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Walid Regragui, o técnico que se distingue nas conferências por falar várias línguas, tem sido uma das principais armas da caminhada de Marrocos
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Walid Regragui, o técnico que se distingue nas conferências por falar várias línguas, tem sido uma das principais armas da caminhada de Marrocos

The Washington Post via Getty Im

Walid Regragui, o técnico que se distingue nas conferências por falar várias línguas, tem sido uma das principais armas da caminhada de Marrocos

The Washington Post via Getty Im

Aviões a 450 euros, bilhetes à borla, jogadores nascidos fora e um técnico que gosta de Mourinho: a onda de sucessos de Marrocos

Marrocos chegou pela primeira vez aos quartos do Mundial numa história de encantar que começou torta com saída de Halihodzic em agosto mas que se endireitou com Regragui até ao "jogo de uma vida".

Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

A maioria dos analistas internacionais olhavam para este Mundial como uma possibilidade de pela primeira vez uma equipa africana poder chegar às meias-finais da competição após o total eclipse na edição anterior na Rússia onde nem uma conseguiu sequer passar a fase de grupos. No entanto, havia quase uma hierarquia de possibilidades para que isso acontecesse. Senegal à cabeça, vencedores da CAN que sofreram um golpe duro com a lesão de Sadio Mané na antecâmara do início. Tunísia, pelo grupo e pelo crescimento que vinha a indiciar. Gana, por ser quase uma crónica candidata ao título de “melhor do continente”. Camarões, a melhor equipa sem prémio da última Taça das Nações Africanas. Marrocos era a última, Marrocos é a primeira.

Era no mínimo improvável aquilo que está a acontecer. Pelo contexto: ninguém se consegue levantar de uma troca técnica a mal a três meses da competição. Pela competitividade: ninguém espera que uma equipa fique à frente do segundo e terceiro classificados do último Mundial. Pelo histórico: ninguém imaginava que uma seleção que passou apenas por uma vez os grupos possa passar. Passou, tendo essa particularidade de ainda não ter perdido e de só ter consentido um (auto)golo em 390 minutos. E o filme está longe de acabar.

Para já, os Leões do Atlas atingiram em quatro encontros três feitos que vão perdurar no tempo: chegaram pela primeira vez aos quartos, foram a quarta equipa africana a chegar aos quartos e tornaram-se a primeira equipa árabe a atingir os quartos. Mais uma vez, não acabou. É isso que Portugal vai colocar à prova.

A euforia também se pode medir nas ruas e nos locais mais emblemáticos de Doha. Se Marrocos vai jogar, está tudo à pinha; se Marrocos ganhou, está tudo entre o delírio e a euforia. E os marroquinos são cada vez mais no Qatar, como se viu no encontro com a Espanha. Sim, Marraquexe, Casablanca ou Rabat fizeram uma festa como nunca nas ruas onde até o Rei Mohamed VI esteve presente nas comemorações. Em torno do Estádio Cidade da Educação, uma loucura. No metro, ainda mais. No Souq Waquif, sem palavras. E com uma declaração do técnico marroquino Walid Regragui que quis fazer uma viragem de página em relação a todas as equipas africanas: “Em determinado ponto, teremos de ser ambiciosos. Mesmo sabendo que vai ser muito difícil, porque não um conjunto de África ganhar o Campeonato do Mundo?”.

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Marrocos voltará a contar com a presença de milhares de adeptos nas bancadas como aconteceu com a Espanha

Na cabeça dos jogadores, entrou a ambição (ainda mais). No coração dos adeptos, entrou a crença. Na alma de todas as pessoas de África e do mundo árabe, entrou a vontade. Há uma tentativa de inverter o paradigma dos Mundiais em que apenas europeus e sul-americanos têm “licença” para sonhar. Com os resultados a acompanhar esse discurso, sobretudo depois do triunfo com a Espanha, Marrocos fará o encontro mais importante da sua história, representando nesta altura um continente e um mundo que não “contavam”.

O melhor exemplo disso mesmo está a acontecer na Argélia. Isso mesmo, na Argélia. Mais rivais por motivos de vários índoles do que estes, era complicado encontrar. Como recordava a imprensa internacionais, há um par de meses tinha existido uma queixa dos Leões do Atlas contra a Adidas porque o equipamento que a marca alemã desenhou para os argelinos teria sido inspirado nos seus azulejos e que, como tal, era “roubo de património cultural”. Ainda agora neste Mundial, ainda na fase de grupos, a televisão estatal decidiu por exemplo não passar o resultado com a Bélgica. Pior era mesmo impossível. No entanto, e depois do triunfo histórico com a Espanha nadas grandes penalidades, vários argelinos saíram à rua para fazer a festa.

