No mais longo frente a frente desta maratona televisiva de debates (quase 20 minutos de tempo para cada um), Luís Montenegro começou o confronto a garantir novamente que não “fará nenhum acordo com o Chega”, por defender opiniões “racistas, xenófobas e populistas”, mas fugiu a dizer se viabilizará um governo minoritário do PS. André Ventura respondeu-lhe, acusando o líder a AD de ser “o idiota útil da esquerda”, dizendo que o PSD quer “agarrar-se de qualquer maneira ao poder” e que “não consegue responder o óbvio”, a de que “salta para o colo do PS”.
Um dos ataques do líder da AD a André Ventura foi a “irresponsabilidade financeira” do programa do Chega, “que custa 25.525 milhões de euros”, segundo as contas que fez, já que elas não estão somadas pelo partido de Ventura, sublinhou. O debate aqueceu depois em redor da proposta do Chega sobre permitir a filiação partidária e a greve à PSP e à GNR: Montenegro falou em “instrumentalização”, Ventura usou a expressão “espezinhou estes homens”.
A frase da noite aconteceu nesta altura do debate, e veio de um ataque de Luís Montenegro a André Ventura, do tempo em que ambos estavam juntos na mesma bancada da Assembleia: “Eu era líder parlamentar e André Ventura achava que devia ser líder do partido.” “Estaria meio confundido”, respondeu o líder do Chega.
Esta terça-feira de Carnaval há dois debates. O primeiro, às 18h00, na CNN, opõe Paulo Raimundo (PCP) a Rui Tavares (Livre). Depois, às 23h00, na RTP3, é a vez de André Ventura (Chega) voltar a entrar em cena, desta vez frente a Mariana Mortágua (Bloco). Pode ver o calendário completo de todos os debates neste gráfico.
Quem ganhou cada um dos debates? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos por cada um dos frente-a-frente. E explicar porquê. A soma vai surgindo a cada dia, no gráfico inicial.
Luís Montenegro (AD)-André Ventura (Chega)
Ana Sanlez — Toda a gente tem um passado e esta noite André Ventura foi confrontado com o seu. Ao longo de boa parte do debate, Luís Montenegro foi recordando ao líder do Chega os tempos em que este “batia palmas” e andava com “bandeirinhas” do PSD, e até queria que Montenegro fosse líder dos sociais-democratas. Uma estratégia arriscada mas que lhe correu bem, já que Ventura não foi inteligente na reação. O líder do Chega pareceu, aliás, bastante mais tenso do que nos outros debates. Terá sido, talvez, eficaz para o seu eleitorado garantido. Montenegro adotou uma estratégia cara a Ventura, a de interromper constantemente o líder do Chega, provocando uma reação caricata do líder do Chega (“interromper não lhe fica bem”). Também foi irónico ouvir Ventura acusar Montenegro de “arrogância” por confiar nas sondagens, bastando lembrar a sobranceria com que tratou os 5% que as sondagens dão à IL. Montenegro surgiu preparado com números e propostas, Ventura não conseguiu justificar as suas medidas-bandeira, como os 18 mil milhões de euros que prevê ir buscar à corrupção e o controverso direito à greve para as forças de segurança.
Alexandra Machado — Um é candidato a primeiro-ministro, o outro é candidato a outra coisa qualquer. A expectativa em torno do debate entre Luís Montenegro e André Ventura era grande, disputam o mesmo lado do eleitorado (não na totalidade), e a RTP acabou a alastrar o confronto além do tempo regulamentar – uma vantagem dada pelo árbitro… E confronto é mesmo confronto. Luís Montenegro tem um papel diferente de André Ventura que utiliza sempre a tática de pôr assuntos em cima de assuntos para não se falar de um em particular (ainda que em alguns momentos deste debate o líder da AD o tenha mimetizado). Montenegro ganhou ao atirar as contas do Chega a Ventura (dizendo que o programa custa 25.525 milhões), mas particularmente quando lembrou a Ventura que tinha integrado o PSD e até tinha pretendido Montenegro a líder. Ventura (que não tinha necessidade de confrontar Montenegro com as medidas da troika) ficou um pouco desarmado. Ainda assim nem num caso nem de outro terão conseguido roubar votos. E no caso dos indecisos continuaram sem saber o que acontecerá no pós-eleição em alguns dos cenários, até porque Montenegro continua a dizer “não é não” ao Chega e iniciou o debate cortando a raiz a qualquer tipo de entendimento, acusando-o de xenofobia, racismo, populismo, demagogia. Chega?
Miguel Pinheiro — Luís Montenegro queimou todas as pontes que pudessem talvez, eventualmente, um dia, existir com o Chega. Começou por qualificar algumas opiniões do partido como xenófobas e racistas e acabou a dizer “Tenho que me rir. Tenho que me rir de si”. André Ventura contra-atacou com eficácia em alguns temas, mas há um ponto do qual não se consegue libertar: é que, neste momento, o Chega precisa mais do PSD do que o PSD do Chega. Sem Luís Montenegro, André Ventura fica sem saída. E, esta noite, o “Não é não” passou a “Não é nunca, jamais, em tempo algum”.
Pedro Jorge Castro —Luís Montenegro preparou bem a declaração inicial, um ataque demolidor ao Chega, a deixar claro porque é que não se coligará com o líder do partido que chamou ao PSD “prostituta” política. Também esteve bem a quantificar a irresponsabilidade financeira de 13 medidas do Chega em 25 mil milhões de euros. E ainda a recordar que Ventura andava de bandeirinha do PSD na mão, o que o deixou muito irritado. Mas depois faltou-lhe gravitas para aguentar bem o resto do debate. A comparação não é com Ventura, é com Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, que não deram hipótese quando enfrentaram o líder do Chega em campanhas anteriores. Ventura pareceu entalado sem conseguir impor-se como aliado da AD, mas, com demagogia e rasteirice, não é líquido que tenha perdido votos. Para usar uma expressão de Ventura, “parte o coração” a muitos eleitores constatar a falta de elevação do frente a frente entre dois dos três líderes que serão mais votados a 10 de março. Já se esperava.
Rui Pedro Antunes — Montenegro e Ventura não quiseram responder a duas questões essenciais de forma direta. O líder do PSD não quis dizer que viabiliza um Governo minoritário do PS e o líder do Chega não quis dizer se viabiliza um governo minoritário do PSD caso não haja acordo. Omissões à parte, Luís Montenegro aplicou o princípio da arte marcial favorita do Presidente Marcelo (o Aikido), ao ter aproveitado a força do adversário para derrotá-lo. Foi o líder do PSD que foi politicamente mais combativo (interrompeu muito mais Ventura), mais fanfarrão (“estou a trabalhar para a maioria absoluta”) e até paternalista — quando lembrou que Ventura o chegou a querer como líder do PSD. Com requintes de malvadez: “Andava de bandeirinha [do PSD] a defender-nos”. O líder da AD foi ainda eficaz a colar a Ventura uma imagem de irresponsabilidade financeira (dizendo que o programa custa 25,5 mil milhões de euros), mas também política, por querer partidarizar e permitir o direito à greve nas forças de segurança — isto depois de Marques Mendes e Paulo Portas já lhe terem feito o trabalho de casa de véspera. O líder do PSD atirou André Ventura completamente ao tapete, com o líder do Chega a não conseguir mais que apartes habituais e a prender-se no seu próprio labirinto. Ventura só teve menos mal quando vendeu a ideia de que PS e PSD são os partidos do regime e que Montenegro é, por isso, mais do mesmo.
Pode ver aqui as notas dos debates da primeira semana: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo.