Passa pouco das nove e meia da manhã quando chegamos ao destino. A majestosa serra da Arrábida à direita, o extenso estuário do rio Sado à esquerda, mas em frente uma barreira que controla a entrada de cada um. À nossa espera estão duas braçadas de coletes cor de laranja fluorescentes. Um contraste com o cinzento monótono da fábrica de cimento que aceitou acolher esta experiência do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia.

O Sol, que já vai alto, promete uma manhã quente e sufocante, dando ainda mais vontade de tocar na água que está a pouco mais de dois metros abaixo do nível onde nos encontramos. Ao largo pequenas embarcações de pescadores embaladas pela ondulação e barcos verde alface que transportam pessoas e veículos entre a cidade de Setúbal e a Península de Tróia. Entre o local onde nos encontramos e o cubo de cimento que nos acolherá nas próximas horas um grupo de peixes alimenta-se à saída de um cano de esgoto.

A passagem entre os acessos da cimenteira e o cubo de cimento é feita por ponte estreita de metal que Daniele Galliano, técnico responsável pela experiência, atravessa a custo devido ao peso da “mala” que controla o sistema que será agora testado. Este equipamento é acoplado à estrutura que já se encontra montada na plataforma e a um computador que contém os comandos e regista os dados. Embora o mecanismo da estrutura seja alimentado a energia solar, a “mala de controlo” tem duas baterias – bem pesadas – que lhe permitem funcionar durante quatro horas.

A estrutura que segura o sensor foi fixa à plataforma com a ajuda dos Bombeiros Voluntários de Setúbal, sob a orientação dos investigadores do Centro Comum de Investigação (JRC, na sigla em inglês para Joint Research Center), conta Daniele Galliano. A equipa de bombeiros manteve-se presa por cordas para completar o trabalho. Agora, na plataforma que albergará mais de uma dúzia de pessoas, não existe qualquer proteção. Todo o cuidado é pouco para não cair ao rio. A experiência não exige muitos movimentos, mas quem assiste não quer perder a oportunidade de tirar mais uma fotografia. A quantidade de pessoas, pouco comum neste local, intriga um pescador que passa a poucos metros num pequeno barco a motor.

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Alessandro Annunziato, investigador responsável pela experiência, vigia de perto o acontecimento, enquanto acompanha os presentes, como a presidente da Câmara Municipal de Setúbal e o responsável pela vigilância sísmica no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Sentado em frente ao computador, Daniele Galliano está pronto para dar início ao teste do equipamento. Start. O objetivo é simular um tsunami equivalente ao de 1755, que afetou não só Lisboa, mas também Setúbal. O modelo matemático para esta simulação foi criado por Ricardo Tavares da Costa, investigador português a trabalhar no JRC.

Tsunami

@ Andreia Reisinho Costa

“Como não conseguimos fazer subir o nível do mar para simular um tsunami temos de fazer o sensor mexer para detetar essa alteração”, explica Alessandro Annunziato. O sensor, que se encontra virado para baixo, faz a leitura da distância a que se encontra o nível da água. À medida que o sensor, montado numa estrutura móvel, vai descendo, vai registando um aumento do nível do mar fictício, que fará disparar o alerta. Este é momento porque todos esperavam. O silêncio só é interrompido pela ondulação e, poucos minutos, depois por um telefonema do JRC a confirmar que o alerta disparou em Setúbal, a cerca de três quilómetros do local onde nos encontramos. Houve até quem ligasse aos bombeiros locais para saber o que se passava.

Daniele Galliano mantém-se atento ao ecrã do computador. Os movimentos do sensor, de maneira a simular a alteração do nível do mar, seguiam o modelo proposto do tsunami de 1755. Ricardo Tavares da Costa ressalva que é “uma simulação numérica de um cenário possível”. Embora tenha calibrado o modelo com dados de tsunamis mais recentes, para fazer a simulação deste caso antigo, para o qual não existem registos de dados físicos, teve de basear-se em estimativas. O teste decorre normalmente e assim que o sensor deteta uma variação de 10 ou 15 centímetros do nível do mar, envia imediatamente um sinal para o painel. O alerta sonoro no Parque Urbano Albarquel, junto ao estuário, dá à população cerca de quatro minutos para tentar chegar a um local mais elevado.

