Deputado de verbo fácil, antigo secretário de Estado da Administração Interna de António Costa, ex-diretor de campanha do então candidato a primeiro-ministro, em 2015, colaborador antigo do líder socialista, Ascenso Simões não tem dúvidas: nas próximas legislativas, António Costa apostar todas as fichas na conquista da maioria absoluta.
Para o socialista, a crise política em que mergulhou o país tem em Marcelo Rebelo de Sousa o grande responsável. “O Presidente Marcelo deixou-se absorver por uma política de afetos, sem ser racional, ponderado ou distante como se exige a um Presidente da República no tempo em que vivemos”, diz.
Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, Ascenso Simões assume também que, no seu entender, o futuro do partido vai passar sempre por Pedro Nuno Santos. “Pedro Nuno Santos é a única pessoa que o PS tem para o próximo passo a seguir a António Costa. O único que tem a capacidade de lhe poder dar alma. O PS vai precisar de alma e de se confrontar consigo próprio. Vai precisar de um certo arrojo, de ter uma posição de afronta.”
[Ouça a aqui a Vichyssoise]
Governo caiu, país vai a votos. Estarão todos “lelés da cuca”?
“Vai ser mesmo Jerónimo de Sousa a ir para o terreno?”
Conhece António Costa há muito tempo, acompanhou-o de perto em muitas fases do percurso político dele. Diga-nos: quão satisfeito está António Costa por se ver livre da esquerda?
António Costa é talvez o homem mais pragmático que conheço na vida política. Portanto, a sua satisfação com a constituição da geringonça é exatamente a mesma que vive hoje com o fim desta primeira geringonça. Se houver necessidade e condições para se criar uma segunda geringonça, ele não tardará em encontrar essas mesmas condições.
Será essa a tentação de António Costa? Ou tentar uma maioria absoluta?
Estas legislativas que vamos ter são essencialmente um referendo a António Costa. Costa é hoje a personalidade central na vida política portuguesa. Tínhamos até há bem pouco tempo também o Presidente da República nessa luta pela centralidade, mas nos últimos meses deixou-se levar talvez por um excesso de protagonismo, um estilo que não é adequado ao tempo que vivemos. Nestes primeiros dois anos de mandato, muito fruto da pandemia mas também da presidência europeia, temos Costa como a grande figura central.
Mas entende que António Costa deve ir para campanha pedindo explicitamente a maioria absoluta?
Ele já o disse e eu também já o escrevi. O PS sempre que vai para eleições deve pedir todas as condições para governar. E essas condições neste momento são a existência de uma maioria absoluta.
Então não acredita de todo que, no caso de não existir uma maioria absoluta, que aliás só aconteceu com o PS em 2005, possa entender-se com o PCP e o BE?
Depende muito do resultado destas eleições. Estamos a três meses, mas com um cenário muito difícil de perspetivar. Quem vai a eleições contra o António Costa? Sabemos que à esquerda vai Catarina Martins e Jerónimo de Sousa — e até aqui vamos ponderar se vai ser mesmo Jerónimo de Sousa a ir para o terreno ou se entretanto o Comité Central do PCP não vai eleger como secretário-geral adjunto para fazer ele a volta a Portugal. Já à direita não sabemos nada.
Preferia Rui Rio ou Paulo Rangel?
Não tenho preferências relativamente ao PSD. Trata da sua courela e de tal forma que qualquer dia não tem nenhuma colheita. Vivemos uma circunstância no PSD, um partido central no sistema e com forte implantação, em que entrou numa deriva total de não saber o que vai fazer nos próximos tempos.
Relativamente ao PCP, preferia João Ferreira ou Jerónimo de Sousa? João Ferreira tem sido muito crítico da geringonça, quase bate palmas a cada momento que ela fica mais periclitante.
O PCP é um partido, não é um líder.
Mas pode vencer uma corrente que tenha mais a ver com um ou com outro.
Jerónimo de Sousa já não é uma corrente, já é uma figura, uma autoridade. Tem um poder majestático. Dentro do PCP o que podemos é ainda encontrar uma divergência entre Francisco Lopes e João Ferreira como protagonistas de duas visões, uma mais ligada aos operários e outra mais ligada aos intelectuais, com uma perda de importância muito significativa da CGTP, que se funcionalizou. O PCP não vai só aproveitar estas eleições e o que vem a seguir para confrontar uma solução de Governo e a sua participação nela; vai também pôr-se a ele próprio, enquanto partido, em causa. Se o PCP, que tem dois deputados no Alentejo, perder esses dois deputados, se pela primeira vez em Évora não tiver deputados, é uma circunstância muito complicada.
