Começaram com o tema corrupção e, mesmo concordando no seu combate, colocaram-se imediatamente cada um no seu extremo ideológico. André Ventura criticando o facto de Paulo Raimundo dizer que o problema de tanta corrupção serem as privatizações e acusando o PCP de querer sair da União Europeia, do euro e da NATO; Raimundo, sem responder diretamente à acusação, dizendo apenas ter muito orgulho de os comunistas nunca terem acompanhado nenhuma iniciativa do Chega e acusando Ventura de estar “obcecado por dar a mão ao PSD”. Depois picaram-se sobre cada qual dos partidos pagou mais impostos sobre o património e terminaram a falar sobre imigração e emigração.
Pedro Nuno Santos e Rui Tavares apresentaram diferentes caminhos para a esquerda governar, com uma agenda mais ou menos compatível. Mas coube ao líder do PS dramatizar o voto nos socialista e não no Livre, com uma frase: “O risco da AD ganhar é real”. E é por isso que, “com o muito respeito” que Tavares lhe mereça, Pedro Nuno lembrou que as medidas do Livre só foram implementadas porque os socialistas estavam no poder e que isso só voltará a acontecer novamente com uma vitória do PS: se o PSD vencer, não haverá qualquer medida de Rui Tavares a ser viabilizada. Mas o porta-voz do Livre não se deixou abalar e quando foi questionado se o apelo do PS ao voto útil põe em risco o Livre respondeu: “Era o que faltava”.
Antes, Rui Rocha e Inês Sousa Real tinham concordado (inesperadamente) sobre a proposta da recuperação do tempo de serviço dos professores, não divergiram muito sobre um governo para os Açores, mas entraram em debate aceso sobre quase tudo o resto: a solução nuclear para a energia e, sobretudo, as propostas de impostos para fixar os jovens em Portugal e para melhorar a saúde, a educação e, claro, os salários. A porta-voz do PAN falou do “país da grande ilusão liberal” de Rui Rocha. O líder da Iniciativa Liberal atacou a falta de programa (e medidas concretas) do partido de Inês Sousa Real.
Este sábado, às 20h30, na RTP1, Luís Montenegro e Paulo Raimundo enfrentam-se às 20h30 e logo depois, às 21h00, é a vez do frente a frente entre Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua, na TVI. Pode ver o calendário completo de todos os debates neste gráfico.
Quem ganhou cada um dos debates? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos por cada um dos frente a frente. E explicar porquê. A soma vai surgindo a cada dia, no gráfico inicial.
André Ventura (Chega)-Paulo Raimundo (PCP)
Ana Sanlez — Um debate penoso. A diferença de preparação entre André Ventura e Paulo Raimundo para o confronto é abismal e torna-se confrangedor assistir. E aqui reside o grande problema do PCP. O que o partido defende é o mesmo há décadas, mas é preciso atualizar o discurso. Só que Paulo Raimundo não tem discurso. E isso fica demasiado exposto quando o opositor é André Ventura, cuja maior arma é a retórica, por muito que esta, quando espremida, seja desprovida de conteúdo. Mas é preciso saber espremer. Paulo Raimundo pareceu ter a sua oportunidade quando falou em “desfazer o mito” de que o PCP não paga impostos, e até deu valores, mas nem aí conseguiu desarmar Ventura, a quem bastou fazer o número do costume (com os insultos do costume) para sair por cima (inclusive no tempo, já que teve dois minutos a mais do que Raimundo, aí não por culpa própria). Tentar colar Ventura ao tempo da troika também não resultou.
Alexandra Machado — Não viu a relevância da pergunta sobre a vivenda em Aveiro do PCP que foi entregue a um promotor imobiliário para vender casas a 500 mil euros. E eu não vi a relevância do que Paulo Raimundo disse durante todo o debate — para o qual levou uma única surpresa: quanto pagou o PCP em impostos em 2022. André Ventura foi apanhado de surpresa. Várias vezes acusou o PCP de não pagar impostos, nomeadamente com a festa do Avante, e agora a pergunta voltou-se contra si: quanto paga o Chega de impostos? Ventura não soube responder, acabando a fazer o que Raimundo fez tantas vezes no debate – não respondeu. Um debate de regresso ao passado, em ambos os casos (e sem sentido), sem substância e, em alguns casos, sem respostas concretas ou com respostas irrealistas. E sem tempo. No final, Paulo Raimundo apareceu com um tempo de debate de 10,57 minutos, contra 12,34 de Ventura. Um tempo que precisava de ir ao VAR (vídeo-árbitro). Mas ainda bem que acabou.
