a Galp passou a ser o acionista único da empresa promotora da central de Ourique. A compra da totalidade das ações da empresa resultou de uma opção anteriormente acordada com a Alpac em função do desenvolvimento do projeto no Alentejo. Ainda que os primeiros prazos para o início da construção apontassem para o final deste ano, a REN terá atrasado o calendário e a meta ficou agora definida para 2022 uma vez que a ligação da REN entre a rede e as instalações só está prevista para 2024 de acordo com a informação prestada pela empresa ao semanário em julho deste ano.
No que diz respeito a empresas com sede em Portugal, Pedro Vargas David é também gerente da Divad, a empresa familiar cujos pais são os únicos sócios. A empresa está registada com o CAE de “outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas”. Fonte próxima da família diz que esta empresa tem apenas o “património real estate da família”, sem atividade. “Não é uma sociedade operacional, não tem receitas nem clientes, tem ativos”, disse a mesma fonte.
A unipessoal Sunny Meridian, de Pedro Vargas David, com sede em Lisboa na Rua D. Filipa de Vilhena foi constituída em março desde ano com uma quota de um euro e movimenta-se na área das energias renováveis. Tem por objeto o “desenvolvimento de projetos na área das energias renováveis. Promoção,produção e comercialização de energias renováveis. Produção e comercialização de equipamentos de energias renováveis”, conforme consta da informação no portal do Ministério da Justiça.
Já Luís Pedro Santos é também gerente da empresa que o pai, o selecionador Fernando Santos fundou em 2014, inicialmente como unipessoal, mas que foi alargando e tem atualmente como sócios não só Fernando Santos e a mulher, mas também o filho e a filha e respetivos cônjuges.
É depois da fusão da Sociedade Imobiliária da Charneca do Guincho (que era de Luís Pedro Santos) com a Femacosa que o também sócio da Alpac Capital passa a ser gerente da Femacosa. De acordo com o registo da atividade a empresa da família Santos dedica-se ao “apoio técnico e consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização”.
Luís Pedro Santos tem ainda o cargo de vogal no conselho de administração a empresa Acoustic Neuron fundada em junho de 2020 e que de acordo com o código de atividade económica se dedica ao desenvolvimento de atividade “no âmbito de serviços administrativos”.
A amizade entre Mário David e Viktor Orbán que gerou dúvidas na aquisição da Euronews
Conforme deu nota recentemente o Observador, Mário David mantém-se como conselheiro principal de Orbán acompanhando-o em encontros oficiais como o que teve lugar em Budapeste em julho de 2020 numa altura em que era essencial garantir a aprovação do fundo de recuperação europeu — que acabou depois por ser bloqueado pela Hungria e Polónia num impasse que durou até dezembro desse ano.
Além de conselheiro político, Mário David é amigo de Viktor Orbán desde a década de 90 e teve um importante papel na passagem do Fidesz — quando ainda pertencia em conjunto com o PSD à família política dos liberais — para o lado do PPE.
A controvérsia em torno de Mário David aumentou depois de o antigo eurodeputado, em 2016, ter sido uma das figuras principais da candidatura da búlgara Kristalina Georgieva a secretária-geral da ONU, contra o português António Guterres. No currículo tem ainda o apoio a Durão Barroso na Comissão Europeia. Mário David (que era assessor político do primeiro-ministro desde 2002) acompanhou Durão Barroso quando foi eleito Presidente da Comissão Europeia tendo a responsabilidade de coordenar o gabinete de transição da Comissão que estava nas mãos de Romano Prodi. Foi o maior operacional de Barroso em Bruxelas.
Mário David é tido pelos que lhe são mais próximos como homem de pontes para o leste da Europa e há quem assegure que, neste caso, talvez não se esteja a olhar pelo prisma certo. “Talvez ele [Mário David] seja a voz europeia no ouvido de Orbán. Se calhar está ali para moderar e não tem nada a ver com o que muitas vezes acontece na Hungria”, diz ao Observador fonte próxima do antigo eurodeputado.
Sobre a eventual ingerência do regime de Orbán na Euronews, além da resposta irónica do próprio já tornada pública, também o filho e um dos sócios da Alpac Capital, Pedro Vargas David, já negou qualquer ligação do pai às atividades da Alpac.
![Euronews Headquarters.](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:4096:2307/c:4096:2307:nowe:0:333/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2021/12/23135735/GettyImages-815790914-1-scaled.jpg)
▲ Redação da Euronews em Lyon
Universal Images Group via Getty
Euronews garante independência através de comité editorial próprio
Apesar da compra de 88% da Euronews pela Alpac Capital, os restantes 12% ainda estão nas mãos de empresas públicas como a portuguesa RTP. Participam também a checa CT, a cipriota CyBC, da Algéria ENTV, a grega ERT, a tunisina TT, a egipcía NMA, a Frace Télévisions, da PBCU (Ucrânia), PBS (Malta), a italiana RAI, a belga RTBF, a irlandesa RTE, a russa RTR, a eslovena RTVSLO, SNRT (Marrocos), SSR (Suíça), TVR (Roménia), TV4 (Suécia), YLE (Finlância) e ainda de governos regionais ou locais como a Métropole de Lyon, o Département du Rhône, a Région Auvergne-Rhône-Alpes e de Abu Dhabi, a ADMIC.
Ao Politico o presidente do conselho de administração da Euronews, Michael Peters, disse ter a “100% certeza que os projetos financeiros [de Pedro Vargas David] nunca irão interferir na Euronews”.
“Tenho todas as garantias de independência editorial”, afirmou o responsável secundado no artigo do Politico por mais fontes da empresa que estão seguras da manutenção da independência.
O Observador sabe que nos últimos dias teve lugar uma reunião entre o novo dono da Euronews os cerca de 600 jornalistas que trabalham no canal televisivo europeu e que perante as questões sobre eventuais alterações nos métodos de trabalho a resposta dada pelos responsáveis da Alpac Capital foi para “continuar o que sempre se fez”.
“Não há alteração nenhuma, mudança nenhuma, façam o que sempre fizeram. Não há melhor prova de independência. Quem vai responder a estas acusações são vocês, continuando o trabalho que sempre fizeram”, disseram os novos donos do canal de televisão numa call geral que aconteceu já depois de todo o eco gerado entre as eventuais ligações da Alpac Capital ao regime de Orbán.
Artigo alterado às 22h25. Na versão inicial o Observador referia-se a Janos Mészáros como sendo irmão de Lőrinc Mészáros, amigo de infância de Viktor Orbán, mas são duas pessoas com o mesmo nome sem qualquer relação entre si. Pelo erro apresentamos as nossas desculpas aos leitores e aos visados