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Protests Staged Across The Country As Leaked Report Indicates Supreme Court Set To Overturn Roe v. Wade
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Baixa menstrual, licença para o último mês de gravidez e fim dos dias de reflexão antes da IVG: Portugal pode replicar medidas espanholas?

Espanha quer criar uma baixa para dores menstruais, uma licença a partir da 36.ª semana de gravidez e o fim dos três dias de reflexão antes de um aborto. Como são vistas estas mudanças em Portugal?

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Em Portugal, a proposta caiu de forma tão rápida quanto apareceu no espaço público: a ideia era passar a penalizar, na avaliação, os médicos de família cujas utentes tivessem interrompido voluntariamente uma gravidez ou tivessem doenças sexualmente transmissíveis. Nos EUA, poderá estar para breve a possível anulação de uma lei com 50 anos e o consequente regresso do poder de cada estado para decidir que regras são aplicáveis ao aborto. Ao mesmo tempo, Espanha quer criar uma nova lei que inclui várias medidas ligadas à saúde menstrual e reprodutiva da mulher. Entre elas destacam-se uma baixa para as mulheres com menstruações “incapacitantes”, uma licença remunerada a partir da 36.ª semana de gravidez até ao parto e a possibilidade de as mulheres a partir dos 16 anos poderem realizar interrupções voluntárias da gravidez (IVG) sem precisarem de autorização por parte dos pais ou tutores.

“Abominável”. Supremo dos EUA pondera revogar lei do aborto que tem 50 anos. O que está em causa?

Este projeto de lei, intitulado “Ley Orgánica para la Protección de los Derechos Sexuales y Reproductivos y la Garantía de la Interrupción Voluntaria del Embarazo” (“Lei Orgânica para a Proteção dos Direitos Sexuais e Reprodutivos e a Garantia da Interrupção Voluntária da Gravidez”, numa tradução livre), e cujas medidas foram dadas a conhecer pelo jornal espanhol El País, ainda poderá vir a ser sujeito a alterações até terça-feira, quando irá decorrer a reunião de Conselho de Ministros do governo espanhol. Ou seja, não se sabe ao certo quantas destas medidas serão mantidas na redação final deste diploma, que, mesmo tendo luz verde na próxima semana, ainda tem um longo caminho pela frente até entrar em vigor.

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O Observador falou com especialistas e com os partidos com assento parlamentar sobre algumas destas medidas, para perceber se — numa altura em que se recolhem assinaturas para promover a Estratégia Nacional de Combate à̀ Endometriose e Adenomiose — as propostas espanholas podem levar a alterações na legislação em Portugal.

De todos os partidos, só o Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN) e o Livre falaram sobre esta temática, sendo que fonte do grupo parlamentar da Iniciativa Liberal e o Bloco de Esquerda abordaram apenas a questão da endometriose. O Ministério da Saúde e a Secretaria de Estado da Igualdade e das Migrações não responderam às questões enviadas pelo Observador sobre este tema, nomeadamente sobre se o Governo tenciona implementar medidas para promover a saúde menstrual e reprodutiva da mulher.

Mas, então, que medidas estão a ser equacionadas em Espanha e de que forma partidos políticos e especialistas de saúde olham para cada uma delas?

Baixa por “menstruação incapacitante”

As primeiras notícias do El País relativamente a esta nova legislação espanhola apontavam para uma baixa de três dias, que poderia ir até aos cinco, sob “supervisão médica”, para quem tiver “menstruação incapacitante”, que inclui sintomas como dores intensas, cãibras, cólicas, náuseas, tonturas e vómitos.

Esta sexta-feira, contudo, o jornal espanhol fazia saber que o governo deixou cair o limite temporal desta baixa. “Vamos reconhecer legalmente o direito das mulheres com menstruações dolorosas a uma incapacidade temporária especial que será paga pelo Estado desde o primeiro dia”, lê-se no tweet da ministra da Igualdade de Espanha, Irene Montero. “Estamos a fazer progressos para que já não seja normal ir trabalhar com dor e para acabar com o estigma, a vergonha e o silêncio em torno da menstruação. Estamos a fazer progressos em termos de direitos.”