Miguel Santos Carrapatoso — Paulo Raimundo é um erro de casting. Numa altura em que o PCP luta pela sobrevivência, havia uma grande expectativa em relação ao secretário-geral comunista, que foi sempre apresentado como uma espécie de continuidade de Jerónimo de Sousa. No estilo, na capacidade de criar empatia, de falar ao português comum. Tudo isso pode ser verdade, e já deu sinais disso mesmo, mas Paulo Raimundo não conseguiu, ainda, demonstrar essas qualidades nesta temporada de debates. E este não era um frente a frente qualquer. Era essencial ao PCP conseguir fazer prova de vida num debate com um partido que também disputa o eleitorado do Chega — o tal que se sente desconsiderado, abandonado, esquecido. Raimundo não conseguiu. Foi confuso, inconsequente, insuficiente. André Ventura, que continua sem conseguir explicar 99% das propostas eleitorais do Chega (e logo depois de prometer “combater a zoofilia e fazer um diagnóstico da prática em Portugal”), nem precisou de se esforçar muito. Ganhou por falta de comparência do adversário.
Ricardo Conceição — E à segunda, Paulo Raimundo volta a titubear. André Ventura atirou os habituais argumentos de café contra o PCP, mas foi de longe mais eficaz num eventual roubo de votos aos eleitores tradicionalmente comunistas. Ventura acusou o PCP de ter na história sangue, roubos, de não apoiar o combate à corrupção e de não defender os aumentos das pensões. Paulo Raimundo, perdido, foi incapaz de responder aos ataques metralhados pelo líder do Chega. Foi notório o incómodo quando confrontado com o negócio do imóvel de Aveiro ou sobre a saída do euro. Na preparação do debate, Raimundo terá decorado um golpe ofensivo: “Colar Ventura à troika”, mas a única estocada bem sucedida foi quando encheu o peito para dizer que “o PCP pagou em impostos no ano 2022 mais de 450 mil euros” e 490 mil relativos à Festa do Avante. André Ventura não tinha qualquer número para apresentar e não foi capaz de responder. No entanto, a experiência política permitiu ao líder do Chega vencer o debate e amealhar alguns votos à custa das soluções milagrosas de sempre.
Sara Antunes de Oliveira — Dizer que sabe que o grande problema da corrupção são as privatizações com base na experiência política que tem é quase o mesmo que alegar ter uma pós-graduação em ciências na universidade de vida. Paulo Raimundo fartou-se de dizer que o PCP (com orgulho) não acompanhou uma única iniciativa do Chega no Parlamento. Talvez devesse fazer-se acompanhar de um estudo como deve ser quando quiser falar tanto tempo sobre corrupção. André Ventura aproveitou a passadeira vermelha, mas acabou por ser apanhado fora de pé. Dois minutos depois de, com enorme indignação, ar ofendido e mão no colar, ter recusado qualquer responsabilidade no tempo da troika — altura em que foi candidato pelo PSD —, já acusava Paulo Raimundo de ter aprovado cinco Orçamentos do PS. Pior, acabaria por não ter resposta para uma pergunta clara, metralhada por Raimundo: afinal, quanto é que Chega pagou em impostos no ano passado?
Pedro Nuno Santos (PS) – Rui Tavares (Livre)
Ana Sanlez — A pressão do cronómetro foi castradora para os dois candidatos, que tiveram dificuldades em encaixar todas as palavras que queriam dizer nos escassos minutos disponíveis. A certa altura foi possível ver Rui Tavares sem fôlego. Foi um debate vivo entre dois partidos que querem o mesmo resultado a 10 de março, o que pode ser um risco para o Livre. Pedro Nuno Santos terá sempre a inglória tarefa de defender o que já foi feito pelo PS, mesmo que tenha sido mal feito (e tentou emendar a mão sobre o mortal “o que é que está mal?” que disse no debate com Rui Rocha ao reconhecer que o SNS tem problemas). Rui Tavares tem sabido defender as propostas do Livre sobretudo na habitação e hoje conseguiu dizer “umas verdades” ao antigo ministro da pasta. Pedro Nuno Santos tratou o Livre como um enfeite, ao insistir que as suas propostas só passam com o PS no poder.