“Governo caiu porque o Presidente da República já tinha determinado que caía”
Falava sobre essa necessidade de esperar pelos resultados para perceber como seriam os entendimentos. Em 2015, o PS foi muito criticado por não abrir o jogo na campanha sobre o que aconteceria depois. Não acha que o PS deveria ser mais claro e dizer à partida como funcionariam esses entendimentos? Ou o eleitorado deve ir às escuras para as urnas?
A nossa democracia em 2015 tinha uma situação anormal, uma parte do eleitorado que nunca era chamada às soluções de Governo. Hoje já não precisamos de colocar essa hipótese no terreno. Os eleitores já sabem que há um partido, o partido charneira, que tem soluções.
Mesmo depois deste Orçamento?
Na vida política, o que hoje é, amanhã já não é. Temos de ser absolutamente práticos na abordagem dessas questões. O PS, para cumprir o seu triângulo de governação — Estado social, pensões e salários, de um lado; investimento público, privado e carga fiscal; e, no topo, equilíbrio das contas públicas — tem de ter uma presença no Parlamento que lhe garanta fazer esta política. Por isso é que António Costa, no seu discurso, coloca a palavra estabilidade como um elemento central.
Portanto: maioria absoluta ou nada.
Os portugueses é que decidem. O PS responderá tendo em conta os resultados eleitorais.
O PS sabe que sem maioria absoluta dificilmente conseguirá ter estabilidade, com PCP e BE.
Os portugueses sabem quais são as circunstâncias. Nunca tivemos uma circunstância de um Orçamento ter sido rejeitado. Temos um país suspenso em janeiro. Esta suspensão de país vai levar também o seu voto.
António Costa já admitiu o falhanço e a derrota pessoal neste entendimento. Não devia fazer alguma leitura disto?
Mas quais são os falhanços? Os falhanços são da guerra intestina dentro do PCP?
O próprio primeiro-ministro admitiu as frustrações.
Na vida política temos frustrações todos os dias.
Não pode ignorar que um Governo caiu.
O Governo caiu porque o Presidente da República, mesmo antes de o Orçamento ter sido chumbado, já tinha determinado que o Governo caía. Caiu porque o Presidente, no dia em que o Parlamento estava a discutir o Orçamento, pediu ao presidente da Assembleia da República para ouvir os partidos.
Houve um falhanço nas negociações. O próprio António Costa assumiu que isso era uma derrota pessoal.
E a democracia tem soluções. Podemos caminhar no sentido de continuar a negociação até encontrar Orçamento. Isso era se tivéssemos um regime em que o Presidente da República não tivesse o papel central que tem.
Governar em duodécimos era mais estável?
Não, mas se a primeira versão fosse rejeitada, podíamos continuar a negociar até encontrarmos uma solução, que é o que acontece em muitos países da Europa. Não vivemos fora do mundo ocidental, onde essas coisas são absolutamente normais. O dramatismo só existe em Portugal porque ainda estamos na construção do nosso próprio regime democrático.
“A seguir a Costa, Pedro Nuno Santos é único pode dar alma ao PS”
As coisas podiam ser diferentes se Pedro Nuno Santos fosse líder? Acha que fez falta nesta negociação?
Os tempos eram diferentes. Tenho para mim que o Bloco já há muito tempo tinha decidido não votar o Orçamento porque não saiu de nenhuma das suas exigências. Pura e simplesmente não saiu dali. Isto não é negociação. Acho que muitas das coisas que vinham sendo debatidas no próprio PCP, antes das eleições autárquicas, revelaram-se inevitáveis depois das autárquicas. O Orçamento não cai por si, não cai por uma solução governativa, não cai porque o Governo estava a governar mal; cai por mera tática.
Porque é que diz que o Bloco foi intransigente e não esteve na negociação e não há esse ataque tão cerrado ao PCP?
Os ataques ao Bloco e ao PCP são coisas das redes sociais.
Anda muito distraído em relação a algumas intervenções de alguns camaradas do seu partido.
As intervenções dos camaradas de partido valem o que valem, são deles.
Não acha que o PCP foi desleal na negociação?
Não, não acho. Nem acho que o Bloco tenha sido desleal na negociação. Em política, a deslealdade é uma coisa pessoal, não é uma coisa entre partidos.
Certo, mas no início desta resposta dizia que o Bloco nunca quis aprovar este Orçamento. O PCP alguma vez quis aprovar?
Dentro do PCP houve pessoas que quiseram aprovar e outras que não quiseram. E quem venceu foram as segundas. No debate orçamental, sentimos movimentos internos ao PCP. Provavelmente, se nós olhássemos para a bancada do PCP e lhes perguntássemos [o sentido de voto], teríamos da maioria dos deputados uma aprovação do Orçamento. O PCP não funciona assim, a exteriorização das opiniões do PCP é sempre mais ardilosa do que em qualquer outro partido, mas tínhamos informações de que o PCP tinha grandes movimentos internos para que não houvesse aprovação do Orçamento.
