Os primeiros, Luís Montenegro e Paulo Raimundo, começaram por deixar as coisas claras. O PCP nunca viabilizará um governo da AD e quanto a diálogos com o PS, é preciso falar de “conteúdo”. O PSD avisou que nos Açores “não vale a pena o Chega sonhar com negociação”, terá de decidir, no “teste de algodão”, se vai para “os braços do PS” ou se apoia o que saiu das eleições. Mas, a partir daí, Raimundo trouxe a troika, com o corte das pensões e a subida de impostos, para jogo e Montenegro lembrou não só que foi o PS quem assinou o memorando de 2011, como nos últimos anos foram governos socialistas com o apoio do PCP que colocaram o país no estado em que está.
Depois, Pedro Nuno Santos começou por debater com Montenegro e não com Inês Sousa Real, que era quem estava realmente à sua frente. E a seguir, pouco ou nada houve de verdadeiro debate, a não ser forçar a porta-voz do PAN a dizer de que lado estava, que Sousa Real acabou por afirmar ser do centro-progressista que é do centro-esquerda e não de direita. Ainda veio à discussão a ferrovia, a localização do novo aeroporto e a questão do lítio, mas pouca discordância se ouviu.
Amanhã, serão Luís Montenegro e Inês Sousa Real a sentar-se frente a frente, no primeiro debate do dia, às 21h00, na SIC. Segue-se, uma hora depois, às 22h00, na SIC Notícias, o frente-a-frente da esquerda entre Paulo Raimundo, do PCP, e Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda. Pode ver o calendário completo de todos os debates neste gráfico.
Quem ganhou cada um dos debates? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos por cada um dos frente-a-frente. E explicar porquê. A soma vai surgindo a cada dia, no gráfico inicial.
Luís Montenegro (AD)-Paulo Raimundo (PCP)
Alexandra Machado —Luís Montenegro minorizou o adversário. Fê-lo antes do debate. Fê-lo durante. Ficou à distância e ainda fez a gracinha de, a uma pergunta, responder com silêncio (e não, não foi erro técnico, dessa vez). Mas o debate ficou muito preso na tentativa de Montenegro colar Raimundo ao PS e de Raimundo colar Montenegro aos tempos da troika. As pensões eram o tema que ambos queriam falar. O PCP tem uma medida que custa 1.600 milhões por ano; a AD promete a atualização com base na lei mas em cima disso promete subir o complemento solidário para idosos para 820 euros e que custa 200 milhões. Mas os números não são comparáveis, são coisas substancialmente diferentes. Mas a do PCP é mesmo irrealista. Os pensionistas vão responder dia 10 de março. Raimundo, que tem estado francamente mal, melhorou neste debate com Montenegro que estava claramente mais à vontade (e esteve bem na questão sobre os Açores) e isso deu-lhe pontos. Mas estava à distância – e isso retira-lhe pontos.
Filomena Martins — Já cá faltava a troika. E se, no melhor dos seus três debates, Paulo Raimundo se agarrou a esse trunfo como um mexilhão a uma rocha, então as coisas vão correr mesmo mal ao PCP, que, apesar da medalha de não ter aprovado nenhuma medida do Chega, muitos viram que concordavam em muitos pontos. O secretário-geral dos comunistas acha mesmo que continua a colar a ideia de que, 13 anos depois, a culpa da atual situação do país é do “brutal aumento de impostos” e dos cortes aos pensionistas e que o malandro foi o governo do Passos Coelho? Se calhar acha. Claro que a Montenegro foi fácil destrunfar Raimundo: bastou dizer que quem assinou o memorando com a troika foi o PS e não o PSD e que se o PSD não tivesse feito os cortes que o PS tinha acordado os reformados ficariam sem nada. Depois, sacou o ás que tem tido sempre na manga: o PCP esteve unido ao PS na governação e foi assim que o país chegou ao estado em que está. Fácil.
Miguel Pinheiro —Decididamente, Paulo Raimundo devia ter aceitado debater com Nuno Melo. Talvez assim as coisas lhe tivessem corrido melhor. O secretário-geral do PCP fez um progresso: já não vive em 1917. Mas ainda vive em 2011. No momento em que se falava sobre pensões, tentou fragilizar Luís Montenegro evocando os tempos da troika. Mas o líder do PSD lembrou-lhe que, em 2011, não estava em causa fazer um corte de pensões, maior ou menor — estava em causa não haver dinheiro para pagar pensões nenhumas. Apesar disso, Paulo Raimundo está a ficar melhor nos debates — talvez nas próximas eleições esteja no ponto.