Se esta medida entrar em vigor, Espanha tornar-se-á o primeiro país da Europa a prever uma licença menstrual. Uma medida que não é, porém, uma novidade a nível mundial. No Japão está prevista desde 1947 e na Coreia do Sul desde 1953. Desde 2003 que a legislação da Indonésia prevê dois dias de licença para mulheres durante a menstruação. Em Taiwan, por exemplo, a legislação refere um dia e no máximo três por ano. Já na Zâmbia, as mulheres têm direito a um dia por mês, intitulado o “Dia da Mãe”, independentemente de as funcionárias terem ou não filhos.

À luz do que se está a passar no país vizinho, o PAN avançou, esta sexta-feira, com uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2002 que prevê a tomada das “diligências necessárias” por parte do Governo para “prever a possibilidade de atribuição de uma licença”, que pode ir até aos três dias por mês, para as mulheres com “dores graves incapacitantes” durante a menstruação.

“A trabalhadora prova o facto invocado para a licença, a prestar em prazo razoável, por meio de declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico”, lê-se ainda no documento apresentado pelo partido liderado por Inês Sousa Real. “Não faz sentido que uma mulher tenha de se socorrer de uma baixa médica por outras razões”, considerou a líder do PAN ao Observador, na véspera da entrega desta proposta de aditamento.

Relativamente a esta temática, o Livre propõe “um inquérito ao impacto da saúde menstrual na vida das mulheres em Portugal” para conhecer melhor “a realidade” e para se tentar perceber “de que universo estamos a falar”.

“Uma vez feita essa análise, conheceremos melhor esta realidade e teremos mais capacidade para fazer mudanças na lei, caso sejam necessárias. Aí convém analisar de que mudanças estamos a falar”, sublinha Rui Tavares ao Observador, referindo a possibilidade de “usar Espanha como teste”, para perceber como serão implementadas estas medidas, “ao mesmo tempo que se faz o inquérito”.

Abortion Advocates Demonstrate At Supreme Court Justices' Homes

Protestos junto à casa de Brett Kavanaugh, juiz do Supremo Tribunal dos EUA, organismo pode vir a acabar com a lei do aborto no país. "Os nossos direitos não são para ser debatidos", lê-se no cartaz

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Luís Mendes da Graça, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal, recordou ao Observador que, durante o Estado Novo, as funcionárias públicas tinham direito a dois dias por mês — ainda que a lei não especificasse que seria devido à menstruação. O ginecologista e obstetra, contudo, não vê com bons olhos a inscrição desta medida na legislação portuguesa, considerando que pode “abrir a porta a grandes abusos”.

“Há que dar a possibilidade às mulheres com menstruações dolorosas de poderem efetivamente faltar ao serviço, mas não pode ser uma coisa generalizada”, diz o professor catedrático jubilado de Obstetrícia-Ginecologia da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Para Rui Nogueira, antigo presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, mais do que criar uma baixa específica para as mulheres com menstruação dolorosa, é preciso encontrar soluções a nível da sociedade “para dar resposta a uma situação tão frequente e pouco grave”.

Não é absolutamente necessário que haja uma observação médica para atestar esta condição. Era mais razoável ajudar as pessoas a encontrarem soluções para a sua incapacidade laboral do que estar a obrigar a levar um papel [do médico] e ter o stress de levar a justificação [para o local de trabalho]”, defende o especialista em Medicina Geral e Familiar, acrescentando que “as pessoas deviam ser chamadas à responsabilidade” e que, se existissem “prevaricações”, essas teriam de ser punidas.

