A recuperação da “imagem interna do Governo” de António Costa, que “se debatia com as nefastas consequências dos incêndios que levaram, inclusivamente, à demissão da ministra da Administração Interna”, e a reconstrução da credibilidade externa de Portugal junto dos países da NATO e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa — são estas algumas das motivações que terão levado Azeredo Lopes a ser cúmplice dos líderes da Polícia Judiciária Militar (PJM) nas negociações com o grupo de assaltantes dos paióis de Tancos liderado pelo ex-fuzileiro João Paulino que culminaram com o ‘achamento’ do material roubado num baldio da Chamusca a 18 de outubro de 2017.
Essa é a convicção dos procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que acusaram o ex-ministro da Defesa da alegada prática de quatro crimes: denegação de justiça e prevaricação (em regime de co-autoria), favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de justiça (como autor singular). E ainda descobriram uma troca de mensagens por SMS com um deputado do PS (Tiago Barbosa Ribeiro) alegadamente fatal para Azeredo Lopes, revelada em exclusivo pelo Observador, depois de apreenderem um telefone desconhecido ao ex-ministro da Defesa durante o seu primeiro interrogatório como arguido no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a 5 de julho de 2019.
O Observador resume o essencial do despacho de encerramento de inquérito do Ministério Público conhecido esta quinta-feira. São 556 páginas que contam uma história tão rocambolesca quanto pormenorizada sobre um ministro que alegadamente foi cúmplice dos líderes de uma polícia (a PJM) ansiosa por ter um triunfo depois de vários insucessos e que revelam o semi-amadorismo dos assaltantes que deixaram a nu as fragilidades da segurança do Exército português.
“Eu sabia.” Azeredo Lopes admitiu a deputado do PS que sabia do ‘achamento’
A denúncia anónima sobre o assalto à qual a PJM não ligou
Este caso de Tancos começa com uma denúncia sobre o assalto a “um paiol militar, localizado a 50 quilómetros de Leiria” que chegou à PJM em maio de 2017 — a trinta dias do assalto a Tancos — e que foi ignorada, lê-se no despacho de acusação. As informações tinham sido recolhidas junto de Paulo Lemos, mais conhecido por ‘Fechaduras’, por parte de uma procuradora do Ministério Público do Porto que abriu um inquérito por furto e as comunicou à Polícia Judiciária (PJ) de Vila Real. Problema: três juízes de instrução criminal, incluindo o juiz Ivo Rosa, recusaram autorizar a realização de escutas telefónicas e vigilância a alguns dos suspeitos que estavam sinalizados.
O que é certo, contudo, é que o major Pinto da Costa, investigador da PJM, recebeu a mesma informação da PJ de Vila Real mas nada fez. Este inspetor voltou a contactar o responsável da PJM após o assalto aos paióis de Tancos, que se verificou na madrugada de 28 de junho, e só nessa altura é que o investigador Pinto da Costa procedeu a diligências junto dos seus colegas.
Pior: apesar de o assalto ter ocorrido entre as 2h e as 4h da manhã de 28 de junho, a queixa do roubo do armamento só foi feita às 19h09m do dia 28 de junho de 2017 — isto é, mais de 15 horas depois de o furto propriamente dito ter ocorrido. E só às 21h50m é que os primeiros investigadores da PJM (o capitão João Bengalinha e o primeiro-sargento Floriano Murraças que nunca foram arguidos nem foram acusados) chegaram a Tancos para iniciar as investigações.
A proximidade entre Luís Vieira e Azeredo Lopes fez com que, logo no mesmo dia do assalto, o então diretor da PJM tenha ido à casa do ministro da Defesa, localizada na Alta de Lisboa. Mas Azeredo estava numa reunião da NATO, em Bruxelas.
Dois dias depois, numa reunião de urgência na Unidade Contra-Terrorismo da Polícia Judiciária onde excecionalmente esteve presente a procuradora-geral Joana Marques Vidal, o assalto a Tancos foi considerado como um “risco para a segurança interna e foi colocada a possibilidade de ligação da mesma a organizações terroristas”, entretanto afastada.