Alexandra Machado — Um debate que se esperava de amigos e que acabou por ser um debate de amigos, com “dinâmica”, segundo Pedro Nuno Santos. O líder do PS foi igual a si próprio, a querer controlar tudo e todos, até no sentido de voto dos eleitores do Livre. Mas Rui Tavares optou por mostrar o que conseguiu, estando no Parlamento – até em áreas que Pedro Nuno tutelou, como o passe ferroviário nacional. A habitação foi o tema que mais disputaram. Sem que ainda haja programa do PS, Pedro Nuno, que falou de poucas medidas que vai propor, andou mais tempo à volta do que os governos socialistas fizeram do que no tenciona fazer. Para lá da “casinha” de Pedro Nuno, o líder do PS picou-se mais com o entrevistador do que com o opositor (mesmo trocando o nome do partido de Livre para o Chega). Sem estar em quase a concordância das medidas, Rui Tavares volta a conseguir falar das suas propostas em alguns dos temas, do que fez e do que se propõe fazer. Pedro Nuno ficou mais pelo passado, e isso não o beneficia e, mesmo pedindo votos para o PS, acabou a elogiar o oponente “Há medidas boas do Livre”.
Rui Pedro Antunes —Pedro Nuno Santos dramatizou o voto no PS e disse a mais dura das verdades que um votante do Livre pode ouvir: as ideias do Livre só vão ser aprovadas (e terão hipótese de ser aprovadas na especialidade do OE) se o PS for governo. Rui Tavares é uma espécie de irmão mais novo que até pode ser melhor dançarino, ter as melhores coreografias, mas só vai à discoteca se o irmão mais velho (Pedro Nuno) lhe der boleia. Pedro Nuno Santos teve ainda um positivo exercício de humildade (e tanto que lhe custa) dizendo que “há o risco da AD vencer”. Para quem vencia o PS e o país com uma geringonça às costas entre dezembro e março, já está mais realista. O eleitorado, por norma, não gosta de fanfarrões. É, por isso, um importante progresso. Já Rui Tavares continua a ser um jogador sem muitas falhas, com requintes de Maquiavel, como quando disse a Pedro Nuno Santos que a governação do PS “não funcionou”. A ideia era lembrar a pergunta autofágica que Pedro Nuno fez no debate com Rui Rocha (“O que não funciona?”) Tavares foi eficaz na parte de colar Pedro Nuno Santos a Costa. A estratégia só tem um defeito de fabrico: as medidas que o Livre se gaba de ter aprovado, só o foram porque a maioria absoluta do PS quis. Mesmo sem precisar. No mano-a-mano, em ambiente familiar, há claramente um que vai à piscina dos grandes, outra à dos pequenos. E isso foi evidente de mais.
Ricardo Conceição — Pedro Nuno Santos regressou à energia que o caracteriza. Não abrandou no tom nem num desfile de medidas que tem por boas. Rui Tavares começou sem desferir um único golpe no seu adversário de debate, acabou surpreendido por interrupções e por um banho de realidade quando o secretário-geral do PS o recordou (mais do que uma vez), que sem o PS o Livre não existe. E aqui, Pedro Nuno Santos entrou no caminho da dramatização. Sem o PS, o Livre não consegue aprovar uma medida. Pedro Nuno Santos não escondeu que tolera o Livre, o aceita e até gosta de Rui Tavares. Mas também ficou claro, que o pequeno partido da esquerda não causa qualquer mossa ao gigante socialista. Livre do problema Tavares, Pedro Nuno embarcou na narrativa: nós ou caos da direita. O PS não perdeu votos, o Livre também não.
Sara Antunes de Oliveira — Foram praticamente quatro minutos para Pedro Nuno Santos dizer que é “praticamente impossível” viabilizar um Governo minoritário da AD. Minutos a mais e formulações demasiadamente complicadas para uma resposta que devia ser simples. Tão simples, pelo menos, como a solução que Rui Tavares encontrou para começar a resolver o problema da habitação: afinal, basta eleger um Governo de esquerda. Depois, esse Governo de esquerda, logo nas primeiras semanas de governação de esquerda, começa a mobilizar quartéis e hospitais vazios para transformar em alojamento. Esperem lá, uma dúvida: nos últimos oito anos tivemos um Governo de quê? (Já agora: mais um empate. Na verdade, Pedro Nuno Santos divergiu mais do moderador, João Adelino Faria, do que de Rui Tavares. Isto assim não vai ser muito fácil.)