O médico ressalva ainda que, atualmente, a justificação médica é a única forma que a mulher tem para não ir trabalhar devido a dores menstruais. Mas, apesar de ter as faltas justificadas, no ordenado são-lhe retirados aqueles dias em que não foi trabalhar. Ainda assim, considera que a criação desta baixa específica pode pôr as mulheres numa situação “muito vulnerável”. “Põe um rótulo e coloca-as numa situação de fragilidade, de visibilidade da sua condição de saúde. Não acho razoável.”

“Há que dar a possibilidade às mulheres com menstruações dolorosas de poderem efetivamente faltar ao serviço, mas não pode ser uma coisa generalizada”
Luís Mendes da Graça, obstetra e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal,

Já Gustavo Tato Borges, especialista em Saúde Pública, refere que esta baixa implicaria “um acompanhamento médico” destas mulheres “mais próximo” do que o habitual e  questiona a sua “capacidade de aplicação”, tendo em conta que os Cuidados de Saúde Primários estão “assoberbados”.

“É capaz de ser um processo burocrático e difícil de implementar ou será demasiado alargado, o que fará com que haja exageros”, explica o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública ao Observador.

A MulherEndo — Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose — lançou, em abril, uma petição pública, que conta já com mais de oito mil assinantes, para a implementação de uma Estratégia Nacional de Combate à Endometriose e Adenomiose que inclui, precisamente, a “criação de uma licença menstrual” para as mulheres com este diagnóstico.

A endometriose, que afeta uma em cada dez mulheres em idade fértil, caracteriza-se pela presença do tecido do endométrio — a camada mais interna do útero — fora da cavidade uterina, em particular nos ovários, útero e trompas, mas que, em alguns casos, pode chegar até à bexiga ou intestinos. Já a adenomiose consiste na expansão do tecido endometrial para o miométrio — a camada média do útero que é constituída por músculo. Qualquer uma destas condições provoca dores intensas e, em alguns casos, incapacitantes.

"Não é absolutamente necessário que haja uma observação médica para atestar a esta condição [de dores menstruais]"
Rui Nogueira, médico de família e antigo presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Tendo em conta a prevalência desta doença nas mulheres, a Iniciativa Liberal vai avançar com uma iniciativa legislativa para que quem sofra desta doença possa ter uma “licença especial sem trabalhar no(s) dia(s) de maior sofrimento”. “A proposta deverá prever uma possibilidade de teletrabalho consoante o nível de incapacidade física e as dores sentidas pela trabalhadora, mediante acordo com a respetiva empresa”, referiu fonte do grupo parlamentar ao Observador.

Ainda relativamente à endometriose, enquanto doença que pode ser “incapacitante”, fonte do Bloco de Esquerda admitiu, em declarações ao Observador, ser de ponderar a “possibilidade de uma baixa médica [que] deve, evidentemente, ser acessível a qualquer pessoa que seja portadora de uma doença cujos sintomas sejam impeditivos do exercício da atividade laboral”. O partido acrescentou ainda que, na última legislatura, fez aprovar uma resolução sobre esta temática.

Produtos de higiene gratuitos para mulheres em prisões e “em risco de exclusão”

Outra medida que Espanha quer ver posta em prática é a distribuição gratuita dos produtos de higiene para a menstruação às mulheres que estejam em prisões, “centros educativos” e nos locais que “oferecem serviços sociais para mulheres em risco de exclusão”, sendo que, “progressivamente”, estes produtos seriam oferecidos em “todas as dependências dos organismos públicos”.

Em Portugal, de acordo com o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, a prisão entrega aos reclusos, à entrada, um kit de produtos “para prover às necessidades básicas de higiene”, o que no caso das mulheres inclui produtos como pensos higiénicos e tampões. No entanto, ao longo do período em que estiverem detidas, as reclusas têm de adquirir estes produtos na cantina, sendo que os seus preços são semelhantes aos praticados no mercado.

O antigo diretor do departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do Hospital de Santa Maria, Luís Mendes da Graça, concorda que os produtos de higiene para a menstruação estejam acessíveis a mulheres em risco de exclusão, referindo mesmo que o “Estado tem obrigação” de lhes dar “uma ajuda”, porque muitas vezes estas mulheres não têm possibilidades financeiras para comprar estes produtos.