Só a 30 de junho é que os investigadores da PJM vão tentar interrogar Paulo Lemos, Fechaduras’, em Albufeira. Os trinta dias que se perderam impediram que se antecipasse o assalto que iria ser realizado e apanhasse mesmo os arguidos em flagrante.
O planeamento
Se a eficácia dos investigadores da PJM na prevenção foi praticamente nula, o mesmo não se pode dizer dos alegados assaltantes liderados pelo ex-fuzileiro João Paulino. Por exemplo, uns curtos e ultra-eficazes 15 segundos foi o tempo que demoraram a entrar nos paióis onde estavam guardadas as munições, granadas e explosivos na madrugada de 28 de junho de 2017. Com informações precisas sobre o formato dos cadeados que fechavam os paióis 14 e 15 — e com a ajuda de um saca cilindros adquirido na zona de Toledo (Espanha) — entraram quase à ‘velocidade da luz’ nos paióis.
João Paulino já tinha estado em Tancos em 2016 para vistoriar aqueles dois paióis. Todos os pormenores foram definidos em março de 2017, três meses antes do assalto propriamente dito ter ocorrido, nomeadamente o dia e a hora. E porquê? Porque na data escolhida a vigilância do quartel estaria a cargo do Regimento de Engenharia 1 — o regimento onde o grupo tinha uma toupeira: o 2.º furriel Filipe Sousa, sobrinho de um dos alegados assaltantes (Valter Abreu).
A forma como um grupo de assaltantes expôs as fragilidades de segurança do Exército português impressionou quando o caso foi conhecido. Mas também não é menos verdade que, após a operação, os assaltantes não primaram pela discrição. Pouco depois do assalto, a Polícia Judiciária (PJ) conseguiu provar facilmente as ligações entre a maior parte dos detidos — bastando para isso visitar a página de Facebook de João Paulino e de outros suspeitos que têm páginas com perfil público. Com mais tempo, a PJ descobriu igualmente que, mais dos que traficantes de armas, o grupo liderado por João Paulino estava essencialmente ligado ao tráfico de droga. A 25 de setembro, dia em que Paulino foi detido, foram-lhe apreendidos 66 quilos de cocaína e 16 quilos de haxixe.
O assalto teve um elemento essencial que se chama Filipe Sousa, sobrinho de Valter Abreu ‘Pisca’. Furriel no Exército, colocado no regimento de Engenharia n.º 1 em Tancos, terá sido ele que terá passado as informações centrais sobre a forma de organização das vigilâncias no quartel e, acima de tudo, a descrição pormenorizada das armas que estavam guardadas nos paióis.
Por exemplo, os investigadores têm prova indiciária de que Filipe Sousa, como 2.º Furriel e Comandante da Guarda aos Paióis, terá realizado um turno extra de 24 horas entre as 9h do dia 13 e as 9h do dia 14 de março de 2017 para confirmar todas as informações sobre as estruturas dos paióis e as falhas do sistema de segurança — informações que terá transmitido dois dias depois a João Paulino.
Mais: a 21 de março, Filipe Sousa terá telefonado ao cabo Nelson Furtado, seu camarada de armas no Regimento Engenharia 1, para confirmar a informação de que Furtado estaria escalado para os turnos de 27 e de 28 de junho de 2017. Essa foi uma informação fundamental para os assaltantes atacarem naquela madrugada, visto que tal confirmaria que seria Engenharia 1 a guardar os paióis. E porquê? Porque aquele regimento era o único que não tinha paraquedistas — tropa especial com maior rigor e operacionalidade na missão de vigilância dos paióis.
Certo é que, tal como já foi noticiado, na madrugada de 28 de junho de 2017 — e ao contrário do que ficou escrito nos registos do Quartel de Tancos — não houve qualquer ronda. Os militares de Engenharia 1 estavam na caserna a dormir, enquanto os oito assaltantes — sendo que um deles terá ficado na Torre de Vigia — entraram livremente no perímetro de Tancos e, durante duas horas, terão roubado mais de 300 quilos de armamento militar.
Filipe Sousa foi detido em dezembro de 2018 quando já tinha saído do Exército e encontrava-se a realizar um curso de formação na GNR em Portalegre para entrar na Guarda. Foi acusado pelo DCIAP de crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo.