A “febre” chegou a Doha com uma mãozinha amiga, com o governo marroquino e a Federação de Futebol a fazerem acordos com a companhia aérea nacional para que alguns aviões pudessem partir rumo ao Qatar nos últimos dias a preços mais apelativos. Vêm todos cheios. Só através da “campanha”, sete aviões trarão cerca de 2.000 pessoas para a partida frente a Portugal. Cada bilhete custa apenas 450 euros. Mais: segundo foram contando ao Observador nos últimos dias, só no jogo com a Espanha nos oitavos foram oferecidos centenas de bilhetes na zona de Katara a adeptos que tinham chegado no dia. Esse é, aliás, um dos problemas que as autoridades tentarão controlar este sábado: há milhares de adeptos a chegar sem ingresso.

Adeptos marroquinos invadiram Doha e festejaram triunfo histórico frente à Espanha em locais como o Souq Waqif

Esse estado de espírito nunca antes visto entre os marroquinos tem também prolongamento em todas as conferências de imprensa, com os jornalistas nacionais muitas vezes a pedirem a palavra só para dizerem o orgulho que sentem na equipa e no seu treinador. “Não quero fazer nenhuma questão, quero só agradecer agradecer. Ganharam a confiança de uma nova geração de marroquinos. Estou a falar e já tenho lágrimas nos olhos”, disse um dos presentes. “Continue assim e a deixar-nos sonhar”, referiu outro. “Queria deixar uma mensagem de toda a minha família que está em Marrocos a vibrar: obrigado”, frisou outro. Antes do jogo de Portugal, a conferência voltou a ter muitos aplausos no início e saudações no seu final.

Mas que fenómeno é este que ameaça agora a terceira presença de sempre da Seleção numa meia-final de um Campeonato do Mundo? No fundo, esta é a história que começou com linhas tortas e endireitou-se.

No final de agosto, a ligação de Marrocos a Valhid Halihodzic quebrou. O caso com Ziyech, uma das grandes estrelas da equipa que anunciou a renúncia à seleção em conflito com o técnico, foi a última gota para que o técnico acabasse mesmo por sair por recusar convocar o jogador do Chelsea em nome do ambiente salutar no balneário. Já se sabe, esta é uma corda que costumar partir sempre para o mesmo lado e foi aí que Regregui recebeu o convite para assumir o comando da equipa tendo vista a fase final do Campeonato do Mundo. O técnico nascido em França quase caiu de paraquedas no meio do turbilhão mas a saber o que faz. E não é a primeira vez que passa pela seleção, tendo sido adjunto de Rachid Taoussi no início da carreira até 2013 e passando depois por FUS, Ah Duhail e Wydad. Nesse percurso foi aprendendo. Muito. E com um português entre as principais referência enquanto técnico: o português José Mourinho, agora na Roma.

Ziyech esteve na origem do último caso que valeu a troca técnica na seleção de Marrocos no final de agosto

Getty Images

Ninguém dava muito por ele, já chegou aos inéditos quartos do Mundial. Contudo, numa conferência onde falou em francês, inglês e árabe, expressou a vontade de não ficar por aqui. “É um jogo importante para que sejamos parte da história. Respeitamos Portugal, têm um alto nível, e eles também consideram que somos uma boa equipa. Será um jogo equilibrado e a decisão será tomada nos detalhes. Nesta altura, todas as equipas se analisam mutuamente. Claro que temos fraquezas, todas as equipas têm mas Portugal talvez tenha menos. Estamos habituados a estes jogos. Vamos tentar estabelecer um plano para criar um efeito surpresa. Sabemos que eles são favoritos e podem ganhar o Mundial, mas a Espanha também podia. Faremos com que tenham vida difícil”, comentou Regragui, projetando mais uma surpresa neste Mundial.

Para isso conta também com jogadores que alinham em alguns casos nos maiores clubes europeus e que defendem o país como poucos. Até mesmo aqueles que não nasceram no país mas têm nacionalidade de Marrocos querem dar o máximo não só pelo país que representam mas também pela memória que têm dos avôs e bisavós. Hakimi e Ziyech são alguns dos principais exemplos disso mesmo, mas há mais numa seleção que se foi fortalecendo com o passar de sucessivos testes contra as principais equipas que se encontravam no Mundial sempre com a premissa de que corriam mais, tinham maior intensidade no seu jogo e que entravam em campo com uma estratégia para ganhar. O mesmo que acontecerá este sábado.

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