Feminine hygiene articles

Ao entrarem na prisão, as reclusas têm direito a um kit de produtos que inclui pensos higiénicos e tampões

dpa/picture alliance via Getty I

A oferta de produtos de higiene para menstruação é, para Gustavo Tato Borges, uma “mais valia para a saúde reprodutiva” das mulheres com dificuldades financeiras, que estejam presas ou até que sejam refugiadas. Ainda assim, questiona a forma como a sociedade, e em particular as mulheres, vão olhar para este apoio específico.

“Na perspetiva da saúde, é sempre vantajoso terem acesso a este tipo de equipamentos para uma higiene mais facilitada durante este período. Do ponto de vista social, temos de ver se se considera que é um passo em frente para uma melhor sociedade ou se, pelo contrário, se olha como um problema”, diz o especialista de Saúde Pública, referindo que pode haver “setores da sociedade” que questionem esta medida, já que se estão a “fornecer cuidados para uma situação banal”.

O médico de família Rui Nogueira, por sua vez, é da opinião de que os produtos como pensos higiénicos e tampões, que são “bens de primeira necessidade”, devem ser gratuitos, mas sublinha a importância de certos produtos, como alguns geles de higiene íntima receitados pelos especialistas, não serem usados de forma indiscriminada, uma vez que podem “destruir a flora vaginal”, criando “desequilíbrios” na mesma.

“Se eu prescrever um gel porque há um corrimento que tem de ser tratado, então tem de ser feita uma higiene diferente”, diz o especialista, acrescentando que, por vezes, há produtos que são vendidos como sendo de higiene íntima — e provavelmente são mais caros —, quando na realidade não o são. No caso destes produtos, em que é necessário receita médica, o especialista defende que devem ser tratados como todos os outros medicamentos, ou seja, serem comparticipados.

“Na perspetiva da saúde é sempre vantajoso terem acesso a este tipo de equipamentos [produtos de higiene para menstruação] para uma higiene mais facilitada durante este período"
Gustavo Tato Borges, médico e presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública

Segundo a líder do PAN, o combate à pobreza menstrual tem sido um dos objetivos do partido. Ao Observador, Inês Sousa Real recorda que o partido já deu entrada de várias propostas neste sentido, sendo que mais recentemente apresentou uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para que haja uma distribuição gratuita dos produtos de higiene menstrual às mulheres mais carenciadas, tanto no ensino básico e secundário como no ensino superior, mas também nas unidades de saúde do SNS — para as mulheres “em situação de insuficiência económica” que os peçam — e ainda às reclusas e sem-abrigo.

Para a dirigente do PAN, o “ideal” seria que fossem distribuídos produtos de higiene para a menstruação que fossem reutilizáveis, mas há “contextos”, como é o caso das mulheres sem-abrigo, em que a deputada assume ser “impossível”.

Recorde-se que, em março, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou uma recomendação para a distribuição gratuita de produtos de higiene feminina reutilizáveis nas escolas públicas.

Assembleia Municipal de Lisboa aprova distribuição gratuita de produtos menstruais reutilizáveis nas escolas

Eliminação do IVA de produtos específicos de higiene feminina

O El País refere que a nova legislação prevê a eliminação da taxa de IVA “para os artigos específicos de higiene feminina”. Atualmente, em Portugal, os pensos higiénicos, os tampões e os copos menstruais são taxados a 6%.

IVA desce para os copos menstruais

Rui Tavares, deputado do Livre, recorda que a eliminação do IVA está na esfera do direito europeu, ou seja, implica uma alteração à lei europeia, pelo que será necessário acompanhar o que é feito em Espanha. “Se eles propuserem no Conselho da União Europeia que a Comissão tome uma decisão nesse sentido, então nós aqui, na Assembleia da República, temos de garantir que o Estado português vota favoravelmente à eliminação [da taxa]”, explica ao Observador o dirigente do Livre.