A execução
Na madrugada de 28 de junho, duas viaturas deslocaram-se para o perímetro do Quartel de Tancos. A primeira era uma carrinha de caixa fechada de cor cinzenta conduzida por João Paulino, juntamente com António Laranginha, João Pais ‘Caveirinha’, Gabriel Moreira ‘Tige’, Fernando Santos ‘Baião’, Pedro Marques e Hugo Santos. O oitavo elemento, Valter Abreu, seguiu num Renault Mégane.
Havia ainda mais dois elementos: Paulo Lemos, conhecido por ‘Fechaduras’, tinha desistido de participar no assalto, enquanto Fernando Guimarães ‘Nando’ apenas tinha participado nos preparativos. Nem um nem outro foram acusados pelo DCIAP.
Regressemos ao assalto. Todos tinham gorros a cobrir as caras e usavam luvas para não deixarem impressões digitais. Um pormenor relevante: os assaltantes tinham desligado os telemóveis, de forma a que a PJ não conseguisse reconstituir o seu trajeto com a ajuda das antenas das operadoras de telecomunicações.
Foi Valter Abreu quem cortou a vedação do Quartel de Tancos para que os restantes assaltantes entrassem. Com a ajuda de um alicate, cortou a rede em forma circular e ficou à espera do lado de fora. O papel de Valter era de vigia, por isso mesmo ficou perto do Renault, a poucos metros do buraco que tinha feito na rede — e junto à carrinha que serviria para transportar o material furtado. Se alguém aparecesse, Valter deveria apitar e desligar o cabo da bateria para simular uma avaria no carro.
Tancos. Tudo o que está na acusação sobre o “papagaio-mor do Reino”
Entre os dezassete paióis militares que existem em Tancos, o objetivo dos assaltantes eram os paióis 14 e 15 e, segundo Abreu, João Paulino ter-lhe-á confidenciado que já tinha estado no interior das instalações militares em 2016 para verificar que material estava naqueles armazéns. Os sete assaltantes que entraram pelo buraco da rede levaram um carrinho de mão, tendo feito cinco ou seis viagens entre os paióis e o local de encontro.
Terá sido João Paulino a arrombar os cadeados e a violar os selos de segurança daqueles dois paióis. Paulino sabia perfeitamente como eram os cadeados, a marca e as características específicas das respetivas fechaduras, assim como sabia que Tancos tinha o sistema de video-vigilância desligado e que naquela noite não haveria rondas nem à meia-noite, nem às 4h, nem às 6h, como era suposto acontecer diariamente. Mais: mesmo que as rondas fossem feitas, o efetivo disponível não chegava para guardar em segurança o perímetro. Todas essas informações ter-lhe-ão sido passadas por Valter Abreu e pelo sobrinho deste: o segundo furriel Filipe Sousa, a alegada toupeira do grupo que fazia parte do Regimento de Engenharia 1 e fazia a guarda daquelas instalações militares.
Com a ajuda preciosa de ‘Fechaduras’ — como a própria alcunha indica, é especialista em arrombamentos —, Paulino levava consigo um saca-cilindros que tinha comprado a 16 março em Talavera de La Reina, em Toledo (Comunidade de Madrid). Com esse saca-cilindros, o ex-fuzileiro demorou 15 segundos a extrair o canhão da fechadura e a abrir os portões dos paióis. ‘Fechaduras’, tal como Abreu, colaborou com a investigação.
Os assaltantes terão percorrido uma distância entre os 2,5 e os 3 quilómetros para transportar cerca de 300 quilos de material militar sem serem incomodados por ninguém. Que material foi furtado? Munições (1.450 de 9 mm), disparadores de tração lateral multidimensional inerte, granadas de mão de gás lacrimogénio, granadas de mão ofensivas, granadas foguete anti-carro, entre outro material militar.
Com o material roubado devidamente acondicionado na carrinha, foi tudo tapado com cobertores. Os assaltantes queriam precaver a hipótese de serem mandados parar por uma brigada de trânsito. Por volta das 4h da manhã estava tudo terminado. O roubo só seria detetado 12 horas depois, por volta das 16h, quando voltaram a ser feitas as rondas pelos militares que deveriam guardar Tancos. Os cadeados não tinham os canhões de fechadura e os selos de segurança tinham sido violados. O alerta foi dado de imediato.