No dia anterior testaram situações diferentes – que o alerta fosse enviado com variações do nível do mar mais pequenas e maiores -, para perceber qual o momento ideal para lançar o alerta. “Se escolhermos uma diferença [no nível do mar] muito pequena podemos ter muitos alertas falsos, se a diferença for muito grande, o sistema pode não cumprir o objetivo”, explica Alessandro Annunziato. Outra questão que preocupa o investigador é perceber, para esta zona, a importância do alerta de tsunami detetar diferenças negativas ou positivas, se o nível do mar desce ou sobe, respetivamente. “Ainda este sábado o alerta disparou porque, devido à tempestade, o nível do mar desceu 20 centímetros.” Falso alarme.

A presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira, considera importante a adesão a este projeto porque o objetivo do município é “trabalhar na prevenção”. “Queremos organizar a equipa de proteção civil de maneira a que tenhamos os meios necessários para responder a este tipo de situações.” O painel do parque está montado desde 2011 e era ativado de forma manual pelos serviços de proteção civil locais. De há uns meses para cá, está ligado ao sensor colocado na cimenteira e será ativado automaticamente.

Quando recebe o sinal de alerta o painel no Parque de Albarquel faz soar uma sirene. Uma luz azul intermitente, como num carro da polícia, chama também a atenção para a mensagem escrita e ouvida várias vezes, em português e inglês: “Atenção. Risco de tsunami. Por favor, abandone este local. Dirija-se para uma zona elevada.” No verso do painel, as principais medidas a tomar em caso de tsunami. Mas tudo parece passar despercebido, mesmo quando soa a sirene. Ou porque já foi disparado mais vezes esta manhã, ou porque as pessoas não estão sensibilizadas para o problema, consideram os investigadores.

“Quando as pessoas sentem um sismo já estão em estado de ‘pré-alerta’, mas se for uma situação inesperada não”, refere Fernando Carrilho, chefe da Divisão de ​Geofísica​ IPMA, acrescentando que as pessoas precisam de ser sensibilizadas para a prevenção. “Se nos hotéis existe indicação das saídas de emergência em caso de incêndio, não assustaria se existisse também para o caso de tsunami”, diz o geofísico em relação aos hotéis no Algarve, onde um tsunami poderia provocar muitos estragos e vítimas, especialmente se acontecesse durante o período de férias.

O IPMA, mesmo não fazendo parte do projeto testado esta quinta-feira em Setúbal, tem acompanhado os trabalhos desenvolvidos pelo JRC. Fernando Carrilho considera que este sistema é uma boa opção para enviar o alerta à população. O grupo que coordena é responsável pela vigilância sísmica do território nacional e pretende incluir a componente de tsunamis no sistema operacional. Neste momento, quando ocorre um sismo em alto mar que tenha potencial de formação de tsunami, o IPMA envia um alerta para a proteção civil. A formação do tsunami será confirmada pelos marégrafos, que registam o fluxo de maré, espalhados ao longo da costa, mas o ideal é que sistemas como o que agora se testa pudessem ser colocados em alto mar para uma confirmação precoce do risco de tsunami.

Na Europa e mar Mediterrâneo, a Grécia, Turquia e Itália são os países com maior probabilidade de ocorrência de sismos. Mas Portugal também apresenta risco moderado, especialmente no sul e sudoeste do país. Setúbal, a cidade escolhida para este teste, tem pelo menos dois registos de grandes sismos na história – 1755 e 1858. Sendo uma zona ribeirinha e com muita indústria o risco de destruição em caso de tsunami é grande. Além disso, têm um porto. Os tsunamis, mesmo quando têm ondas pouco percetíveis, são conhecidos por causarem estragos graves em portos e marinas porque causam correntes muito fortes.

6 fotos

Este sistema permite “a ativação automática de um alerta no caso de ondulação perigosa de origem não sísmica, como as produzidas por deslizamentos de terras (deslizamentos subaquáticos ou desabamento de vulcões), relativamente aos quais os sistemas de alerta existentes baseados em sinais sísmicos não podem ajudar no alerta precoce”, lê-se no comunicado de imprensa. “Esta experiência faz parte de uma atividade europeia de investigação que estuda novos métodos avançados para melhorar os mecanismos de alerta de desastres e reduzir os tempos de transmissão de alertas às populações em risco.” Colocar os avanços da ciência e tecnologia ao serviço da segurança dos cidadãos é a missão do Instituto para a Proteção e Segurança dos Cidadãos do JRC, localizado na cidade italiana de Ispra, onde a equipa de Alessandro Annunziato trabalha.