Para o ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal, porém, não faz sentido não taxar estes produtos: “Senão, tínhamos que eliminar o IVA do pão. Não podemos abrir mão de tudo o que sejam impostos”, defende o obstetra. Uma ideia contrária à do especialista em Medicina Geral e Familiar, Rui Nogueira, que defende uma taxa zero para os “bens de primeira necessidade”, como pensos higiénicos e tampões.

Já o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública sublinha, mais uma vez, que, em termos de saúde, a eliminação de “barreiras” no acesso das mulheres a este tipo de produtos é “uma mais valia, porque permite uma maior utilização”. “Se isto é algo que as mulheres consideram necessário para elas ou não, isso será uma discussão natural de se ter, [perceber] se este é o caminho que queremos ou se a sociedade — as mulheres — acham que não é necessário para já”, afirma Gustavo Tato Borges ao Observador.

Licença remunerada a partir da 36.ª semana de gravidez até ao parto

Espanha quer ainda criar uma licença pré-parto remunerada, mais concretamente a partir da 36.ª semana de gravidez até ao nascimento do bebé. Atualmente, segundo o Estatuto dos Trabalhadores em vigor naquele país, a mulher tem direito a uma licença de 16 semanas, das quais quatro podem ser gozadas antes do parto. O mesmo se passa em Portugal, onde as mulheres também podem gozar de 30 dias de licença parental antes do parto, mas estes dias são retirados à licença parental inicial — seja de 120 ou de 150 dias —, que por norma é gozada após o nascimento do bebé. Tendo isto em conta, assume-se que esta nova lei prevê uma nova licença, que permitia à mãe ter dias de descanso remunerado que em nada implicam com a licença parental pós-nascimento.

A relação entre histórico de gravidez e idade biológica persistiu mesmo após a contabilização de outros fatores, como nível socioeconómico, tabagismo e variação genética, mas não foi observada entre os homens da mesma amostra

Em Portugal, as mulheres podem gozar de 30 dias de licença parental antes do parto, mas estes dias são retirados à licença parental inicial

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“É a medida mais premente”, afirma Rui Nogueira ao Observador relativamente à licença prevista pelo governo espanhol. Para o médico de família, “não faz sentido que uma grávida tenha de continuar a trabalhar” nas últimas semanas de gravidez: “É um custo que a sociedade tem de ter, da mesma maneira [que deveria ter] com uma licença de maternidade no primeiro ano de vida do bebé”, considera o especialista, ressalvando, porém, que se a mulher quiser e tiver “condições para trabalhar”, deve fazê-lo. “Deve depender da iniciativa de cada uma.”

Gustavo Tato Borges também fala na necessidade de a maternidade ser “mais protegida” e de haver uma “licença parental adaptada” ao casal, nomeadamente “mais prolongada” e com “vencimentos adequados” para que tanto a mãe como o pai possam estar em casa com o filho. Todos eles “estímulos” para que se torne mais fácil para quem quer ter filhos avançar com esse projeto.

A licença pré-parto que Espanha quer implementar é vista pelo especialista em Saúde Pública como “positiva”: “É vantajoso para a mulher beneficiar deste apoio, porque permite preparar o parto, ter aulas de preparação para o parto, ter uma maior vigilância numa altura de maior volume abdominal e menor facilidade de movimento.”

O antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal também considera que se trata de uma “medida correta”, desde que seja “bem enquadrada” e “bem estudada”: “Uma mulher, a partir das 36 semanas, deve ter uma vida mais calma para evitar problemas na gravidez, como o parto pré-termo. É uma violência obrigar todas as mulheres a trabalharem até ao momento do parto”, diz Luís Mendes da Graça ao Observador.

Rui Tavares, do Livre, indica ao Observador que, para o Orçamento do Estado para 2022, apresentou uma proposta que visa o aumento da licença parental de 180 para 360 dias, “com incentivos a serem repartidos entre os dois progenitores”.