Segundo Abreu, após o assalto o grupo separou-se. Já sem o passa-montanhas a cobrir a cabeça, João Paulino liderou a pequena frota de dois carros em direção à A1. Os condutores das duas viaturas pagaram as portagens em dinheiro — uma vez mais para impedirem a localização — e separaram-se na zona de Aveiro.
Valter Abreu seguiu para a saída de Aveiro Sul, enquanto o grupo de João Paulino fez marcha-atrás e dirigiu-se novamente para sul. Terão passado Ansião e rumado à zona de Tomar, mais concretamente ao lugar da Portela de Carregueiros. Era aí que a avó de João Paulino tinha um terreno onde estava localizado um restaurante desativado chamado “Os Pegões”. Munido de caixas estanque próprias para acomodar material de guerra que tinha comprado na loja “Soldiers”, da Charneca da Caparica, Paulino terá enterrado parte do material nesse terreno da sua avó. Só depois disso é que os telemóveis foram ligados.
Quem são os assaltantes?
João Paulino tem 32 anos e pertenceu ao Corpo de Fuzileiros — a tropa especial da Marinha portuguesa. Na ótica da investigação do MP e da PJ, é ele o líder da alegada associação criminosa que efetuou o assalto a Tancos e terá alegadas ligações a uma rede de tráfico de droga não só na zona centro — Paulino explorava o “JB Bar” em Ansião (concelho do distrito de Leiria) — como também na zona de Albufeira (distrito de Faro), de onde é natural. Uma prova indiciária disso mesmo é o facto de lhe terem sido apreendidos no dia 25 de setembro uma quantidade muito significativa de droga: 66 quilos de cocaína e 16 quilos de haxixe. Várias testemunhas afirmam que o ex-fuzileiro teria alegadamente um fornecedor de droga na zona do Algarve, transportando a mesma para a zona Centro, onde alegadamente promoveria o tráfico de cocaína, erva e haxixe.
O grupo de João Paulino divide-se em dois subgrupos geográficos: os elementos de Ansião/Aveiro e aqueles que moravam em Albufeira. Comecemos pelos primeiros:
- António Laranginha — Dado como um segundo líder, mas menos importante que Paulino, com alegadas ligações ao tráfico de estupefacientes e de armas;
- Gabriel Moreira ‘Tije’, Hugo Santos e Pedro Marques — Amigos de João Paulino com quem costumavam jogar póquer no Chão de Couce (Ansião). A namorada de Pedro Marques também trabalhava no JB Bar;
- Fernando Santos, ‘Baião’ — Amigo de Paulino que também trabalhava no JB Bar;
- Valter Abreu, ‘Pisca’ — Distribuidor e consumidor da alegada rede de tráfico de droga de João Paulino. É tio do 2.º Furriel Filipe Sousa.
Já o subgrupo do Algarve era composto por:
- Fernando Guimarães, ‘Nando’ — Ex-camarada de armas de João Paulino no Corpo de Fuzileiros da Marinha de Guerra portuguesa;
- João Pais, ‘Caveirinha’ — Amigo de ‘Nando’ e de Paulino;
- Paulo Lemos, ‘Fechaduras’ — Conhecido por abrir todo o tipo de fechaduras. Foi um elemento fulcral na recolha de informação sobre a forma mais eficaz de abrir os cadeados dos paióis de Tancos.
‘Nando’ e ‘Fechaduras’ dividiam a mesma casa no Algarve e geriam em conjunto estabelecimentos de diversão noturna. Nenhum foi acusado pelos procuradores do DCIAP. O primeiro porque apenas participou nos atos preparatórios do assalto, enquanto o segundo arrependeu-se e decidiu não participar de todo na operação liderada por João Paulino.
A uns, como ‘Fechaduras’, Paulino terá prometido uma contrapartida de 50 mil euros para realizar o assalto a Tancos; a outros, como ‘Pisca’, apenas teria prometido metade daquele valor, 25 mil euros.