Rui Pedro Antunes — O debate foi uma espécie de telefone estragado, com Luís Montenegro a conseguir estar imune aos repiques do moderador (e de Raimundo, vá) por estar nos estúdios do Porto. A partir da sua janela nortenha, muitas vezes em modo monólogo, o líder da AD — que não disputa eleitorado com a CDU — atirou a quem lhe dava mais jeito: o Chega. Avisou que não vale a pena “sonhar” porque não vão existir conversas nos Açores e que é o partido de Ventura que tem de decidir se vai para os braços do PS. Montenegro mantém assim o xeque ao Chega, provando que o “não é não”, não só é verdadeiro como faz parte de uma estratégia. Já Paulo Raimundo trazia como arma no bolso a troika, mas isso acabou por fazer ricochete: Montenegro aproveitou para lembrar que, depois de 2015, a responsabilidade de governação do PS também é do PCP. Raimundo foi eficaz, porém, a forçar Montenegro a dizer que a proposta da CDU para as pensões é muito cara e inexequível. Logo ele que se está a esforçar — propondo 820 de rendimentos dos pensionistas para 2028 e ao nível do salário mínimo em 2032 — para fazer a tão desejada “reconciliação” com os pensionistas. Torna-se mais evidente agora que deixar estes 30 minutos para Nuno Melo era perder uma oportunidade para ganhar votos. Montenegro pode agradecer, assim, à intransigência das televisões.
Sara Antunes de Oliveira — Paulo Raimundo tem um tique problemático, sobretudo em debates na televisão: às vezes, quando está a contestar, entre dentes, um ataque do adversário, acena com a cabeça que sim. O espectador intui que Raimundo não concorda com aquilo, mas olha para o ecrã e fica confuso. Mais ou menos como qualquer eleitor há-de ficar quando ouve um candidato prometer um aumento de 7% para todas as pensões e de 15% para todos os salários, públicos e privados — e já. É possível que este tenha sido o debate em que o líder do PCP pareceu mais à vontade, mas, à distância, foi atropelado por um Luís Montenegro que controlou a discussão e foi muito claro nos momentos mais decisivos, atento às críticas mais subtis para não as deixar passar sem resposta e capaz de equilibrar a repetição de propostas e o combate político. (Já agora: estamos em fevereiro de 2024; o país tem muitos problemas para resolver; a troika não é um deles.)
Pedro Nuno Santos (PS)-Inês Sousa Real (PAN)
Alexandra Machado — “O país ferroviário está em obra por causa de um Governo do PS e já agora por causa de mim também”. Esta frase do debate de Pedro Nuno Santos mostra tudo sobre o líder socialista. É o fazedor, segundo o próprio, e também já tinha atribuído a si próprio o facto da CP ter tido lucros e neste debate até realçou ter fechado acordos com muitos sindicatos em muitas áreas. Ainda assim foi, em alguns momentos, um novo Pedro Nuno que se viu no debate com Inês Sousa Real, tentando não ser tão impetuoso nas respostas e tentou não haver um verdadeiro confronto. Mas Inês Sousa Real também foi menos incisiva do que tinha sido nos outros debates. É com Pedro Nuno que Inês Sousa Real espera negociar futuramente e, por isso, contrapôs no meio de risos quando o líder do PS disse que o PAN era ambíguo no seu posicionamento e quando se falou de IRC (Inês Sousa Real a propor a descida) até atirou o PAN para o centro-direita. Se calhar era o desejo de Pedro Nuno estar a debater com o centro direito. Começou a rebater Montenegro e manteve-se ao longo do debate a rebater a AD.