"É uma violência obrigar todas as mulheres a trabalharem até ao momento do parto”
Luís Mendes da Graça, obstetra e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal,

Alteração à IVG: mulheres a partir dos 16 anos poderem abortar sem autorização parental e eliminação dos três dias de reflexão

A nova lei espanhola prevê também várias alterações à interrupção voluntária da gravidez (IVG), em particular permitir que mulheres a partir dos 16 anos possam recorrer a este procedimento sem precisar de uma autorização por parte dos pais ou dos tutores; eliminar os três dias de reflexão obrigatória; e deixar de ser obrigatório entregar informação sobre recursos e ajuda disponíveis, caso a mulher opte por prosseguir com a gravidez — essa informação seria apenas disponibilizada se as mulheres a solicitassem.

Em Portugal, já é permitida a realização de uma IVG a partir dos 16 anos de idade sem autorização dos progenitores ou tutores. O aborto induzido em Portugal pode ser feito até às 10 semanas de gravidez, um prazo que pode ser prolongado até às 24 semanas em casos de malformação fetal ou doença congénita.

Em todos os casos, é obrigatória a realização de uma consulta prévia, preferencialmente no centro de saúde ou então no hospital da área de referência que tenha um serviço de obstetrícia e ginecologia. A IVG pode ser feita num hospital do SNS ou num estabelecimento de saúde “oficialmente reconhecido onde se pratique a interrupção voluntária da gravidez”, lê-se na legislação.

O tempo entre a marcação e a realização da consulta não deve ultrapassar os cinco dias. Nessa consulta, segundo um guia da Direção-Geral da Saúde, a mulher afirma a sua intenção de interromper a gravidez. O médico faz-lhe várias perguntas, nomeadamente sobre a sua história clínica e a data da última menstruação, e determina o tempo de gestação através de uma ecografia.

Na mesma consulta, a mulher é ainda informada dos vários métodos de interrupção da gravidez — através de medicamentos ou de uma cirurgia —, sendo que pode escolher qual deles prefere, “desde que seja clinicamente adequado à sua situação”. É ainda informada sobre o decorrer do processo e é-lhe entregue o impresso do Consentimento Livre e Esclarecido, que terá de ser entregue assinado ao médico até ao dia da IVG. No final, é marcada uma nova consulta para a realização do procedimento.

Alberta Pro-CHoice Activists Stand In Solidarity Of US Abortion Rights

"Direitos do aborto são direitos humanos", lê-se num cartaz usado numa protesto no Canadá em solidariedade pelo que se está a passar nos Estados Unidos

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A legislação prevê um período de três dias de reflexão entre a consulta prévia e aquela em que será realizada a interrupção da gravidez — à semelhança do que acontece em Espanha — e, nesse período, a mulher pode pedir apoio psicológico ou de uma assistente social.

Em novembro de 2021, num parecer a propósito de um projeto de lei apresentado na legislatura anterior pela deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira para o “alargamento do prazo legal” de acesso à IVG e para o “fim do período de reflexão”, a direção do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos (OM) considerou estes três dias fundamentais, pelo que devem ser mantidos, “embora sem caráter necessariamente obrigatório”. Já o Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas da OM vê a eliminação destes três dias de reflexão como “um claro retrocesso na perspetiva médica”.

Todos os especialistas contactados pelo Observador são a favor destes dias de reflexão. Gustavo Tato Borges refere que este é um período importante para a mulher — ou o casal, se for o caso — pensarem sobre uma decisão que é “irreversível”, considerando mesmo este tempo “uma mais valia para a certeza da decisão”.