Os contactos do ex-diretor da PJM com Azeredo Lopes
Passaram-se cinco dias. Estamos a 3 de julho de 2017 e Luís Vieira deslocou-se à hora de jantar a casa de Azeredo Lopes e desta vez o ministro estava em casa. Eram 20h10m.
Horas antes, a então procuradora-geral Joana Marques Vidal tinha informado o diretor da PJM de que a sua organização não seria o órgão de polícia criminal do inquérito liderado pelo Ministério Público, sendo substituído pela PJ civil. Tudo porque o próprio Vieira tinha recusado colaborar com Carlos Farinha, então diretor do Laboratório da Polícia Científica da PJ.
De acordo com a acusação dos procuradores Vítor Magalhães, Cláudia Porto e João Valente, foi nesta conversa entre Luís Vieira e Azeredo Lopes que o diretor da PJM deu a conhecer ao ministro da Defesa Nacional que estava desagradado com a decisão de Joana Marques Vidal e pediu ajuda a Azeredo Lopes para que a investigação passasse, de novo, para a titularidade da PJM. Além disso, antecipou a visita que o Presidente da República iria fazer no dia seguinte aos Paióis Nacionais de Tancos.
Voltaram a ocorrer novos encontros a 22 de julho de 2017 e a 4 de agosto na casa de Azeredo Lopes sobre a mesma insatisfação de sempre de Luís Vieira: o grande descontentamento por a PJM ter sido afastada pela procurador-geral da Pública e a necessidade de inverter essa decisão.
Vieira esgrimia argumentos jurídicos para dizer que a lei orgânica da PJM, entre outras normas, estava a ser violada pelo Ministério Público — e chegou mesmo a solicitar um parecer a Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna.
Certo é que os procuradores do DCIAP dizem ter provas de como Luís Vieira transmitiu a 4 de agosto a Azeredo Lopes que “não seria o despacho do Ministério Público que iria impedir a PJM de fazer diligências e recuperar o material” e que iria iniciar tais diligências.
O diretor da PJM terá comunicado igualmente que existia “um indivíduo que estava disposto a negociar a entrega do material, exigindo não ser responsabilizado”.
As negociações entre João Paulino, a PJM e a GNR de Loulé
É na mesma altura que entra em cena a equipa da GNR de Loulé. O guarda Bruno Ataíde, amigo de infância de João Paulino, foi o elo de ligação entre a equipa da PJM liderada pelo major Vasco Brazão e o alegado líder dos assaltantes.
Paulino estava desconfiado que Paulo Lemos ‘Fechaduras’ o tinha traído, além de estar alarmado por a comunicação social não largar o tema do assalto a Tancos. Tudo isso fazia com que fosse muito difícil que o líder dos assaltantes conseguisse vender as armas roubadas.
Foi assim que João Paulino confessou a Bruno Ataíde que tinha sido ele o autor do assalto a Tancos mas que estava a disposto a entregar todas as armas às autoridades militares. Mas a entrega, contudo, não seria incondicional. Paulino só entregaria as armas caso lhe fosse garantido que a sua identidade não seria revelada e que não seria perseguido criminalmente. As mesmas condições foram exigidas para os restantes membros do grupo. A alegada farsa do ‘achamento’ da Chamusca começava a ganhar corpo.
Imediatamente, Bruno Ataíde acionou a cadeia de comando e passou a informação de Paulino aos seus superiores hierárquicos, como o sargento-ajudante Lima Santos.
Luís Vieira acaba por ser colocado a par dessa informação e contacta o coronel Taciano Correia, do Departamento de Investigação Criminal da GNR, para propor uma espécie de parceria entre a PJM e a GNR. Objetivo: levar a cabo diligências de investigação para recuperar as armas.
Ao longo do verão de 2017, sucederam-se as conversas entre João Paulino e Bruno Ataíde e mais tarde o major Vasco Brazão, da PJM.
Com as negociações com João Paulino a decorrerem desde julho e com um aparente acordo estabelecido, os majores Vasco Brandão e Pinto da Costa começaram a fazer viagens de reconhecimento aos locais na zona da Chamusca e Tomar para descobrirem o sítio ideal para guardar mais de 300 quilos de armamento.