Rui Rocha (IL)-Inês Sousa Real (PAN)
Ana Sanlez — Depois do parque infantil e do escorrega, o parque de diversões. Nesta campanha a IL já conquistou o título de rei do recreio. O que é que isso diz da prestação de Rui Rocha? Muito pouco. A frase feita do arranque continua a soar artificial e, nesta altura, só se justifica mantê-la por coerência (e alguma teimosia) do que por eficácia. Os dois candidatos estavam bem preparados sobre o que é que cada um aprovou ou chumbou nas últimas legislaturas, e tentaram usar isso como trunfo para enfraquecer o outro, bem. Inês Sousa Real esteve melhor a defender a sua posição sobre a energia nuclear e a apontar a incoerência da IL neste capítulo. Um e outro precisam de afinar as explicações sobre como pretendem fazer subir o salário médio. Conseguiram estar de acordo num tema, os professores, o que não deixa de surpreender.
Alexandra Machado — O nuclear chegou aos debates. Inês Sousa Real, no seu ambiente, esteve segura nas respostas sobre o tema. Rui Rocha não excluiu o nuclear. Sabia-se que o ambiente podia tramar o líder da IL. Não tramou, mas também não o beneficiou, apesar de ter mostrado o seu catálogo para o crescimento sustentável. Já nos impostos, Rui Rocha conseguiu defender melhor as suas propostas. Até porque o PAN ainda não apresentou o seu programa e Inês Sousa Real não mostrou segurança na defesa da sua proposta de IRS que só prevê a atualização à taxa de inflação. Ponto para Rui Rocha que colou sempre Inês Sousa Real à governação socialista, até porque o PAN absteve-se nos orçamentos socialistas. Rui Rocha voltou a fechar melhor o debate, mas Inês Sousa Real tirou logo, no início, uma punchline a Rui Rocha. O líder liberal tem começado os debates com a frase “o único voto que mudar Portugal é o voto na IL”. Mas desta vez, Sousa Real foi a primeira a tomar a palavra e retirou-lhe a deixa começando por dizer que o “liberalismo não funciona e não faz falta a Portugal”. Até Inês Sousa Real voltou a Cotrim de Figueiredo, já que essa era a frase do anterior líder da IL e não do líder com quem estava a debater.
Filomena Martins — Depois de entrarem carrosséis e escorregas, está composto o parque de diversões nos debates para estas legislativas. Foi Inês Sousa Real quem o abriu, apontando à cara de Rui Rocha o grande papão do liberalismo ao afirmar que o país da Iniciativa Liberal era o “país da grande ilusão liberal”, mas que “o “bilhete para este parque de diversões não está ao acesso de todos”. Problema: apesar de estar bem preparada na questão que domina, a ambiental, a porta-voz do PAN picou demasiado o líder da IL sobre a defesa do nuclear como fonte de energia e este começou elencar as medidas verdes do seu programa e lembrou que o PAN ainda nem apresentou o seu. E, quando chegou à parte fiscal aí, Rocha, que já leva a experiência de quatro debates em cinco dias, entrou no seu terreno: apresentou as propostas para os jovens e falou de impostos com tranquilidade enquanto Sousa Real nem à terceira conseguiu responder como faria subir o salário médio, engasgando-se entre IRS progressivo conforme a inflação até sacar de um IRS jovem que ainda ninguém conhece. Depois Rocha voltou a usar o truque de lembrar que o PAN foi outro dos partidos que viabilizou todos os orçamentos do PS: ou seja, que fez com que chegássemos ao estado em que isto está e que a IL quer mudar. O fôlego final dele valeu-lhe mais uma voltinha no parque.
Miguel Pinheiro — O líder da Iniciativa Liberal usa o mesmo argumento para todos os partidos que se comportaram como satélites do PS nos últimos oito anos: com a saúde, o ensino e a segurança em degradação, querem manter tudo na mesma. Inês Sousa Real não conseguiu contestar essa ideia e contra-atacou com o perigo da “grande ilusão liberal” que quer “pôr em causa o Estado Social”. Mas a líder do PAN esteve muito longe da energia, do foco e da implacabilidade que mostrou no debate com André Ventura.
Rui Pedro Antunes — Rui Rocha foi eficaz a colar Inês Sousa Real à governação socialista, lembrando que o PAN viabilizou todos os orçamentos do PS. Numa altura em que o partido animalista insiste em não se definir de esquerda nem de direita (para captar votos de ambos os lados) é útil para os liberais lembrar que, a nível nacional, o PAN está do lado do outro bloco (que não é o não-socialista). O líder da IL conseguiu ainda expor o facto de o PAN não ter, ainda, um programa eleitoral conhecido. O melhor de Sousa Real foi conseguir abanar dois papões contra Rocha: o liberalismo que deixa pessoas para trás (a que chamou de “ilusão liberal”) e a energia nuclear.
Pode ver aqui as notas dos debates de segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e quinta-feira.
As notas do debate. Mariana Mortágua ou Rui Tavares, quem foi o melhor?