“É uma decisão que não deve ser tomada a quente”, afirma o médico de Saúde Pública, que destaca, contudo, um problema: há mulheres que não podem esperar esses três dias sob pena de ultrapassar o prazo legal para a realização da IVG. Daí o especialista falar em “até três dias” para que a mulher ou o casal, com o apoio de uma equipa multidisciplinar, tomem uma decisão. “O período de reflexão deve continuar, não como forma de pressionar a mulher a não fazer [a IVG], mas para colocar as cartas em cima da mesa.”

“[O período de reflexão] deve continuar, não como forma de pressionar a mulher a não fazer [a IVG], mas para colocar as cartas em cima da mesa”
Gustavo Tato Borges, médico e presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública

Também a líder do PAN sublinha que estes três dias “podem pôr em causa o prazo legal” de uma decisão que “nenhuma mulher toma de forma leviana” e, se for caso disso, a obrigatoriedade deste período de espera não faz sentido. “Não nos opomos a que haja uma reflexão para eliminar barreiras [no acesso à IVG], nomeadamente estes três dias. Agora, é fundamental assegurar que é uma decisão consciente, livre e responsável e que a mulher tem acesso à IVG dentro das 10 semanas”, diz Inês Sousa Real ao Observador.

Rui Nogueira fala na importância deste período para “as pessoas refletirem” e para os médicos “ajudarem no que for necessário”, “sempre com a garantia de que não se está a convencer ou a alterar a disposição das pessoas em tomar aquela decisão”.

Luís Mendes da Graça, por sua vez, considera que “faz sempre sentido” dar às mulheres tempo para refletir. “Se são necessários dois, três ou cinco dias, é algo que tem de ser estudado. Estou de acordo que haja pelo menos 24 horas de reflexão”, diz o antigo diretor do departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do Hospital de Santa Maria.

Contracetivos hormonais gratuitos e distribuídos nas escolas

O Governo espanhol quer ainda tornar os contracetivos hormonais, incluindo a pílula do dia seguinte, gratuitos e permitir a sua distribuição nas escolas como parte da campanha de educação sexual.

A gratuitidade destes contracetivos é, para Rui Nogueira e para o obstetra Luís Mendes da Graça, algo de positivo, mas não a sua distribuição nos estabelecimentos escolares. O médico de família recorda que, nos centros de saúde, os contracetivos hormonais, como por exemplo a pílula e a pílula do dia seguinte, já são dados sem qualquer custo às utentes e defende a prescrição da pílula do dia seguinte por um médico ou por um farmacêutico. Isto porque se trata de um medicamento com uma “dose elevadíssima de hormonas”, e estar a tomá-lo “sem a avaliação [clínica] devida” pode conferir “algum risco para a mulher”.

Não é um contracetivo desejável, é um recurso para um acidente e que deve ser tomado sob orientação de um médico ou de um profissional de saúde habilitado a fazê-lo”, explica o especialista em Medicina Geral e Familiar.

Morning After Pill Goes On Sale In Spain

Espanha quer tornar os contracetivos hormonais, incluindo a pílula do dia seguinte, gratuitos e permitir a sua distribuição nas escolas

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Também o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública tem “dúvidas” relativamente à distribuição de contracetivos hormonais nas escolas e considera que a disponibilização destes medicamentos deve estar associada aos serviços de saúde: “Como há esta facilidade, de que qualquer jovem a partir dos 14 anos pode ter uma consulta de planeamento familiar — e a partir dos 16 pode estar sozinho nessa consulta —, há abertura para se entregar e tirar dúvidas sobre estes equipamentos. Pode haver dúvidas, trocas e até maus usos por falta de informação nas escolas.”

Posições contrárias às da deputada única do PAN, que diz que o partido nada tem “contra a distribuição” destes contracetivos nas escolas, sublinhando a importância de os jovens terem relações sexuais seguras: “Existindo esta realidade, é preferível uma prevenção do que estarmos a entrar no domínio das gravidezes indesejadas”, refere Inês Sousa Real ao Observador, que fala ainda no facto de existir ainda um “grande pudor” e uma “relutância” em envolver as escolas numa educação sexual dos jovens “mais prática e mais efetiva”.

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