Até que, a 16 de outubro de 2017, Paulino e Ataíde encontraram-se em Pombal para acordar os termos de entrega das armas e dos explosivos roubados em Tancos. Dois dias depois, é orquestrada entre a PJ Militar e a GNR de Loulé uma suposta chamada anónima onde é revelado o local exato onde estaria depositado o material de guerra. Assim, elementos da PJM e da GNR de Loulé localizaram junto a um curso de água seco, à entrada de uma herdade da zona da Chamusca, uma parte do material de guerra roubado. O material foi removido por ordens do coronel Luís Vieira, diretor-geral da PJM e iguamente arguido nos autos.
A realização da chamada anónima para dar o pontapé de saída para o ‘achamento’
A operação do ‘achamento’ começou com uma chamada telefónica anónima realizada a 18 de outubro de 2018. De acordo com a acusação, foi José Costa (investigador da PJM) quem realizou a chamada de uma cabine de telefone pública no Montijo para o piquete da PJM a informar que o armamento militar furtado de Tancos encontrava-se num baldio na Chamusca.
Poucos dias antes, Luís Vieira tinha solicitado ao chefe de gabinete do ministro da Defesa, tenente-geral Martins Pereira, que transmitisse a Azeredo a necessidade de se ativarm a força de reação rápida do Exército, caso fosse necessário ir buscar as armas.
De acordo com acusação, Azeredo Lopes voltou alegadamente a ter conhecimento de que a PJM “estava a negociar com um indivíduo a entrega do material militar subtraído de Tancos” e que, brevemente, a polícia poderia recuperá-lo.
No dia 18 de outubro, o ‘achamento’ propriamente dito concretizou-se. Não se sabe uma hora certa mas, lê-se na acusação, terá ocorrido entre as 21h40 de 17 de outubro e as 2h10 de 18 de outubro de 2017, pois foi nesse período que os acusados Bruno Ataíde e Lima Santos permaneceram na quinta da avó de João Paulino na zona de Tomar.
É também nesse mesmo período de tempo que João Paulino terá entregue a Lima Santos e a Bruno Ataíde “as caixas com o material militar que tinha subtraído dos paióis de Tancos”. Mas houve material militar que não foi entregue: 1450 munições de 9mm, um disparador de descompressão, duas granadas de gás lacrimogéneo, uma granada ofensiva, duas granadas ofensivas de corte para instrução, 20 cargas linear de corte CCD 20 e 10 cargas linear de corte CCD. O MP diz que João Paulino e António Laranginha ficaram com esses armamento na sua posse.
Coronel Luís Vieira: “Vamos para a guerra”
Depois de receberem o material furtado das mãos de João Paulino, Lima Santos e Bruno Ataíde deslocaram-se para a zona da Chamusca No local combinado, estavam à sua espera Pinto da Costa, Lage de Carvalho e José Manuel Gonçalves — que ali tinham chegado às 2h58m. “Num terreno junto a um leito seco de um ribeiro”, lê-se na acusação, “os cinco arguidos depositaram as caixas com o material militar entregue por João Paulino”.
Já o diretor da PJM não estava muito longe. Esperava uma chamada para sair de área de serviço de Aveiras de Cima, onde se tinha encontrado com os investigadores Vasco Brazão e José Costa, para deslocar-se para Chamusca. Mal viu Brazão, o coronel Vieira lançou um grito de combate: “Vamos para a guerra”.
Mal chegou à Chamusca, num momento raro de aparição num local do crime, o coronel Luís Vieira deu ordens para que “fosse formada uma coluna militar para o Campo Militar de Santa Margarida” — instalação militar onde o armamento recuperado foi depositado.
Às 10h08m, do dia 18 de outubro, Luís Vieira ligou ao tenente-general Martins Pereira e deu-lhe conhecimento, “e por via deste a Azeredo Lopes, e por via deste ao primeiro-ministro [António Costa], de que a PJM tinha, efetivamente, recuperado o material militar, com exceção das munições”.
Dias depois, Luís Vieira e Vasco Brazão entregaram um conjunto de documentação ao chefe de gabinete de Azeredo Lopes, tenente-general Martins Pereira: o famoso memorando com uma descrição de descrição pormenorizada “dos factos relativos à recuperação do material militar de Tancos”.