Não respondeu à nossa provocação: dá a sensação de que a pessoa mais felizes no país é Pedro Nuno Santos. A solução sem ele falhou e agora já se fala de um ciclo pós-António Costa com maior insistência. Entende que Pedro Nuno Santos é de facto o senhor que se segue e que o tempo de António Costa se esgotou?
Não. O tempo de António Costa não se esgotou. Vocês não quiseram ouvir, mas acho que estas eleições são um referendo ao primeiro-ministro. Vão ter como elemento central António Costa. Vão ter como elemento central numa perspetiva de governação e de estabilidade, de resposta para os moderados do país, os ataques que sejam quer for o líder do PSD vai fazer, e vai ter como elemento central os partidos à esquerda, que vão tentar demonstrar que afinal António Costa nunca esteve completamente presente em espírito e em ação nas negociações.
Sem António Costa, há dentro do PS capacidade para fazer novamente acordos como os que foram feitos em 2015?
Sem António Costa, o PS terá um período muito complicado e longo de oposição.
Liderado por?
Recordam-se certamente que, em 2017, dei uma entrevista de onde saiu aquela consagração hoje muito utilizada de ‘pedronunismo’ e em que eu dizia, para surpresa de muita gente, que se Pedro Nuno Santos for candidato à liderança do PS apoiá-lo-ei. Por uma razão simples: Pedro Nuno Santos é a única pessoa que o PS tem para o próximo passo a seguir a António Costa. O único que tem a capacidade de lhe poder dar alma. O PS vai precisar de alma e de se confrontar consigo próprio. Vai precisar de um certo arrojo, de ter uma posição de afronta.
Nem Fernando Medina, nem Ana Catarina Mendes têm essa capacidade?
O problema é este: quando precisamos de mudar de ciclo, precisamos de mudar de forma de olhar o mundo. Isso é normal. A seguir a Jorge Sampaio veio Guterres; a seguir a Ferro Rodrigues veio José Sócrates. Depois, houve um interregno…
O interregno chama-se António José Seguro.
O interregno… A seguir António Costa virá alguém que fará, desde logo, uma transferência geracional. É preciso não esquecer que a maior parte dos deputados que estão no grupo parlamentar, com exceção de cinco, nunca viveram a vida política antes de 1995. Isso é uma mudança muito significativa. Quando voltarmos para a oposição, com uma mudança geracional, teremos um outro tempo. De pessoas que se posicionam no PS de forma diferente.
Para ficar absolutamente claro: nesse “outro tempo”, que poderiam ser “novos tempos” mas o trocadilho seria infeliz, Fernando Medina e Ana Catarina Mendes não teriam papel de destaque nessa liderança?
Daqui por quatro, cinco, seis anos, não haverá uma continuação da visão de país de António Costa. Estamos longe disso, estamos a caminhar para umas eleições que são um referendo ao primeiro-ministro, que o PS quer ganhar com um amplo apoio da população portuguesa.
Já falou muito sobre Marcelo Rebelo de Sousa e a intervenção do Presidente da República neste processo. Acha que o Chefe de Estado teve a tentação, como muitos dizem que teve, de voltar a direita a governar?
Não acho que tenha havido parte do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa uma intenção clara de colocar a direita a governar. Se houvesse essa intenção clara, não tinha improvisado como improvisou ao longo dos últimos dois meses. Acho sinceramente que o Presidente Marcelo deixou-se absorver por uma política de afetos, sem ser racional, ponderado ou distante como se exige a um Presidente da República no tempo em que vivemos.
Vamos avançar para o segundo segmento da nossa refeição, “Carne ou Peixe”. Tem de escolher uma única opção: preferia demolir o Padrão dos Descobrimentos ou retirar os quadros com elementos esclavagistas do Salão Nobre?
Os dois.
Os dois?
Os dois, exatamente.
Se voltasse a ser diretor de campanha de um candidato do PS a primeiro-ministro preferia ser de Pedro Nuno Santos ou de Fernando Medina?
Não voltarei a ser diretor de campanha de ninguém.
A quem oferecia um relógio que já não usasse: Rui Rio ou Paulo Rangel?
A Rui Rio.
Se tivesse, como diretor de campanha, de colocar um cartaz de um político que representasse o que considera ser o pior do PSD optava por colocar a cara de Pedro Passos Coelho ou de Aníbal Cavaco Silva?
Aníbal Cavaco Silva.