Filomena Martins — Pedro Nuno Santos finalmente foi Pedro Nuno Santos. Depois de criticar a ambiguidade do PAN, dizendo que não percebia porque estava o Pessoas-Animais-Natureza com um pé num lado e outro no outro, Inês Sousa Real caiu na esparrela. Saiu-se com aquela declaração de que só apoiou o governo da Madeira porque não há touradas no arquipélago e acabou a garantir que era mesmo do centro-progressista-que-é-de-esquerda. Foi o debate em que Sousa Real foi menos incisiva e em que o líder socialista se tornou mais objetivo, com a pitada de arrogância do sr. ferrovia. Uns pontinhos para ela por aquele lembrete sobre o caso do impacto ambiental do data center de Sines. Já ele, percebe-se bem quem é o seu o alvo: daí que o primeiro ataque foi para quem nem estava na sala, Luís Montenegro. Uma descortesia, mas com intenção.
Ricardo Conceição — Ainda bem que o texto não tem som nem imagem e assim, poupo o leitor de um sonoro bocejo provocado por um debate desinteressante. Pedro Nuno Santos não se deu ao trabalho de debater com Inês Sousa Real. O secretário-geral do PS atacou o PAN por falta de clareza ideológica e até conseguiu arrancar de Sousa Real que era “de centro-esquerda”. Porém o grande objetivo (conseguido) era atacar o centro-direita. Colou a AD (outra vez) ao ataque aos pensionistas e deu garantias que só os socialistas podem defender o ambiente e o SNS. Inês Sousa Real não conseguiu impôr-se em nenhum momento e não atacou o seu oponente. Sabe que precisa do PS para sobreviver. Seria de esperar uma líder do PAN mais madura e incisiva. Pedro Nuno libertou o Pedro Nuno que há si e apresentou-se como alguém que faz, que decide, que não quer andar “a arrastar os pés”. O secretário-geral dos socialistas falou para fora e não perdeu muito tempo com o PAN. Venceu sem dificuldades.
Rui Pedro Antunes — Pedro Nuno Santos entrou no debate a responder, estilo tempo de antena, ao que Montenegro tinha dito na apresentação do programa. Ora, se quer muito debater com o líder do PSD, tem bom remédio: aceita o frente-a-frente proposto pelas rádios e consegue fazê-lo duas vezes (um nas televisões está garantido). Lá percebeu que era com a líder do PAN que tinha que debater e teve sucesso a expor a falta de posicionamento ideológico do partido animalista. Aproveitou, por exemplo, o IRC para dizer que essa é a parte “centro-direita” do partido de Sousa Real. Isto quando, ao mesmo tempo, conseguiu que Sousa Real se retirasse do bloco de direita no pós-eleições. Frases arrancadas à líder do PAN como “acordo na Madeira foi possível porque não há touradas” ou que CDS e PPM “não correspondem aos desafios do século XXI”, mostram que, na verdade, Pedro Nuno Santos tem também ali um parceiro. O líder do PS não resistiu a voltar à humildade (ironia) que o caracteriza ao fazer uma espécie de “a ferrovia c’est moi” — disse que as obras avançaram “por causa de mim”. Já Inês Sousa Real embrulhou-se com o IRC e disse que não defende uma descida generalizada, mas com um teto. O programa do PAN de 2022 não diz nada disso. O de 2024 ninguém sabe porque o PAN ainda não o apresentou. Assim, Sousa Real pode dizer o que quiser. É confortável, mas não é credível.
Sara Antunes de Oliveira — Como discordar de um adversário de debate que queremos muito que seja nosso parceiro de parlamento daqui a um mês, se for preciso? Baixar o tom de voz, tratar o adversário só pelo primeiro nome, apontar todo e qualquer detalhe em que estejam de acordo, mesmo sendo ligeiramente condescendente aqui e ali e arriscando até abrir a conversa a responder a outro candidato, que nem ali estava. Aconteceu tudo entre as 21h e as 21h30 e a culpa não foi de Pedro Nuno Santos, foi mesmo de Inês Sousa Real, que conseguiu transformar o PAN num partido tão indefinido que acabou por dar por si a jurar por tudo o que é mais sagrado que não é de centro-direita — credo —, é de centro-progressista, que, explica, é centro-esquerda. Logo vemos o que diz à AD. (Do mais, o debate foi um bocejo que deve ter aborrecido muito o próprio Pedro Nuno Santos, o executor implacável que está farto de nós, que lhe devemos tanto e que em tanto não o deixamos avançar.)
Pode ver aqui as notas dos debates de segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira.